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O Código de Defesa do Contribuinte

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 143-147)

4 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE

4.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À CONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO

4.3.5 O Código de Defesa do Contribuinte

O Código de Defesa do Contribuinte é um tema antigo e frequentemente repisado pela doutrina260. Este código “denota um conjunto de normas que regula a relação entre o contribuinte e o ente tributante.”261 O seu objetivo é criar meios que facilitem a atuação do Fisco no que diz respeito à fiscalização e à cobrança dos tributos, mas, principalmente, a sua

260

Os nossos tribunais parecem também dar sinal de uma maior preocupação com a proteção do cidadão-contribuinte, como será visto mais à frente, no 4.3.8.

261

ÁVILA, Humberto. Estatuto do contribuinte: conteúdo e alcance. Revista Diálogo

Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n.º 3, junho, 2001. Disponível

finalidade é a de reafirmar os direitos e garantias individuais do contribuinte262. Historicamente, aliás, a expressão “Estatuto do Contribuinte” foi geralmente empregada com um intuito de efetivar os direitos e as garantias do cidadão263.

O estudo do referido código termina, quase sempre, se confundindo com o estudo das limitações constitucionais ao poder de tributar264, ganhando ênfase os seus modos de efetivação265. Esta tendência não tem outro fundamento, senão a percepção de que o sistema constitucional tributário ainda não é realizado como deveria. Os direitos e garantias do contribuinte ainda são pouco efetivados na prática e esta é uma crítica que parece ressoar por vasta doutrina, não somente no Brasil, mas também em outros países da América e da Europa266.

Não poderia ser diferente, uma vez que se trata de um poder conferido ao Estado que recai sobre direitos fundamentais do cidadão. Diversos aspectos levam à especificidade da relação e

262 “O tema dos direitos humanos vinculado à idéia de tributação está intimamente

relacionado ao chamado ‘estatuto do contribuinte’ e, bem assim, às idéias de cidadania, ética e moral” (GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tributação e direitos fundamentais. In: FISCHER, Octávio Campos. Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 9).

263

“A expressão ‘Estatuto do Contribuinte’ foi criada por Juan Carlos Luqui em 1953 e se refere ao grupo de normas constitucionais que asseguram os direitos fundamentais do cidadão em matéria tributária” (GRUPENMACHER, Betina Treiger. Op. cit., p. 13).

264

Ora, o “Estatuto do Contribuinte” só realiza sua função de garantir direitos dos contribuintes e de limitar o poder de tributar se juridicizar tanto a forma quanto o conteúdo da tributação. A explicação coerente do significado normativo desses limites pressupõe, em nome do postulado da unidade da Constituição, a aproximação semântica das regras e dos princípios, de tal sorte que o sentido de cada um deles incorpore o significado dos outros que lhe são axiologicamente sobrejacentes. Será desacertada a interpretação das regras desvinculada dos princípios que com elas mantêm conexão semântica (ÁVILA, Humberto. Estatuto do contribuinte: conteúdo e alcance. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n.º 3, junho, 2001. Disponível em: <www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 26 mar. 2007, p. 6).

265

CARVALHO, Paulo de Barros. Estatuto do contribuinte, direitos, garantias individuais em matéria tributária e limitações constitucionais nas relações entre Fisco e contribuinte. Revista

de Direito Tributário, São Paulo, RT, v. 7/8, n. 9, janeiro/junho, 1979, p. 141. 266

“Al lado del contenido de las normas singulares, como decía al comienzo, el ‘Estatuto de

los derechos del contribuyente’ seña un importante desarrollo en la dilección de la justa tutela del ciudadano. Todavía, a distancia de casi dos siglos, es válido – a decir del juez Marshall en la nota a sentencia del caso McCulloch v. Maryland 17 US 315 (1819) – que: ‘an unlimited power to tax involves necessarily a power to destroy: because there is a limit beyond which no citizen, no institutions and no property can bear taxation’” (UCKMAR,

Victor. Los efectos en Italia del Estatuto del contribuyente. In: Heleno Taveira Tôrres (Org.).

Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e

à dificuldade de solução de questões surgidas a partir dela. Primeiro, a atuação estatal se dá precipuamente sobre a propriedade, grande motivo de discórdia entre os seres humanos. Segundo, trata-se de atuação estatal, que tende a se exceder. Terceiro, limita direitos fundamentais.

O Código de Defesa do Contribuinte deve facilitar a fiscalização sobre os cidadãos sem, no entanto, ferir os seus direitos individuais; deve trazer maior transparência, permitindo que o Fisco combata a sonegação; enfim, deve, dentro da legalidade, criar atalhos para que as Fazendas Públicas possam realizar o seu papel. Por outro lado, o código deve efetivar os direitos individuais, buscando coibir a atuação excessiva do Fisco, o que, a nosso ver, passa pelo reconhecimento do princípio do in dubio pro contribuinte, uma interessante saída para se chegar à tributação que respeite os limites impostos pelo próprio sistema.

O Código de Defesa do Contribuinte tem exatamente o objetivo de conferir a efetividade, que ainda não é verificada, às normas do sistema constitucional tributário, sobretudo do ponto de vista da proteção dos direitos fundamentais do contribuinte. O poder estatal corriqueiramente se excede, ferindo demasiadamente a esfera jurídica do cidadão267, o que não é uma novidade em qualquer país do mundo268, especialmente no Brasil. A despeito de ser possível construir os direitos e garantias dos contribuintes a partir da CF/88, a elaboração do código, a nosso

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“En mi contribución para el volúmen en memoria del sentido y querido amigo, profesor

Geraldo Ataliba (El sistema tributario: las instituciones, las administraciones fiscales, los contribuyentes.), en la denuncia de los graves defectos del ordenamiento tributario italiano debidos a la falta de equidad, eficiencia, transparencia e certeza en las tres actividades propias de un Estado de derecho (sancionar leyes, organizar la administración, servir justicia), había denunciado también el comportamiento del Fisco en su relación con el contribuyente al tratarlo como súbdito más que como un ciudadano” (UCKMAR, Victor. Los efectos en Italia del estatuto del contribuyente. In: Heleno Taveira Tôrres (Org.). Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no

processo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 793).

268

“El poder político no es una entelequia. Son hombres. Son los hombres que, con total

legitimidad, se sientan en los órganos del legislativo; trabajan en la burocracia del ejecutivo, o juzgan en los Tribunales de Justicia. El poder real son hombres y es humano que quien quiere el poder y lograr ocupar, con toda legitimidad, repito, sus posiciones, se resista a debilitarlas. El poder se resistirá siempre a que las exigencias últimas de la Constituición penetren completamente, plenamente, el ámbito en excesso vacío de Derecho del establecimiento y aplicación de los tributos” (LAPATZA, José Juan Ferreiro. El estatuto del contribuyente y las facultades normativas de la administración. In: Heleno Taveira Tôrres

(Org.). Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 316).

ver, reforça o texto constitucional269, nem que seja para lembrar o operador do direito da existência de um conjunto de normas constitucionais que existem para pôr a tributação dentro de limites bem determinados, evitando excessos sobre os direitos fundamentais, além de aproximar tais normas da prática a partir de um texto mais próximo dos problemas que sofrem os contribuintes no dia a dia.

O Código de Defesa do Contribuinte, entretanto, não tem a mesma força que o in dubio pro contribuinte para conferir efetividade aos direitos e garantias do contribuinte. Normalmente, estes códigos reúnem, em um só ato, os enunciados que estão espalhados por diversos outros atos normativos. Eles reforçam a existência das normas protetoras do contribuinte que podem ser construídas a partir de tais enunciados, mas não chegam a lhe conferir maior eficácia, determinando a sua efetividade, como pode fazer o in dubio pro contribuinte. Se a existência deste for reconhecida enquanto sobreprincípio do sistema constitucional tributário, a ótica do Direito Tributário deverá ser ainda mais voltada para a proteção dos direitos fundamentais do contribuinte. Esta norma irá rearticular as demais no sentido de estender os seus efeitos de limitação do poder de tributar. O problema, em nossa opinião, não está tanto na afirmação da existência de normas que veiculam direitos e garantias do contribuinte, mas na consciência de que estes requerem fortes argumentos para a sua limitação. É preciso firmar normativamente que os direitos fundamentais não são direitos comuns e devem receber uma atenção redobrada de todos.

Um Código de Defesa dos Contribuintes de caráter nacional é discutido, há algum tempo, no Brasil, mas até hoje não foi aprovado. Na Espanha, por exemplo, existe, desde fevereiro de 1998, a “Ley de derechos y garantías del contribuyente”, que foi incorporada pela “Ley

general tributaria” em 2003. Por aqui, o Estado de São Paulo270 e o Estado do Paraná271 já editaram e publicaram Códigos de Defesa do Contribuinte, os quais trazem inúmeros direitos

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Para José Juan Ferreiro Lapatza, um código ou estatuto que objetive defender os contribuintes não é o que deve ser pedido pela sociedade, mas sim uma efetivação, uma real aplicação das normas que já se encontram na Constituição. “Pues, hecha así, la petición no

puede dar al Estatuto que se pide otro sentido que el de carta de liberdades otorgada por el soberano a sus súbditos, a personas que no detentan el poder como ciudadanos, sino que están unidos a él por una relación especial de dominación o vasallaje. Hecha así, la petición de um Estatuto no puede sino robustecer al poder que lo concede.

La exigencia, que no la petición, há de caminar, en nuestras democracias actuales, en outro sentido. En el de exigir, que no pedir, insisto, la plena y completa aplicación de las normas constitucionales en todo el ámbito de los tributos” (LAPATZA, José Juan Ferreiro. Op. cit.,

p. 319).

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Lei complementar n.º 939/2003 do Estado de São Paulo.

e garantias do contribuinte, tentando aproximar as normas constitucionais da prática tributária de cada ente. Os textos das leis que impõem os códigos são muito importantes e promissores no sentido de dar maior proteção aos contribuintes, todavia permanece o problema de sua efetivação no plano concreto perante o poder estatal de tributar.

O princípio do in dubio pro contribuinte teria, nesta linha, uma maior eficácia do que o Código de Defesa do Contribuinte, porquanto reforçaria a importância de limitar o poder estatal de tributar perante os direitos fundamentais do cidadão. O princípio funciona como um fio condutor que busca dar efetividade ao conjunto de direitos e garantias constitucionais do contribuinte, influindo na construção das demais normas tributárias do sistema e nas tomadas de decisão que envolvam a limitação dos já bastante referidos direitos e garantias. Parece não restar dúvidas de que a efetivação dos direitos do contribuinte ainda está longe de ser alcançada, pelo que entendemos que o princípio constitucional do in dubio pro contribuinte seria de grande valia, não ficando adstrito ao, também importante, parâmetro que deve ser utilizado para a solução das questões tributárias de maior complexidade.

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 143-147)