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A FUNÇÃO EFICACIAL INTERPRETATIVA

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 173-177)

5 AS FUNÇÕES EFICACIAIS DO IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE

5.1 A FUNÇÃO EFICACIAL INTERPRETATIVA

Esta é a função que têm os princípios de influenciar a construção das demais normas jurídicas. A função eficacial interpretativa sobressai na construção das normas de menor abrangência,

que terão o seu conteúdo limitado ou estendido de acordo com a determinação do princípio310. No caso de um sobreprincípio, que possui maior amplitude de atuação, a sua eficácia interpretativa é grande e, ao mesmo tempo em que impõe conteúdo às normas menos abrangentes, confere unidade ao sistema, tendo em vista que as normas menos abrangentes mantêm coerência entre si (horizontal), assim como mantêm coerência com a norma mais abrangente (vertical) 311.

O in dubio pro contribuinte deve funcionar como um sobreprincípio que exerce eficácia interpretativa sobre todo o sistema constitucional tributário. Trata-se de norma que se encontra no topo deste subsistema constitucional, pois está vinculada à sua própria viabilidade. O Direito Tributário existe para regular a relação tributária, que deve refletir uma atuação do Fisco sobre o contribuinte que limite o mínimo possível os seus direitos fundamentais. A tributação não deve exceder a necessidade estatal de adquirir fundos para a consecução das suas atividades e os entes não devem exceder a competência e a capacidade conferida pelo sistema. Em outras palavras, o estado ideal da tributação é que se financie o Estado sem os mínimos resquícios de excesso sobre os direitos fundamentais.

O in dubio pro contribuinte tem uma função interpretativa de conferir arestas ao poder estatal de tributar, protegendo os direitos fundamentais do contribuinte. Deste modo, busca ampliar o conteúdo dos direitos e das garantias do contribuinte, contendo o poder estatal. O sobreprincípio atua, por exemplo, na interpretação das imunidades tributárias. Quando se fala na interpretação das imunidades tributárias, leia-se “a interpretação dos enunciados constitucionais que possibilitam a delimitação da competência dos entes tributantes, gerando a situação chamada de imunidade em fatos do mundo social”. Não se esqueça de que o fato também é resultado de interpretação, pois ele é um recorte do liame temporal moldado pelo intérprete.

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“Em segundo lugar, e agora em relação às normas de abrangência mais restrita, os (sobre)princípios exercem uma função interpretativa, na medida em que servem para interpretar as regras já expressamente previstas pelo ordenamento jurídico, restringindo ou ampliando significados” (ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 46).

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Paulo de Barros Carvalho demonstra este caráter dos sobreprincípios, que influenciam as normas menos abrangentes e por elas são influenciados. “Realiza-se o primado da justiça quando implementamos outros princípios, o que equivale a elegê-lo como sobreprincípio. E na plataforma privilegiada dos sobreprincípios ocupa lugar preeminente. Nenhum outro o sobrepuja, ainda porque para ele trabalham. Querem alguns, por isso mesmo, que esse valor se apresente como o sobreprincípio fundamental, construído pela conjunção eficaz dos demais sobreprincípios” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e

Há divergências no que diz respeito ao modo como devem ser interpretadas as imunidades tributárias312. Outrora, pregava-se que, assim como as isenções, as imunidades eram hipóteses de exceção, devendo ser interpretadas restritivamente. O argumento também carece de motivação. Dizia-se que devíamos restringir as imunidades porque não representam a regra, mas sim a exceção. E se for o caso de exceções tão relevantes que realizem valores mais importantes do que aqueles realizados pela própria regra?

No direito, não existem normas prévias de interpretação que sejam inexoráveis. O máximo que se pode fixar são parâmetros iniciais. A interpretação será restritiva ou extensiva de acordo com as circunstâncias do caso concreto, levando em conta os fins do sistema jurídico. Tanto as imunidades, como as isenções tributárias, não devem ser, em nossa opinião, sempre interpretadas restritivamente, nem sempre interpretadas extensivamente.

A interpretação extensiva significa construir a norma buscando uma extensão do conteúdo de significação trazido pelos signos postos no texto. Os signos, eles próprios, comportam diferentes conteúdos semânticos e, pior, refletem ainda maiores possibilidades significativas quando conjugados com os demais signos e com a realidade social, partindo-se, respectivamente, para os planos sintático e pragmático. A interpretação extensiva não é, portanto, uma invenção por parte do intérprete, não quer dizer deixar à sua discricionariedade a possibilidade de alargar os efeitos da norma. Interpretar extensivamente significa construir a norma com maior desapego à literalidade, buscando atingir as finalidades determinadas pelo sistema jurídico. Não há um sentido pronto no texto que será estendido em alguns casos, mas o sentido será construído de forma menos literal em face da necessidade de se realizar valores que sejam festejados pelo ordenamento jurídico, almejados pela sociedade que o criou e que é por ele regida.

Somente frente aos fatos será possível definir até que ponto deve ir a imunidade, tendo em vista as suas circunstâncias e, consequentemente, os valores em jogo. A regra é a maior extensão possível do efeito imunizante, uma vez que este limita o poder estatal, protegendo,

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O Ministro Celso de Mello já se posicionou a favor da interpretação extensiva das imunidades tributárias, apesar de reconhecer que foi vencido no RE 203.859/SP. O STF já interpretou as imunidades de forma restritiva em alguns casos, mas vem recentemente estendendo os seus efeitos na maioria dos casos. “Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado, na medida em que esse postulado fundamental, ao inibir, constitucionalmente, o Poder Público no exercício de sua competência impositiva, impedindo- lhe a prática de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas” (STF, RE 327.414/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20/02/2003).

por exemplo, coisas como os livros, os quais proporcionam maior acesso à cultura, ou protegendo pessoas, como as entidades religiosas, que permitem a disseminação da religiosidade, da espiritualidade, e as entidades sem fins lucrativos, as quais prestam os mais diferenciados serviços à sociedade, sobretudo à parcela mais carente. As imunidades dão efetividade a fins constitucionais por meio de uma maior limitação do poder de tributar, que, ao onerar certas pessoas, bens e situações, dificulta a realização de valores festejados pelas normas da CF/88.

Partindo para a prática, como dito, devem ser imunes os livros eletrônicos, uma vez que realizam a mesma finalidade dos livros não-eletrônicos, que é a de educação, disseminação da cultura etc. Ainda, as entidades religiosas não devem pagar impostos sobre as operações comerciais ou sobre as prestações de serviço que realizarem, desde que o objetivo seja reverter os fundos para o benefício da manutenção da própria entidade, mantendo a vinculação à finalidade constitucional que deve ser buscada.

A ocorrência de uma situação de imunidade ou não apenas poderá ser decidida frente às circunstâncias específicas de cada caso concreto, sendo apenas certo que a imunidade deverá ser estendida desde que o fato potencialmente tributável leve à realização dos valores protegidos pelo sistema constitucional. No momento da aplicação, o operador deverá decidir por alargar ou não o efeito imunizante após ponderar os valores envolvidos na questão. Conclui-se, portanto, que a extensão ou não da imunidade – assim como da isenção, veremos à frente – deve ser decidida perante as circunstâncias específicas do caso concreto. É possível, no entanto, estabelecer um parâmetro para facilitar as decisões e reduzir a sua carga de subjetividade. As imunidades existem para proteger os direitos fundamentais de determinados contribuintes que realizam algumas atividades, as quais têm uma importância constitucional que merecem uma maior contenção do poder estatal de tributar. Isto porque o poder de tributar claramente restringe o desenvolvimento das atividades dos contribuintes. As imunidades desoneram os próprios contribuintes de um modo geral, quando estes assumem um relevante papel na realização de fins constitucionais, ou desoneram os contribuintes de forma direcionada a bens ou situações determinadas, que também se mostram importantes para a sociedade.

Apesar de as imunidades recaírem sobre pessoas, situações, coisas; elas terminam por proteger os direitos fundamentais de determinados sujeitos, mesmo que por meio de situações ou coisas específicas. Assim é que os jornais ficam protegidos, as editoras de livros etc. O in

vez que o estado ideal de coisas que determina é a máxima proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes. Se este é o objetivo das imunidades, elas devem ser maximizadas com base no sobreprincípio, o que não impede que sejam restringidas nos casos concretos devidos. As imunidades não representam uma tentativa de realização de finalidades constitucionais específicas apenas, mas também da própria proteção à propriedade. Este é o meio para que se busque certas finalidades: a desoneração tributária de algumas pessoas ou de certas situações ou coisas destas pessoas. Daí porque a preocupação com a extensão das imunidades, que não somente têm o condão de proteger a propriedade de contribuintes determinados, porém realizam esta proteção por terem ainda outras finalidades constitucionais específicas que elevam a sua importância.

O mesmo deve ocorrer com as demais normas construídas a partir do art. 150 da CF/88. São todas normas limitantes do poder estatal, pelo que ganham máxima eficácia em virtude da existência do sobreprincípio aqui tratado. Não bastasse o fato de tais normas serem consideradas veiculadoras de direitos fundamentais, o que já lhes confere máxima eficácia, restringibilidade limitada etc., ainda há o reforço do in dubio pro contribuinte.

A própria interpretação do art. 112, II, do CTN, examinada no capítulo anterior, é determinada pelo sobreprincípio do in dubio pro contribuinte. Enquanto texto infraconstitucional, deve ser interpretado frente às normas constitucionais. Levando em consideração a existência do in dubio pro contribuinte enquanto sobreprincípio constitucional, a norma que deve ser construída a partir do dispositivo em questão revela o parâmetro que deve ser empregado na solução das questões tributárias, ou seja, impõe que, em princípio, havendo dúvidas em discussões de natureza tributária, deverão prevalecer os direitos fundamentais do contribuinte, a menos que existam argumentos fortes para afastar este

standard.

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 173-177)