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Os argumentos jurisprudenciais acerca do in dubio pro contribuinte

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 155-157)

4 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE

4.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À CONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO

4.3.8 Os argumentos jurisprudenciais acerca do in dubio pro contribuinte

O comportamento do Poder Judiciário acerca do in dubio pro contribuinte tem sido o de sua aplicação como regra, construída a partir do art. 112 do CTN, para afastamento de sanções imputadas aos contribuintes, quando houver alguma dúvida. As colocações realizadas no ponto 4.3.3.3 valem também agora. Entendemos que a interpretação que deve ser conferida ao dispositivo em questão, para que esteja em conformidade com a CF/88, é a de que os direitos fundamentais do contribuinte devem ser protegidos em qualquer questão tributária, de modo que, em caso de dúvidas, fáticas ou jurídicas, o ônus argumentativo deverá ser maior para os julgamentos que determinem a limitação, pelo poder estatal, da liberdade, da propriedade ou de qualquer outro direito fundamental.

O próprio STF, em diversos julgamentos, reconhece a importância de se conferir uma atenção especial aos direitos fundamentais286. No entanto, isto nem sempre ocorre quando se trata das relações tributárias. Teleologicamente, não há razões para se construir, a partir do art. 112 do CTN, que o contribuinte deve ser beneficiado, em caso de dúvida, apenas no caso de sanções, uma vez que as questões tributárias envolvem uma relação entre Estado e cidadão- contribuinte, o qual tem seus direitos fundamentais limitados por aquele.

Em alguns julgamentos, o STF dá um sinal de que pretende conferir maior efetividade aos direitos fundamentais do cidadão-contribuinte. Apesar de extensos, vale a pena citar trechos do voto do relator Min. Celso de Mello, quando do julgamento unânime do HC 82.788-8/RJ, que reconheceu a superioridade do poder estatal perante o cidadã; a falta de efetividade do plexo de direitos do contribuinte que compõem a CF/88; e a necessidade de um controle dos excessos por parte do Poder Judiciário:

[...] a controvérsia jurídico-constitucional suscitada na presente

286

STF, MS 22164-SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17/11/1995; STJ, ROMS 24339-TO, DJ 30/10/2008; STJ, MC 10613-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 04/10/2007.

impetração depende, para sua resolução, de considerações prévias, cujo exame reputo indispensável à análise do tema concernente ao poder do Estado e às relações entre o Fisco, os contribuintes e os cidadãos em geral.

Posta a questão nesses termos, reconheço que não são absolutos – mesmo porque não o são – os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, cabendo assinalar, por relevante, Senhores Ministros, presente o contexto veiculado nesta impetração, que o Estado, em tema de tributação, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.

Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um verdadeiro ‘estatuto constitucional do contribuinte’ – consubstanciador de direitos e limitações oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet. 1.466/PB, Rel. Min. Celso de Mello, ‘in’ Informativo/STF nº 125) – culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, trate-se de obrigação tributária principal, cuide-se de obrigação tributária acessória ou instrumental, a prática de garantias legais e constitucionais de que é legítimo titular, fazendo instaurar, assim, situação que só faz conferir permanente atualidade ao ‘dictum’ do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. (‘The power to tax is not the power to destroy while this Court sits’), em palavras segundo as quais, em livre tradução, ‘o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema’, proferidas, ainda que como ‘dissenting opinion’, no julgamento, em 1928, do caso ‘Panhandle Oil Co. v. State of Mississipi Ex. Rel Knox’ (277 U.S. 218).

Isso significa, portanto, que a administração tributária, embora podendo muito, não pode tudo, eis que lhe é somente lícito atuar, ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’ (CF, art. 145, §1º), consideradas, sob tal perspectiva, e para esse efeito, as limitações decorrentes do próprio sistema constitucional, cuja eficácia restringe, como natural consequência da supremacia de que se acham impregnadas as garantias instituídas pela Lei Fundamental, o alcance do poder estatal, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República.

[...] Cumpre reconhecer, desse modo, que a ação fiscalizadora do Poder Público, cuide-se, ou não, de matéria tributária, somente se revelará legítima, se e quando praticada nos limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos estatais incidirem em abuso de autoridade e em desrespeito à esfera e proteção que a própria Carta Política estabeleceu em favor de quaisquer pessoas, contribuintes ou não, conforme salienta o saudoso

e eminente Ministro Aliomar Baleeiro (‘Direito Tributário’, p. 1004, 11ª ed., 1999, Forense) [...] (STF, HC 82.788-8/RJ, Voto do Relator Min. Celso de Mello, DJ 02/06/2006) .

O argumento sistemático-jurisprudencial é, inicialmente, desfavorável ao princípio constitucional analisado neste trabalho, tendo em vista que os tribunais superiores vêm restringindo a interpretação do art. 112. Por outro lado, estes mesmos tribunais têm demonstrado uma forte preocupação com a realização dos direitos fundamentais do contribuinte, o que sinaliza uma possibilidade futura de reconhecimento do in dubio pro contribuinte. Se os últimos julgados ainda não o aplicam a todas as discussões tributárias, muito menos o reconhecendo como um princípio, a preocupação, cada vez maior, com a proteção dos direitos fundamentais indica chances de uma mudança próxima.

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 155-157)