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TIPO DE CONTRATO SOCIAL

3.2 A teoria da Multimodalidade: o texto além da escrita

Por meio da linguagem, participamos de processos de comunicação que se estabelecem natural ou forçadamente como práticas sociais habituais em sociedades em permanente construção. A linguagem aproxima, mas também distancia, cria laços ou os destrói, contribui para fortalecer identidades ou para debilitá-las A linguagem nasce conosco, portanto é inerente ao ser humano e nos coloca, pela sua intrincada relação com a nossa consciência, em um nível privilegiado na estrutura social. O domínio das suas técnicas constitui uma das ferramentas mais poderosas a nossa disposição. Escolher não só o que dizer, como dizer, a quem dizer mastambém escolher o que silenciar são processos intelectualizados que vão nos definindo no nosso papel de atores sociais.

Impossível pensar a Linguagem sem ligá-la à Comunicação, impensável conceber a Comunicação sem a sua ferramenta mais poderosa. Da mesma forma que a Comunicação não é apenas o que se diz ou o que se escreve, a Linguagem não se concretiza apenas na escrita ou na oralidade. Comunicação é entrar em conexão com o outro, é um ida e volta, uma troca, uma construção coletiva, e assim a Linguagem é (ou deveria ser) o caminho para o

fortalecimento desse intercâmbio horizontal. Em uma realidade ainda utópica, Comunicação e Linguagem contribuem para uma sociedade mais justa, menos desigual, com a distribuição de poderes mais equilibrada.

Em tempos nos quais as maiores inovações, provocadoras de profundas e vertiginosas mudanças sociais, têm sido aquelas provenientes da área da Comunicação,por meio do avanço permanente das novas Tecnologias disponíveis, a comunhão entre Comunicação e Linguagem tem se transformado no centro dos estudos dos analistas do discurso. A Análise Crítica do Discurso aborda linguisticamente e socialmente as marcas de abusos de poder e desigualdade, mas também entende que o discurso pode se constituir numa via emancipadora. Habitualmente, essas atribuições do discurso são exercidas em canais de comunicação. As características atuais das mídias, quanto à Convergência, à Transmidialidade e à Hipermidialidade17, colocam-se a serviço de textos que extrapolam completamente a composição exclusivamente escrita. Os textos são construídos multimodalmente, na conjunção de vários recursos. A construção de sentido é feita em uma concepção multisemiótica. Assim, para conseguir analisar esses textos, os estudiosos apelam também a um olhar multimodal.

Para Magalhães (2009), o texto como objeto de estudo da abordagem multimodal tem mudado sua própria natureza, a autora entende que

esta unidade é denominada de “texto”, agora entendido como unidade de significado em que se faz uso de recursos semióticos verbais, orais ou escritos, e não-verbais, como imagens, sons, gestos, dentre outros; analisado como um evento num dado contexto sociocultural e histórico de produção, de distribuição e de consumo (MAGALHÃES, 2009, p. 20).

O conceito de Multimodalidade surge na Semiótica Social, ciência que tem como preocupação não apenas o que dizemos mas a forma que escolhemos para dizer o que pretendemos. Conforme Barros (2005, p. 11), a Semiótica olha para “o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”. O conceito de multimodalidade, introduzido por Kress (1998), refere-se principalmente à combinação de recursos escolhida pelo usuário para produzir significado, entendendo que a linguagem é resultado de uma combinação de recursos que não podem ser limitados à escrita. Os que eram antes considerados como recursos extralinguísticos ou paralinguísticos são hoje, a partir dessa corrente, mais ferramentas para se dizer o que se pretende. Já não falamos em codificar ou decodificar e sim em construção de significado a partir de escolhas.

O texto, a partir da perspectiva de Luna (2002) e de Xavier (2006), em consonância com o professor Porfírio Silva18, não é apenas um conteúdo escrito. Segundo Xavier (2006), o texto pode ser construído a partir de muitos modos de comunicar, modos esses que podem ser proporcionados por uma linguagem escrita, oral ou visual, ou mediante a combinação dessas escolhas. Portanto, um texto multimodal não é mais do que um texto que se utiliza de vários recursos para construir o significado. Para Kress e Van Leeuwen (1998), todos os textos são multimodais. A utilização concomitante de mais de um recurso para produzir significados confronta as teorias linguísticasanteriores, que reduziam a linguagem à verbalização. A teoria olha para todos os elementos que representam escolhas de comunicação dos usuários da linguagem, tendo,assim, importância a oralidade, a escritura, as imagens, os sons, os gestos, as cores, os canais escolhidos para transmitir o desejado e tudo o que possa contribuir para atingir os níveis de comunicação pretendidos. Nas palavras de Kress e Van Leeuwen (1998), a escolha de caminhos de construção de significados está condicionada tanto pelo seu contexto cultural quanto pelas possibilidades que cada modo oferece nesse contexto:

significados pertencem à cultura, ao invés de modos semióticos específicos [...]. Por exemplo, aquilo que é expresso na linguagem através da escolha entre diferentes classes de palavras e estruturas oracionais, pode, na comunicação visual, ser expresso através da escolha entre os diferentes usos de cor ou diferentes estruturas composicionais. E isso afetará o significado. Expressar algo verbalmente ou visualmente faz diferença ¹ (KRESS, VAN LEEUWEN, 1998, p.2).

A convivência de múltiplos caminhos de construção de sentido não é necessariamente um fenômeno novo, porém assumir essa combinação de semiose “como objeto de estudo é ainda algo muito novo” (FERRAZ, 2009, p. 154). Em tempos de novas Tecnológicas de Comunicação e Informação (TICs) e de convergência midiática, apesar de a escrita tem deixado de ser o eixo da representação discursiva,os estudos linguísticos não têm se desprendido totalmente do enfoque que, como expressa Ferraz (2009, p. 154), “não basta mais para revelar a totalidade dos usos da língua e de seus fenômenos”. Têm autores, como Cope e Kalantzis (2009), que entendem que em alguns contextos a escrita já tem sido superada por outros modos de comunicação:

o efeito de todas estas mudanças ao longo da última metade do século, ajustando-se ao ritmo da digitalização, tem sido a redução do papel privilegiado do textual escrito na cultura ocidental, colocando progressivamente o visual e os demais modos ao

18_Disponível_em:_<http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorioacademico/_ed768_multimodalidade_afinal

mesmo nível. E inclusive em alguns contextos na atualidade outros modos são privilegiados por em cima dos textos escritos (COPE; KALANTZIS, 2009, p.362).

Cope e Kalantzis (2009) propõem uma Gramática da Multimodalidade, tendo como referência teorias anteriores que já abordaram essa perspectiva. Segundo os autores, “ao longo das décadas que tem durado esta transformação tem ido aparecendo relatos incisivos sobre a forma de atuar desta multimodalidade” (COPE; KALANTZIS, 2009, p. 94). Os pesquisadores (2009, p. 94) citam particularmente os estudos de Arnheim (1969), Kress & Van Leeuwen (1996), Mitchell (1986) e Tufte (1997).

Cope e Kalantzis (2009) partem da premissa de que entre os vários modos existem paralelismos e analogias, mas que todos eles se mobilizam em torno de cinco dimensões, são elas: Representacional, Social, Organizativa, Contextual e Ideológica. Segundo os estudiosos, essas dimensões estão presentes nos processos de construção de sentido por meio dos modos linguístico, visual, espacial, gestual e auditivo. Cope e Kalantzis (2009) ainda defendem que “o significado multimodal é também muito mais do que a soma dos modos de significado lingüístico, visual, espacial, gestual e áudio”, implicando em “processos de integração e de movimento da ênfase indo para frente ou para trás entre os diferentes modos” (COPE; KALANTZIS, 2009, p. 149).

Da proposta dos autores focalizaremos nas categorias do significado visualpara nos auxiliar nas análises das imagens divulgadas pelo movimento Vem pra rua nas redes sociais, principalmente no caso do Facebook e alguma postagem particular do Twitter que contenham imagens. A Gramática da Multimodalidade apresentada pelos autores “ilustra os paralelismos e as analogias entre os diversos modos em resposta a cinco perguntas sobre o significado” (COPE; KALANTZIS, 2009, p. 99). Essas perguntas-guias a que se referem os autores são:

• Representacional: ¿A qué se refieren los significados?

• Social: ¿Cómo conectan los significados a las personas implicadas? • Organizativa: ¿Cómo encajan los significados entre sí?

• Contextual: ¿Cómo encajan los significados en el mundo más amplio del significado?

• Ideológica: ¿Al servicio de los intereses de quién aparecen sesgados los significados? (COPE; KALANTZIS, 2009, p. 99).

Como mencionamos, todos os modos de significado compreendem as cinco dimensões propostas por Cope e Kalantzis (2009). Portanto, no caso do significado visual, consideraremos todas as perspectivas, priorizando umas ou outras, dependendo da imagem, para analisar as imagens selecionadas. Os pesquisadores representam, mediante quadros, um resumo da Gramática proposta:

Quadro 5: Dimensões do significado DIMENSÕES DO SIGNIFICADO MODOS DO SIGNIFICADO EXEMPLOS VISUAIS 1. REPRESENTACIONAL: A que referem os significados?

Participantes:

Quem e que esta participando nos significados que se representam?

Representações naturalistas e icônicas, contrastes distinguíveis por meio da vista.

Ser e atuar: Que formas de ser e atuar representam os significados?

Vetores, localização, portadores.

2. SOCIAL:

Como vinculam os significados às pessoas as quais pretendem envolver?

Papéis dos participantes na comunicação do significado: Como decide o escritor/orador

conseguir atrair o

leitor/ouvinte em direção ao significado.

Perspectiva, planos focais de afeto ou implicação.

Compromisso: Que classe de compromisso tem o produtor com a mensagem?

Contextualização, profundidade, abstração

Interatividade: Quem inicia o intercâmbio e quem determina a direção do mesmo?

Contato visual, Resposta

Relações entre participantes e processos:

Como estão interconectados entre se e com as ações e estados da existência que se representam?

Capacidade de protagonismo e ação tal e como aparece representada através de vetores, trajetória da mirada entre participante/espectador.

3. ORGANIZACIONAL: