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TIPO DE CONTRATO SOCIAL

4 UM PROCESSO CHAMADO COMUNICAÇÃO

4.6 O receptor emancipado: de leitor a enunciador

O receptor tem hoje a possibilidade de produzir e de veicular conteúdo, seja na modalidade de texto, de áudio ou de audiovisual. Cada vez menos comunicadores e pesquisadores aderem àideia de que o receptor alguma vez foi completamente passivo. Conforme Lévy (1999), o receptor “a menos que esteja morto, nunca é passivo”. O autor ainda afirma que “mesmo sentado na frente de uma televisão sem controle remoto, o destinatário decodifica, interpreta, participa, mobiliza seu sistema nervoso de muitas maneiras, e sempre de forma diferente de seu vizinho” (LÉVY, 1999, p. 80).

Em todas as possibilidades de produção, o comunicador está assumindo um novo papel que, como foi destacado, gera muitos questionamentos. Referindo-se especificamente à área audiovisual, a pesquisadora Sonia Sá (2015, p. 149) expressa que a internet é “uma ameaça à credibilidade dos conteúdos jornalísticos audiovisuais devido à produção de

conteúdos pelo cidadão, essencialmente na construção de histórias sem a verificação de um jornalista profissional” .

Esse novo destinatário/receptor/leitor tem sido objeto de estudo de vários pesquisadores interessados em desvendar o que enxergam como uma nova fonte de poder. Wolton (2006) chama a atenção para os riscos de uma sociedade sem mediação, “uma sociedade em direto”. Segundo o estudioso, em um mundo de overdose de informação, o papel dos mediadores faz-se imprescindível, “hoje em dia nossas sociedades carecem de mediação mais do que de midiatização. A midiatização não substitui a mediação humana, quer dizer o conjunto de contratos, rituais, e códigos indispensáveis para a comunicação social e a vida cotidiana” (WOLTON, 2007, p. 178).

Uma observação importante, apresentada por Wolton (2006) e compartilhada por vários pesquisadores da área, entre eles o professor da Universidade de Buenos Aires, Washington Uranga33, destaca que esse aumento geométrico de mensagens, meios e suportes não tem aumentado a diversidade dos discursos que circulam. A maior dificuldade da Comunicação está no “outro”, o receptor, que Wolton (2006) denomina de “caixa preta” e, segundo ele, é quem revela a imperfeição da Comunicação. Em tempos de hipermidiatização, com todas as consequências que isso pode estar gerando, os destinatários das mensagens são os que fazem a diferença. Wolton (2006, p. 14) reforça esse conceito ao manifestar que:

expressar-se não basta para garantir a comunicação, pois deixa de lado a segunda condição da comunicação: saber se o outro está ouvindo ou se está interessado no que digo.... Daí a lógica: quanto mais as técnicas permitem a expressão, mais a questão do feedback, do retorno, torna-se importante.

Kaplún (2005, p. 53), nessa linha de pensamento, expressa que “a assimetria emissores/receptores vai se superando e se avançaem direção à construção de isso que alguns denominam “emirecs”, emissores ereceptores ao mesmo tempo”. Realidade que Castells (2009) chama de “auto-comunicação de massas”, isto é, que a fonte da informação e do entretenimento, que antes estava destinada ao dono e ao trabalhador das mídias, sejam elas tradicionais e hegemônicas ou alternativas, hoje estão nas mãos das pessoas, desde os lugares mais diversos. Santaella (2011) apresenta o leitor atual como “prossumidor”, em uma conjunção dos termos produtor e consumidor, já que um dos aspectos mais revolucionários do

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O professor, jornalista e pesquisador Washington Uranga provocou essa reflexão no encerramento do Seminário do Observatório de profissionais da Comunicação, na Universidade da República no Uruguai, no dia 22 de julho de 2016.

novo ecossistema da Comunicação Social é justamente o desencaixe que o consumidor de mídia tem sofrido ao lhe serem “oferecidos” canais de expressão.

Santaella apresentou, em 2004, uma categorização que respondia ao perfil cognitivo dos leitores em função das condições ambientais e culturais nas quais estavam inseridos. A pesquisadora destaca que “não há porque manter uma visão purista da leitura restrita àdecifração de letras” (SANTAELLA, 2011, p. 19). A coexistência de múltiplos símbolos, em todas as esferas da vida cotidiana, expõe às pessoas a uma leitura dinâmica e vertiginosa que implica decodificações imediatas, defende a pesquisadora.

Santaella (2011), com uma especial sensibilidade para o lado cognitivo que se manifestava predominantemente no leitor no processo de evolução social, distinguia, em um primeiro momento, três tipos de leitores: o contemplativo, o movente e o imersivo.

O leitor contemplativo seria aquele leitor exposto à leitura de livros, mais reflexivo, da idade pré-industrial, situada, pela autora, do Renascimento até meados do século XIX. O leitor movente surge da exposição aos intensos estímulos visuais das grandes cidades, “das misturas de sinais e linguagens de que as metrópoles são feitas”, o leitor que “nasceu também com a explosão do jornal e com o universo reprodutivo da fotografia, cinema, e manteve suas características básicas quando se deu o advento da revolução eletrônica, era do apogeu da televisão.” (SANTAELLA, 2011, p. 20). O leitor imersivo (terceira categoria apresentada pela estudiosa em 2004) refere-se a esse momento de contato com as redes computadorizadas, no qual o leitor não apenas se limita a compreender os signos que lhe são apresentados, sejam eles imagens, textos, vídeos ou fotos. O leitor imersivo, na perspectiva de Santaella(2011), é aquele que interfere nos processos de leitura, redesenhando caminhos, alterando ordens, indo e voltando de pontos de partida que ele mesmo escolhe. Assim a pesquisadora resume esse novo momento cognitivo do leitor:

é um leitor imersivo porque navega em telas e programas deleituras, num universo de signos evanescentes, eternamente disponíveis. Cognitivamente em estado de prontidão, esse leitor conecta-se entre nós e nexos, seguindo roteiros multilineares, multissequenciais e labirínticos que ele próprio ajuda a construir ao interagir com os nós que transitam entre textos, imagens, documentação, músicas, vídeo etc (SANTAELLA, 2011, p. 20).

A autora apresentou essa categoria há doze anos, deixando claro que nenhuma das categorias substitui outra e que os três tipos de leitores descritos até o momento, coexistem. Nesses últimos anos, as mudanças no âmbito das TICs têm continuado a ser uma constante: novas plataformas, novas ferramentas, novas redes de compartilhamento, novos aplicativos e

aparelhos cada vez mais sofisticados. Todas essas inovações tecnológicas permitem ao usuário realizar praticamente um gerenciamento no âmbito da comunicação, tanto do que lê, no sentido amplo da apropriação cognitiva da diversidade “sígnica” atual, quanto do que expressa por meio dos canais disponíveis.

As transformações posteriores à classificação de Santaella (2011)geraram as condições favoráveis para o desenvolvimento de novas habilidades cognitivas por parte do leitor, em resposta aos estímulos e aos códigos de interação cada vez mais complexos na sociedade hiper-midiatizada. Nessas circunstâncias, a pesquisadora detectou uma nova categoria: o leitor ubíquo.

A ubiquidade é um conceito que está sendo apropriado por vários pesquisadores contemporâneos da Comunicação, na tentativa de achar um adjetivo que permita representar o leitor “que navega pelas arquiteturas líquidas informacionais do ciberespaço” (SANTAELLA, 2011, p. 19)