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CAPÍTULO II AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

2.1 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

2.1.1 A Teoria das Representações Sociais – Serge Moscovici

A Teoria das Representações Sociais de Moscovici ganha escopo na Psicologia Social na década de 1960, na França, a partir de uma análise crítica das ideias de Durkheim sobre as representações coletivas.

A função das representações coletivas era criar valores, normas e instituições para manter a harmonia e a paz. Incluía-se o princípio estruturante de todas as manifestações de saber como a ciência, a religião, o mito, as modalidades de tempo e espaço, cujos fenômenos sociais seriam tratados como coisas ou fatos exteriores, gerais, coercitivos, independentes da vontade subjetiva do ator social, as quais produziriam valores e regras sociais para a convivência humana. Na concepção durkheiminiana, reinaria a supremacia do coletivo sobre o individual.

As representações coletivas objetivam estabelecer a ordem social e a sua manutenção, como enfatiza Durkheim. Assim elas elaboram os conceitos gerais para ordenar e prescrever a vida dos atores sociais, Moscovici se opôs a essa compreensão, ao mesmo tempo em que as incorpora em seu pensamento para ir além dela, portanto, para este autor as representações sociais são “fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar [...], que cria tanto a realidade como o senso comum” (2010, p.49).

Na elaboração da Teoria das Representações Sociais, Moscovici (2010, 2012) introduz o conceito de representação social substituindo o termo „coletivo‟ durkheimiano por „social‟. E argumenta que esta nova definição inclui os elementos comunicativos, psicológicos, simbólicos e sociológicos, que são modificadas pela interação e vinculação do sujeito (individual-social) ao objeto e vice-versa.

O fundamento da representação social em Moscovici (2012) acontece na rotina do cotidiano e no manuseio das diferentes formas de conhecimentos: científicos, comuns, míticos, cosmológicos, ideológicos e linguísticos, os quais formam a amálgama necessária para os atores sociais produzirem, reproduzirem e reinventarem novos saberes.

Desta maneira, as representações sociais transformam-se em elementos eficazes na “produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, da ação que modifica uns e outros, e não a reprodução de comportamentos ou relações, como reação a um dado estímulo exterior” (MOSCOVICI, 2012, p. 45). Diferentemente da Psicologia Comportamental que apenas vê o sujeito e o seu comportamento, a Psicologia Social de Moscovici inova ao compreender que o estudo das representações sociais é uma análise do “ser humano enquanto ele faz perguntas e procura respostas ou pensa enquanto ele processa informação ou se comporta” (MOSCOVICI, 2012, p. 43).

A partir destas afirmações, Moscovici defende que o objeto de estudo da Psicologia Social deve ser aquele que se refere à ideologia e à comunicação, percebendo as estruturas, as origens e as funções, especificando que o campo de atuação desta ciência deve ser

O estudo dos processos culturais que são responsáveis pela organização do conhecimento em uma sociedade, pelo estabelecimento das relações interindividuais no contexto do ambiente social e físico, pela formação dos movimentos sociais (grupos, partidos, instituições), através dos quais os homens agem e interagem, pela codificação da conduta interindividual e intergrupal que cria uma realidade social comum com suas normas e valores, cuja origem deve ser novamente buscada no contexto social. (MOSCOVICI, 2010, p. 154).

Na compreensão de Moscovici (2010, 2012), a discussão realizada pela investigação das representações sociais deve considerar os aspectos culturais e sociais que atribuem sentidos aos objetos.

Neste intento, as representações sociais transformam um objeto que é não familiar em familiar, o significante em significado a “demonstração para a observação, do fato relatado à hipótese concreta do objeto visado, breve, à transformação de um conhecimento indireto em conhecimento direto, único meio de se apropriar do universo externo” (MOSCOVICI, 2012, p. 49).

Então, representar é ancorar e objetivar algo fazendo a junção do real a uma imagem significativa, produzindo um novo conhecimento para o sujeito que se

representa e é representado. Nesta alternância de significações “nasce a tensão central em cada representação entre o polo passivo da impressão do objeto, a figura, e o polo ativo da escolha do sujeito, a significação que lhe dá e da qual o investe” (MOSCOVICI, 2012, p. 60).

Por conseguinte, as representações sociais possuem duas faces, a figura e a significação, que dependem da linguagem para serem comunicadas, difundidas e realçadas na realidade social:

São interdependentes, como duas faces de uma folha de papel: a face icônica e a face simbólica [...] Representação = imagem/significação [...]. A representação iguala toda imagem a uma ideia e toda ideia a uma imagem [...]. A própria linguagem, quando carrega representações, localiza-se a meio caminho entre o que é [...]. A linguagem de observação e a linguagem da lógica. (MOSCOVICI, 2010, p. 46).

Jodelet (2001), aprofundando as ideias de Moscovici (2010), considera que a comunicação e a linguagem são os processos de transmissão das representações sociais, que afetam diretamente a vida afetiva e prática dos grupos como uma energia que confere um “poder performático das palavras e dos discursos, a força com a qual as representações instauram versões da realidade, comuns e partilhadas” (JODELET, 2001, p. 32).

A concepção de Moscovici sobre os Themata representa que os conhecimentos são organizados em processos comuns elaborados pelo grupo social, sendo, portanto,

Temas comuns, tomados como a origem daquilo ao qual nos referimos cada vez, como conhecimento aceito ou mesmo nos referimos cada vez, como conhecimento aceito ou mesmo como ideias primárias [...] que vêm instruir e motivar regimes sociais de discurso, o que significa que cada vez nós devemos adotar ideias comuns, ou ao menos dar conta delas. (MOSCOVICI, 2010, p. 223).

Moscovici (2010) desenvolve dois conceitos que são processos explicativos da teoria das representações sociais: a ancoragem e a objetivação.

a) Ancorar é categorizar e transformar ideias estranhas ou científicas em imagens comuns e familiares. É um elemento subjacente capaz de classificar, dar nomes, criar protótipos, comparar e rotinizar, ou seja, atribuir “um sentido ao que antes não o tinha, no mundo consensual” (MOSCOVICI, 2010, p. 68).

b) A objetivação faz a racionalização de uma ideia abstrata em uma prática social acessível a todos. Introduz o não familiar como algo de fácil apreensão pela realidade, bastando descobrir a imagem real adequada que corresponde à

abstração e assim terá uma representação eficaz e efetiva, pois o seu conteúdo será seguido na vida social.

Nesse sentido, Moscovici (2010, 2012) afirma que

Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido. (MOSCOVICI, 2010, p. 78).

Os estudos realizados por Moscovici explicam a gênese de uma representação social detalhando todos os seus processos de formação, desde os complexos fenômenos sociais aos elementos da psicologia social.