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CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

1.4 A RELIGIÃO E A JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA

Na UCB, a disciplina de Antropologia da Religião atua com os conteúdos socioculturais religião, a experiência religiosa e a religiosidade. Conhecer a articulação destes conteúdos na realidade juvenil tornou-se imprescindível em nossa pesquisa, fornecendo subsídios para a compreensão do objeto de estudo, as representações sociais da mencionada disciplina. Partimos das seguintes indagações: a religião é desnecessária em nossa vida? Como os jovens brasileiros vivem o fenômeno religioso? Em que grupos estes jovens estão inseridos como etnia, educação, trabalho, poder socioeconômico e religião? O fenômeno religioso integra o cotidiano dos estudantes da UCB?

O contexto religioso brasileiro pode ser explicado por meio do processo de aculturação por dominação do colonizador europeu, que impôs como modelo oficial de religião o catolicismo, ignorando e coagindo os povos indígenas e africanos aderirem à fé cristã fundamentado na salvação de suas das almas, entretanto, este comportamento fazia parte de uma política perversa de exploração de mão de obra escrava.

A saída que os negros africanos encontraram para fugir do controle cultural foi o procedimento do sincretismo religioso-cultural que fundiu os elementos das etnias europeia, indígena e africana, gerando uma confluência dinâmica de religiões e novos movimentos, ao longo dos anos, diversificando-se e multiplicando-se, porém conservando-se em grande medida as reminiscências das matrizes cristãs e afro- indígenas, como expõe Ribeiro (1995).

As crenças e religiosidades dos primeiros habitantes indígenas, colonizadores brancos, negros africanos, afrodescendentes e de outras tradições religiosas prosseguem na sociedade brasileira contemporânea influenciando a vida cultural e social. Para a teoria antropológico-cultural de Geertz (2008), este fato

representa um poderoso sistema de signos vitais para o indivíduo e o seu grupo social manterem a sua identidade.

Analisando o campo religioso brasileiro, ele não difere da expansão do fenômeno como um movimento global em que as religiões tradicionais dão subsídios aos novos movimentos que se sustentam nos processos de funcionalidade inspirados na modernidade, emprestando práticas ou fundindo-se e criando outros agrupamentos religiosos, como entende Jodelet (2013):

O caso de novas práticas religiosas no Brasil, pentecostais e evangélicas, é interessante a examinar desse ponto de vista. Podem-se procurar crenças antigas, sustentadas pelas religiões tradicionais, católicas e afro-brasileiras, servindo de ancoragem às novas crenças introduzidas por essas religiões emergentes. (p.102).

Esta pluralidade e emergência de novos movimentos religiosos estão retratadas no Censo Demográfico de 2010, em que 92% da população brasileira se mostra adepta de um credo religioso, com a seguinte declaração: 86,8% são cristãos católicos, protestantes, evangélicos, pentecostais ou neopentecostais; 2%, espíritas; 3,1%, outras tradições como budismo, judaísmo, hinduísmo, islamismo, indígenas; 0,3%, umbanda e candomblé; e os que se declararam sem religião somam 8% (IBGE, 2010).

Pela coleta censitária apreende-se que o homem brasileiro é cultural e socialmente religioso, pois estabeleceu por meio do domínio religioso os parâmetros ordenadores da vida, os quais norteiam a sua formação e atuação identitária. Na análise de Jodelet (2013), o alcance social do religioso ampliou o campo da vida religiosa, havendo uma ligação entre identidade religiosa e identidade nacional, vinculação inegável nos países europeus ou ex-colônias, e experienciada em nosso cotidiano.

Esta ampliação da vida religiosa e a sua vinculação com a identidade está presente em novos movimentos religiosos que buscam reestruturar um ethos ligado a um comportamento público, com alterações na percepção de mundo e do ego, como, por exemplo, a criação de partidos políticos ou associações que representam, defendem e fortalecem os interesses dos movimentos religiosos e fazem a defesa de um nacionalismo ou patriotismo muitas vezes etnocêntrico. Entender as mudanças sociais provocadas pela religião é uma exigência do momento contemporâneo, Geertz (2006):

A importância da religião como um componente de mudança social, e não considerada como um mero obstáculo a essa mudança nem como voz, teimosa, mas condenada, da tradição, faz com que o tempo presente momento particularmente gratificante para a “pesquisa” [...] nunca desde a Reforma e o Iluminismo, a luta sobre o sentido geral das coisas e das crenças que lhes fundamentam foi tão aberta, quanto ampla e aguda. Vivemos uma mudança radical e não podemos dar ao luxo de esperar para entender, como nós entendemos, em retrospecto, a Idade da Iluminação e da Reforma. Devemos entender hoje mesmo, enquanto ela se desenrola. (GEERTZ, 2006).

A partir destas considerações, podemos perceber ampliação da diversidade religiosa na sociedade brasileira e a correspondência nos elementos: subjetivo e socio-histórico, na declaração dos jovens que assumiram para o Censo Demográfico (IBGE, 2010) uma opção religiosa, revelando aproximações e identidades entre a origem étnica e religião em determinados grupos, confirmando a pluralização do campo religioso brasileiro (TEIXEIRA, 2012) combinados com o fluxo migratório interno do país (FREITAS, 2013). A figura abaixo indica os índices para cada cultura religiosa, etnia e a mistura étnica no Brasil, elaborado a partir das informações coletadas no Censo Demográfico de 2010:

Quadro 01 – Distribuição entre etnia e cultura religiosa, elaborado a partir do Censo

Demográfico 2010, IBGE.

Religião Brancos Etnia Pretos, pardos e

amarelos. Indígenas Católicos apostólicos romanos 47,5% 52% 0,4%

Evangélicos 44,6% 54,9% 0,5%

Evangélicos de Missão 51,6% 47,7% 0,7% Evangélicos de Origem Pentecostal 41,3% 58,3% 0,5% Evangélicos não determinados 48,1 % 51,5% 0,4%

Espíritas 68,7% 31, 1% 0,2%

Umbanda e Candomblé 47,1% 52,5% 0,4% Outras religiosidades (outras

tradições como budismo, judaísmo, hinduísmo, islamismo, indígenas).

47,9% 50,9% 1,3%

Sem religião 39,6% 59, 7% 0,8 %

Fonte: Dados do IBGE, adaptados pela autora.

A população brasileira é predominante cristã com católicos e evangélicos de várias denominações, composta de brancos, pretos, pardos e amarelos, devido ao processo de miscigenação. Essa herança cristã pode ser explicada pela adoção de uma política que favorecia o modelo da cristandade europeia: a imposição do Catolicismo Romano como religião oficial que na realidade brasileira perdurou até a promulgação da Constituição da República de 1891, dando início a laicidade e

modernização do país, com o fim da mão de obra escrava e o processo de urbanização.

Outro motivo que pode explicar a ampliação da tradição cristã no Brasil é o fim da escravatura que representou num primeiro a possibilidade de branqueamento do povo do brasileiro, com a chegada de mão de obra branca europeia, principalmente, protestantes ou evangélicos de missão. No segundo momento, já na fase de urbanização e industrialização das cidades, recebemos muitos evangélicos de missão, pentecostais e neopentecostais de origem estadunidenses brancos e negros, estes criaram uma proposta teológica para o processo de conversão do povo brasileiro (MENDONÇA, 2012).

Na tradição umbandista e candomblecista a maioria de adeptos são negros, pardos e amarelos, que conseguiram manter a cultura de seus ancestrais.

A configuração da faixa etária média dos jovens brasileiros adeptos de um credo religioso, pelo levantamento do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010), apresenta-se assim: católicos apostólicos romanos, 30 anos; evangélicos, pentecostais, 27 anos; evangélicos de missão, 29 anos; outras denominações evangélicas, 28 anos; espíritas, 37 anos; umbandistas e candomblecistas, 32 anos; outras religiosidades, 30 anos; sem declaração, 27 anos; sem religião, 26 anos.

Entretanto, burilando os dados do recenseamento de 2010 sobre a juventude brasileira alfabetizada, agrupamos os índices dos jovens entre 15 e 29 anos, por categoria religiosa, com o escopo de obter um perfil aproximado do estudante da UCB que está na faixa etária entre 18 e 29 anos, e que são os atores sociais deste estudo.

A figura número 03 representa a distribuição dos grupos de religião residente no país; o percentual de pessoas de 15 anos ou mais de idade, por grupos de religião segundo a condição de alfabetização; e o universo específico da população jovem brasileira entre 15 e 29 anos de idade, com a declaração de que participa de um credo religioso e são alfabetizados, com os seguintes percentuais:

Quadro 02 - Distribuição entre religião, idade e nível de instrução dos jovens, Censo

Demográfico 2010, IBGE.

Religião Índice geral por

grupos de religião. alfabetizada de 15 População a 70 anos ou mais de idade. Jovens alfabetizados em intervalos de anos 15-29. Católicos apostólicos romanos 64,4% 89,4% 33% Evangélicos pentecostais 13,3% 91,4 % 35,8% Evangélicos de missão 4,0% 95,5 % 35% Evangélicos não determinados 4,8% 94,8 % 36,6% Espíritas 2,0% 98,6 % 25,3% Umbanda e Candomblé 0,3% 96,2 % 31,7% Outras religiosidades 2,7% 94,6 % 33,2% Sem religião 8,0% 90,6% 43,4%

Fonte: Dados do IBGE, adaptados pela autora.

Na figura número 03 a primeira coluna representa a totalidade dos grupos de religião no Brasil; a segunda coluna quantifica a população brasileira segundo a sua opção religiosa; a terceira coluna, partindo dos índices levantados na segunda coluna, distingue os alfabetizados com idade de 15 e 70 ou mais anos; a quarta coluna distingue o grupo de idade entre 15 e 29 anos dos percentuais relativos aos respectivos grupos de religião informados na terceira coluna.

Refinando ainda mais os dados do levantamento demográfico do IBGE/2010 a respeito dos jovens acima de 15 anos por nível de instrução, com ensino médio completo e superior incompleto, constata que o sentimento de pertencimento religioso da juventude aos seus respectivos grupos de religião está expresso da seguinte maneira: católicos apostólicos romanos, 21,1%; evangélicos pentecostais, 25,5%; evangélicos de missão, 33,4%; evangélicos não determinados, 31,2%; espíritas, 36,5%; umbanda e candomblé, 33,1%; outras religiosidades, 31,0%; sem religião, 25,2%.

Estes dados da juventude conectados ao nível de instrução trazem uma peculiaridade em relação aos índices de cada cultura específica, indicando que os jovens que participam do espiritismo, umbanda, candomblé e outras religiosidades em relação às denominações religiosas cristãs mais tradicionais são mais instruídos. Fenômeno este que talvez possa ser explicado, por um lado, pelo caráter mais filosófico e reflexivo de suas práticas e, por outro, pelas racionalidades e magias.

A tabela número 01 retrata a frequência e o percentual dos participantes por religião, conforme a declaração emitida nos formulários de pesquisa não foi aglutinada em categorias para respeitar o credo ou a espiritualidade que cada entrevistado expressou no estudo, como ilustram as linhas para ateu, agnóstico e espiritualista, que poderiam ser consolidados em na categoria sem religião.

Tabela 01 – Perfil religioso dos participantes

Religião Frequência Porcentagem

Afro-brasileiras 05 1,1% Católica 172 38,1% Espírita 36 8,0% Protestante 99 21,9% Sem religião 92 20,4% Evangélico 20 4,4% Budista 05 1,1% Testemunha de Jeová 04 0,9% Mórmons 03 0,7% Espiritualista 03 0,7% Messiânica 02 0,4% Ateu 03 0,7% Adventista 03 0,7% Wicca 01 0,2% Judaísmo 01 0,2% Agnóstico 02 0,4% Ausente 01 0,2% Total 452 100,0

Fonte: Elaboração da autora

Em nossa pesquisa, o perfil religioso dos estudantes em comparação com os dados do Censo Demográfico de 2010 não difere muito da realidade brasileira. Os números também revelam que a maioria está filiada às tradições cristãs (católicos, protestantes / evangélicos), ao espiritismo, além de um alto índice de estudantes sem religião, os dados apontam que 20,4% da amostra declara não possuir nenhum credo religioso. Este fato pode estar ligado à perda de uma identidade pessoal, social ou religiosa, ao enrijecimento das instituições, ao dogmatismo, ao

fundamentalismo ou sectarismo das religiões (ALETTI, 2012), como aponta os dados apresentados na tabela 01.

A tabela número 02 faz o cruzamento das variáveis religião e idade dos participantes do estudo em faixas etárias, nos apêndices estão todos os dados consolidados das disciplinas com informações detalhadas sobre a idade de cada participante, gênero e curso (APÊNDICES D e E).

Dois participantes omitiram a idade e os 450 que responderam a este quesito foram classificados em cinco faixas etárias, as quais compreendem as idades entre a mínima de 18 e a máxima de 58 anos. Observamos que os índices mais representativos são para as idades entre 18 e 24 anos, por ser esta faixa etária em que jovem brasileiro inicia ou está cursando o ensino superior, podendo ser considerada como o momento oportuno para a formação profissional.

Tabela 02 – Distribuição de Frequências e o cruzamento das variáveis religião e idade dos participantes.

Religião Faixa etária dos participantes em intervalos de anos

18 a 24 25 a 30 31 a 35 36 a 40 41 a 58 Freq. % Católica 127 30 06 03 07 173 38,3% Protestante 76 11 07 03 02 99 21,9% Sem religião 63 19 04 02 - 88 19,7% Espírita 19 05 01 03 08 36 8,0% Evangélico 12 05 02 - 01 20 4,4% Religiões Afro- brasileiras 04 - - - 01 05 1,1% Budista 03 01 01 - - 05 1,1% Testemunha de Jeová 02 02 - - - 04 0,9% Agnóstico 01 01 - 01 01 04 0,9% Ateu 02 01 - - 03 0,9% Mórmons 01 02 - - - 03 0,7% Espiritualista 02 01 - - - 03 0,7% Adventista 03 - - - - 03 0,7% Messiânica 02 - - - - 02 0,4% Judaísmo 01 - - - - 01 0,2% Wicca 01 - - - - 01 0,2% Frequência 319 78 21 12 20 450 100

Fonte: Elaboração da autora.

Considerando os intervalos de idade entre os jovens 18 e 30 anos participantes da pesquisa na variável religião, comparando esta às variáveis idade e nível de instrução, levantada pelo Censo Demográfico de 2010, entre os estudantes

com o curso superior incompleto, este cruzamento de dados permite as seguintes conclusões:

a) não há diferenças significativas entre as populações pesquisadas, mantendo percentagens aproximadas;

b) a maior participação dos jovens nas filiações religiosas tradicionais cristãs reflete que a Universidade Católica de Brasília é um microcosmo da cultura religiosa brasileira;

c) o número elevado de jovens que expressam não pertencimento a nenhum credo religioso pode ter diversos fatores explicativos, como por exemplo, a perda da identidade pessoal, familiar ou coletiva, a dogmatização ou enrijecimento do sistema religioso por parte das instituições, ou ainda a desconfiança e a ausência de credibilidade nas religiões;

d) o número significativo de jovens nas tradições religiosas espíritas e afro- brasileiras pode ser o reflexo nacional de sua expansão no Brasil;

e) o número reduzido, na amostra, de outras religiosidades como os agnósticos, os espiritualistas e ateus apresenta-se reduzido, pois acreditávamos ter índices maiores por se tratar de um ambiente universitário, em que a ciência e a laicidade são predominantes; entretanto, a percepção que temos é que o estudante pode escolher a UCB por ser uma instituição confessional ecumênica que consegue dialogar com a diversidade religiosa presente no Distrito Federal.

Os dados cruzados das variáveis religião e gênero indicam que os índices para os participantes do gênero feminino na questão do pertencimento às religiões de origens cristãs e o não pertencimento a nenhuma religião predominam em relação ao masculino. Os participantes do gênero masculino se destacam nos índices relativos ao budismo e os ateus, como expressa a tabela abaixo:

Religião Gênero Total Feminino Masculino Afro-brasileiras 04 01 05 Católica 106 66 172 Espírita 24 12 36 Protestante 68 31 99 Sem religião 52 40 92 Evangélico 13 07 20 Budista 01 04 05 Testemunha de Jeová 02 02 04 Mórmons 03 00 03 Espiritualista 03 00 03 Messiânica 00 02 02 Ateu 00 03 03 Adventista 02 01 03 Wicca 01 00 01 Judaísmo 01 00 01 Agnóstico 00 02 02 Ausente 01 00 01 Total 281 171 452

Fonte: Elaboração da autora

Em resumo, o levantamento censitário de 2010 retrata a configuração religiosa dos jovens brasileiros, identificando-os em cada grupo religioso, revelando também o contingente daqueles que não possuem credo religioso. No espaço cultural e social que é a Universidade Católica de Brasília, a amostra deste estudo, em escala bem menor, confirma os dados do Censo, reafirmando a multiplicidade da cultura religiosa inserida no Distrito Federal.

Portanto, conhecer a configuração religiosa dos participantes da pesquisa foi imprescindível para entender o processo de elaboração das representações sociais das disciplinas em estudo, uma vez que estes jovens estão numa academia confessional, com uma educação permeada por valores ético-religiosos.