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CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

1.2 CONCEPÇÕES DE ÉTICA E MORAL, NA TEORIA E NAS FALAS DOS

A universidade é uma instituição social, fundada na universalidade de conhecimentos e práticas, representa um microcosmo produtor de cultura que influencia a vida de milhares de jovens e adultos, ávidos por novos saberes e experiências. Para os jovens, o ingresso no ensino superior retrata um momento de transição para a vida adulta e profissional, em que os valores éticos e morais serão exigidos em todos os espaços em que estiverem inseridos. Assim, o objetivo deste item é articular as concepções de ética e moral na teoria com as falas dos participantes da pesquisa, na realidade universitária.

Atualmente, vários autores têm discutido a ética como uma saída para os grandes problemas da humanidade que envolvem as questões ambientais, econômicas, políticas, religiosas e sociais. Para que esta discussão deixe de ser apenas teórica, deve ser enfrentada por todos os indivíduos e instituições, tornando- a um objeto de estudo nos ambientes acadêmicos.

Neste sentido relaciono as ideias de Sánchez-Vázquez (2010), Boff (2009), Dussel (2007) e Spinoza (2013), como contribuições que nos ajudam a compreender a importância da educação pautada nos valores éticos aos depoimentos colhidos, ou

seja, o objetivo deste item é referenciar à teoria e às falas dos participantes da pesquisa.

A ética é uma elaboração cultural de práticas, fatos e atos para a convivência humana, ou seja, produz um “modo de ser”. Mas, também é uma ciência que estuda o comportamento moral dos homens em sociedade (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 2010). O autor dialoga com os aportes das ciências humanas e sociais, para conhecer e compreender as diferentes formas do comportamento humano.

Sánchez-Vázquez dissocia o estudo da ética de uma filosofia meramente especulativa acerca da moral e da aproximação das ciências que lhe retiram conclusões proveitosas para fundamentar os seus próprios interesses. Analisando a ética como um fenômeno presente na vida social do homem, ou seja, o mundo moral, sem reduzi-lo a princípios absolutos ou apriorísticos, porém, aprofundando a análise em “suas raízes na própria existência histórica e social do homem” (2010, p. 27).

A ética científica vazqueana se traduz numa filosofia imanentista e racionalista do mundo e do homem, descartando os aspectos extramundanos, super-humanos e irracionais, que são próprios da filosofia especulativa. Assim, aconselha que todas as questões que envolvam a ética devem ser avaliadas juntamente com as contribuições da filosofia, epistemologia, linguagem, lógica e das várias ciências, evitando-se os juízos especulativos e estigmatizados (SÁNCHEZ- VÁZQUEZ, 2010).

A proposta vazqueana de conceber a ética como uma ciência que investiga o comportamento moral do homem como histórico, social e prático, é muito relevante para esta pesquisa que busca uma compreensão da disciplina de Ética no meio acadêmico, que se expressa no comportamento humano, pois os participantes desse estudo são atores sociais inseridos em uma comunidade, com as seguintes implicações:

a) praticam atos morais nas suas relações com os outros, os quais apresentam elementos subjetivos e psíquicos, constituídos de motivações, impulsos, atividades da consciência com finalidades, selecionam meios, escolhem alternativas, elaboram juízos de aceitação ou rejeição, constituindo-se em respostas e saídas para um comportamento moral (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 2010);

b) o comportamento moral, por sua vez, é regulado pelo social. Assim, a atividade moral é vivenciada pelo sujeito internamente e intimamente em seu

processo subjetivo (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 2010). É o que se depreende do relato do participante 126, segundo o qual a Ética é consciência moral, ou seja, não distingue ética e moral, pois estas existem desde sempre ordenando a realidade:

PARTICIPANTE 126 (Ética): A consciência moral, que desde sempre pronuncia juízos morais sem hesitação, e reivindica autoridade para submeter a críticas contínuas as instituições e formas de vida social que ela mesma ajudou a criar. As concepções como as de dever, responsabilidade e vontade, tomadas como objetos últimos de aprovação e desaprovação moral, já estão dadas e já se encontram há muito tempo em operação.

Este relato exemplifica o conceito de moral presente em nossa realidade e o discutido por Sánchez-Vázquez (2010) como um conjunto de normas que são livremente e conscientemente aceitas por um grupo social, com dois atributos o normativo (ideal) e o fatual (real). Estes dois campos normativo e fatual estão intimamente interligados na formação da consciência individual e social.

A moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal (Op. Cit., p.84).

O desafio da disciplina de ética é estudar o comportamento moral dos homens em sociedade. Compreendendo a configuração da subjetividade humana que leva a aceitação e interiorização da norma e o seu processo de efetivação social (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 2010).

Nesta empreitada a disciplina de ética busca apoio em outras epistemologias para apreender e investigar o seu objeto de estudo, o comportamento moral dos homens, que se manifesta em diversas realidades como psicológica, social, política, filosófica, econômica, religiosa e jurídica.

A perspectiva vazqueana sugere que a psicologia tem um papel importante no processo de compreensão do comportamento moral, como uma ciência que tem mecanismos para evidenciar as leis que regem as motivações internas do comportamento, a estrutura do caráter e da personalidade, a partir do exame dos atos voluntários à formação dos hábitos, a origem da consciência moral e dos juízos morais e os fatores subconscientes, que envolvem a conduta do ator social diante de suas decisões.

Para Boff (2009) o fundamento da ética está no ethos que organiza o espaço físico e o espaço humano, acerca da vida, do universo, do destino, estatuindo princípios e valores. Este autor estabelece que as fontes históricas da ética originam-se nas religiões, na razão, no afeto, no conflito entre afeto e razão, na irradiação da ternura e do vigor.

Boff defende que estas fontes devem promover princípios e valores, ligados à vida, ao cuidado, às relações cooperativas, e à cultura da não violência e da paz. É uma ética global que inclui a família humana com o “ethos que ama, cuida, se responsabiliza, se solidariza e se compadece” (2009, p. 32).

Neste sentido, Dussel (2007) propõe uma ética crítica, reflexiva e libertadora, da sociedade capitalista, questionando e os seus valores fundamentados no mercado e no consumo, fazendo com que todos os animais e a natureza estejam a seu serviço. A sua análise destina-se a cultivar nos sujeitos o desejo de transformar a realidade opressora a partir de sua própria consciência, criando novos conhecimentos e discursos, em prol de uma vida melhor.

O sujeito humano é o ponto de partida e continua sendo referência e conteúdo da consciência cognoscente [...] do mundo [...] da linguagem, dos instrumentos e valores culturais, de todos os sistemas performativos, da discursividade ou da comunidade de comunicação (nós nos comunicamos e argumentamos para „viver melhor‟). (DUSSEL, 2007, p. 528).

Boff (2009) e Dussel (2007), em suas considerações, propõem uma ética inserida e transformadora do indivíduo e da sociedade, mas associando as ideias destes autores ao pensamento Spinoza (2013), que ressalta a importância da esperança para aumentar a potência dos indivíduos em desenvolver paixões positivas como alegria, liberdade, coragem e amor. A discussão destas concepções no contexto acadêmico pode levar os estudantes a transpor as limitações como „não é possível mudar a realidade‟, „desde que o mundo é mundo as coisas estão assim‟ e „tudo está em ordem e funcionando para que mudar‟ que são impostas pela moral.

Este comportamento moral instituído pela ordem social baseada na economia de mercado propõe um modelo de sociedade baseado no comodismo, individualismo e na competição voraz defendendo posições como: „tudo deve ficar como está‟, do „vale tudo‟ e do „salve-se quem puder‟, com intuito de fragmentação do ator social.

Assim, as contradições estabelecidas pela moral à luz das ideias de Spinoza (2013) podem ser questionadas e estão situadas ao primeiro gênero do

conhecimento humano: a paixão e afecção, que impedem as pessoas de pensar e desenvolver o seu intelecto plenamente, pois se preocupam com o eu em detrimento do outro.

A moral para manter e preservar, a sua hegemonia sobre as relações sociais impõe imagens ou representações, que retratam universos passíveis de múltiplas interpretações, gerando equívocos e ou perpetuando situações, as deixam os indivíduos desprovidos de vontade, racionalidade, autonomia e liberdade, em uma dada realidade.

Quanto maior é o número de coisas a que uma imagem ou um afeto está referido, tanto maior é o número de causas pelas quais ela pode ser estimulada e reforçada [...] tanto mais vezes ele se torna vívido, e tanto mais ocupa a mente (SPINOZA, 2013, p. 223).

Estas palavras de Spinoza estão refletidas nos relatos dos participantes em que distinguem ética, moral e comportamento no contexto cultural:

PARTICIPANTE 147 (Ética): Para mim, apesar de todas as definições que podem haver de Ética, no final, todas envolvem de modo geral o comportamento do indivíduo, que pode ser ou não ético, porém cada pessoa é afetada pela cultura de seu povo e/ou seu país, onde há a discussão sobre o que é ou não moral, mas essa intervenção cultural pode fazer com que este tenha seus próprios conceitos sobre o que é ético - e moral - para ele.

PARTICIPANTE 125 (Ética): Reflexão e tomada de decisão. Reflexão é o ponto importante da ética é algo que vem de dentro para fora, depende de cada pessoa e como ela vai agir de acordo com sua decisão diante de qualquer coisa.

A formação ética é imprescindível na vida humana, pois é a lente crítica capaz de questionar a moral dada, que instaura modelos muitas vezes inadequados, geradores de enfermidades do ânimo (ansiedade, angústia, medo), e de infortúnios, aniquilando a potência dos indivíduos, privando-os de agir, conhecer e viver plenamente a sua liberdade.

Neste sentido, a disciplina de Ética pode preparar encontros reflexivos e críticos, para clarear a potência e minimizar os efeitos dos medos. Instrumentalizando os estudantes com conteúdos que possam potencializar as suas atitudes e comportamentos acerca do mundo em que estão inseridos como descreve os depoimentos, abaixo, valorizando a questão da consciência ou da reflexão interior:

PARTICIPANTE 53 (Ética): Consciência: Baseado na razão, onde existe a necessidade de uma reflexão aprofundada visto que ela está voltada mais para uma reflexão interior (caráter pessoal) do que a preocupação com um supervisionamento de outros. Princípios: sendo aqueles que regulamentam a vida do homem, baseado nesses que o Homem irá se embasar para crescer, desenvolver para criação de um caráter.

PARTICIPANTE 55 (Ética): Acredito que o estudo da ética é importante para analisar as ações da sociedade e do indivíduo, de modo a realizar um juízo de valor sobre o que é certo e errado. Assim, essa disciplina tende a moldar o caráter do indivíduo e definir as diretrizes da sociedade, em busca do bem comum.

A ética spinoziana é uma proposta de uma cosmologia inspirada na coragem e fortaleza, como um avatar2 que transcende a si mesmo na busca de superar a

moral fundamentada no medo, no perigo e nas imposições. Pois, quando ordenamos nossos pensamentos e imaginações, considerando e refletindo “aquilo que cada coisa tem de bom, para que sejamos, assim, sempre determinados a agir segundo o afeto da alegria” (SPINOZA, 2013, p. 222). Temos condições de elaborar e praticar boas ações, uma vez que, estas ocuparam as nossas mentes.

O ator social que ordenar os seus pensamentos, conforme os ensinamentos de Spinoza (2013) conseguirá comandar a sua vida pelo segundo gênero de conhecimento que é a razão e deixará de ser comandado pelos desejos desenfreados. A razão possibilita a compreensão de si, de seus afetos e de uma espiritualidade, sendo capaz de perceber a sua existência que é o corpo e a essência que é dada pela mente definindo o modo de pensar e se tornar eterno.

Dessa forma, não há espaço para devaneios e sentimentos que inviabilizam a potência do ser humano, como aqueles estudantes apáticos, sem intuição e sem eternidade, os quais não compreendem as suas essências e as suas singularidades. Levá-los a perceber e questionar esta situação é o papel da ética, como ilustram os depoimentos a seguir:

PARTICIPANTE 164 (Ética): O respeito e a subjetividade são, na minha opinião, os termos chave para a ética, pois apenas quando todos tiverem o respeito a subjetividade uns dos outros é que poderemos falar de uma sociedade não mais exclusivista e sim agregativa as diferenças, e isso é o mais importante na ética.

PARTICIPANTE 99 (Ética): O Eu é mais importante, porque os costumes, a consciência, as normas ou qualquer outro fator de conduta, precisa da aprovação do próprio indivíduo, ou a renúncia do próprio eu em favor do próximo, mesmo que esse próximo seja um anônimo, como uma

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sociedade ou tribo. A permissão ou submissão do eu é que faz ética ser praticável.

O desenvolvimento de uma conduta de alteridade ética, que estimula a construção de corpos singulares e potentes que têm o “o poder de determinar a existência das coisas pelo tempo e de concebê-los segundo a duração” (SPINOZA, 2013, p. 228), assim como conceber por si mesmos conceitos, noções, ideias, paixões adequadas e positivas para aumentar as suas potências, são elementos que devem estar articulados aos conteúdos de Ética trabalhados em sala de aula. Esses aspectos são retratados em diversos depoimentos, como os que seguem:

PARTICIPANTE 139 (Ética): Altruísmo: a ética ensina você se pôr no lugar do outro, e dessa forma ajudar ao próximo. Respeito: o respeito pelo próximo é um fator fundamental para viver em uma sociedade baseada na ética.

PARTICIPANTE 175 (Ética): Empatia (conhecer e colocar-se no lugar de outra pessoa) e questionamento (questionarmos em relação a nossas atitudes, pensando nas consequências para nós mesmos e sociedade).

Segundo Spinoza (2013), a intuição é uma maneira de compreender os corpos em sua essência, respeitando as diferenças. Quanto mais compreendemos as coisas singulares, mais nos aproximamos deste gênero do conhecimento e a nossa maior virtude.

Quem conhece as coisas por meio desse gênero de conhecimento passa à suprema perfeição humana e, consequentemente, é afetado da suprema alegria, a qual vem acompanhada da ideia de si mesmo e de sua própria virtude. Logo, desse terceiro gênero de conhecimento provém a maior satisfação que pode existir. (SPINOZA, 2013, p. 229).

A combinação perfeita dos conhecimentos, o intelectual e o intuitivo, para Spinoza (2013), pode constituir o exercício capaz de levar o indivíduo a conhecer a si e a perceber que a sua essência está intimamente ligada ao amor de Deus, a causa adequada ou formal de tudo o que existe. O amor intelectual de Deus germina valores infinitos, importantes e duradouros como o amor, a alegria, a perfeição e a eternidade naqueles que cultivam estes dois gêneros de conhecimento, os quais devem ser estimulados em nossa realidade para combater os diversos tipos de consciência moral que geram as mazelas sociais, condutas violentas ou comportamentos antiéticos. Tudo aquilo que afeta o meu corpo afetará os meus pensamentos.

A disciplina de Ética deve possibilitar ao estudante compreender as suas ações e os seus pensamentos, livrando-o do conhecimento fundado em paixões gananciosas e violentas que produzem o sofrimento. Daí a importância das ideias de Spinoza (2013) para dissipar as condutas do „vale tudo‟ e libertar-se de todas as prisões que nos violam. Precisamos reinventar a todo o momento as nossas relações e proporcionar em nossas vidas bons encontros para melhorar as nossas potências, evitando os sentimentos ruins que nos tornam seres impotentes e comandados.

Em Spinoza o amor intelectual de Deus é causa e efeito de tudo o que existe, ou seja, expressa a sua substância e essência, o qual cria e ama a si mesmo, os humanos por ter neles a sua essência criadora e semelhança. Este amor não tem que ser necessariamente uma divindade sagrada, mas que pode ser chamado de Natureza, Energia, Potência ou Razão, “quer esteja referido a Deus, quer esteja referido à mente, esse amor pode ser corretamente chamado de satisfação do ânimo, o qual não se distingue, na realidade, da glória” (2013, p. 233).

Esta forma de amor de Spinoza (2013) é que necessitamos aprimorar nas relações uns com os outros, cultivando a nossa singularidade para conseguir respeitar as diferenças e garantir que todos possam realmente viver plenamente a liberdade da mente dada pelo conhecimento e pela intuição. A sala de aula constitui um espaço e um tempo de cultivar este amor, por meio de bons encontros reflexivos para aumentar a potência adormecida dentro de nós.