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A teoria do direito ao mínimo existencial

Ainda que os direitos mínimos que toda pessoa humana precise ver atendidos para ter sua dignidade preservada tenham sido inseridos na Constituição do México de 1917, na Constituição de Weimar de 1919, na Constituição da Espanha de 1931, no documento Constitutivo da Organização Internacional do Trabalho, que apareçam na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além de outros tratados e instrumentos que veremos neste capítulo, de acordo com os textos consultados, a noção de “necessidades essenciais” é internacionalizada somente anos depois.

Embora saiba-se que a Convenção nº 102, da Organização Internacional do Trabalho, sobre as “Normas Mínimas para a Seguridade Social”, date de 1952, a tese de doutorado de

575 BETTO, Frei. “Prefácio da 2ª edição: Homem Direito num País (ainda) Torto” In: AMOROSO LIMA, Alceu. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Prefácio da 2ª edição Frei Betto. 2ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1999, p. 16/17.

Gregor Chatton sobre direitos econômicos, sociais e culturais apresentada à Universidade de Genebra aponta que, na Conferência Mundial Tripartite sobre o Emprego de 1976, Francis Blanchard, então Diretor Geral da OIT, trouxe um conceito de necessidades essenciais que incluía “componentes de ordem material (alimentação, alojamento, vestimenta conveniente, serviços de base como água potável, evacuação de lixo, serviços sanitários, meios de transporte) e de elementos relevantes da civilização (possibilidades de instrução, participação nas decisões políticas de interesse)”577. Daqui ganham vulto os argumentos para nossa defesa de que, no quadro dos direitos humanos, o conceito de mínimo existencial vai além daquilo que comumente é proposto no âmbito dos direitos fundamentais, a saber:

a) John Rawls

O pensador norte-americano é referência na temática do direito ao mínimo existencial, muito embora, em sua teoria de justiça, trabalhe com as expressões “mínimo social” e “bens primários”. O tema surge quando, ao refletir sobre a justiça entre gerações, o saudoso Professor da Universidade de Harvard constata que o atendimento aos princípios de justiça (que veremos mais detalhadamente)578 depende da fixação de um mínimo social579.

Para Rawls, o grau de generosidade do mínimo social “depende da riqueza média do país e que, outros fatores permanecendo constantes, o mínimo deve ser mais alto quando essa média aumenta”580. Além desse fator, a noção de mínimo social deve respeitar o princípio de diferença, que considera os salários, a fim de maximizar “as expectativas do grupo menos favorecido”581 e o índice de bens primários, cujo conceito apreenderemos logo adiante582.

O princípio de diferença não visa a reduzir a riqueza do grupo mais bem afortunado, mas sim fazer com que “as perspectivas a longo prazo dos menos favorecidos se estendam às gerações futuras”583, daí a relevância do tema justiça entre gerações. Rawls defende que é dever de cada geração conservar as conquistas culturais e civilizatórias e também “poupar a

577 CHATTON, T. Gregor. Vers la pleine reconnaissance des droits économiques, sociaux et culturels. Genève,

Zurich, Bâle: Schulthess Médias Juridiques S/A, 2013, p. 47.

578 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Nova tradução de Jussara Simões, baseada na edição americana revista

pelo autor. Revisão técnica e da tradução Álvaro de Vita. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 354/355.

579 Ibid., p. 355. 580 Id.

581 Id. 582 Id. 583 Id.

cada período de tempo um montante adequado de capital real”584. Assim, o nível do mínimo social confirma-se na quantidade considerada justa para poupar, isto é, conservar para o futuro “do investimento líquido em máquinas e outros meios de produção ao investimento na escolarização e na educação”585.

A ideia de mínimo social também é composta dos dois princípios de justiça de John Rawls: o primeiro considera que a liberdade básica de cada um deve ser, pelo menos, igual às liberdades básicas de todos; e o segundo prega que as desigualdades sociais e econômicas apenas serão legítimas se estabelecerem o máximo de benefícios para os mais desfavorecidos e se fomentarem a igualdade de oportunidades586.

Como o mínimo social fica dependente do atendimento ao princípio de diferença e também da poupança entre as gerações, acaba não respondendo adequadamente às necessidades de proteção da pessoa em situação de pobreza, razão pela qual nos dirigiremos à compreensão do conceito de bens primários, que são “coisas que todo indivíduo racional presumivelmente quer”587, nomeadamente “direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza”588. A concentração de mais bens primários possibilita à pessoa mais chances de alcançar seus objetivos589, sendo facultado a alguns ter mais bens primários do que outros, desde que “melhore a situação dos que têm menos”590.

Os bens primários podem ser compreendidos como pré-requisitos para realização dos planos de vida dos indivíduos racionais, que, “em circunstâncias normais, preferem liberdades e oportunidades mais amplas às mais restritas, e uma parcela maior, e não menor, de riqueza e renda”591.

584 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Nova tradução de Jussara Simões, baseada na edição americana revista

pelo autor. Revisão técnica e da tradução Álvaro de Vita. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 356.

585 Id..

586 Ibid., p. 376: “Primeiro princípio - Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de

liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para todos. Segundo

princípio - As desigualdades econômicas e sociais devem ser dispostas de modo a que tanto: (a) se estabeleçam para o máximo benefício possível dos menos favorecidos que seja compatível com as restrições do princípio de poupança justa, como (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades”. 587 Ibid., p. 75. 588 Ibid., p. 76. 589 Ibid., p. 110. 590 Ibid., p. 112. 591 Ibid., p. 491.

Rawls inclui na categoria dos bens primários o autorrespeito e a confiança, destacando duas possíveis definições de autorrespeito ou autoestima:

Em primeiro lugar […] essa ideia contém o sentido que a pessoa tem de seu próprio valor, sua firme convicção de que vale a pena realizar sua concepção de bem, seu projeto de vida. E, em segundo lugar, o autorrespeito implica uma confiança na própria capacidade, contanto que isso esteja ao alcance da pessoa, de realizar as próprias intenções. Quando achamos que nossos planos têm pouco valor, não podemos realizá-los com prazer nem nos deleitar com sua execução. Nem podemos continuar nossos esforços quando somos assolados pelos fracasso e pela insegurança. Está claro, então, o motivo por que o autorrespeito é um bem primário592.

Assim, podemos inferir que a proposta do filósofo norte-americano é estabelecer que, no contrato social feito segundo o véu de ignorância, em nome da liberdade, a nenhum homem seja negado o acesso aos bens primários e, assim, a oportunidade de alcançar seus objetivos.

b) Ricardo Lobo Torres

Pioneiro na pesquisa brasileira sobre o direito ao mínimo existencial, Ricardo Lobo Torres inicia sua obra homônima reportando-se ao início histórico da preocupação com os necessitados. Pondera o autor que, antes das políticas sociais, os pobres não recebiam assistência do Estado e tampouco eram imunes aos tributos. A única assistência existente era oferecida pela Igreja e por cristãos ricos593, cenário que foi mudando ao longo dos anos.

No século XVIII, os países estavam moralmente divididos entre a postura de condenar a mendicância e a ação de efetivamente prestar assistência aos econômica e socialmente desvalidos594. Já na primeira metade do século XIX, os mais pobres passaram a ter imunidade de impostos, direito que o Estado estendeu às taxas por serviços públicos relacionados à educação e à assistência médica595. O Brasil também acompanhou esse movimento mundial, como lemos no texto da Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25 de março de 1824596.

592 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Nova tradução de Jussara Simões, baseada na edição americana revista

pelo autor. Revisão técnica e da tradução Álvaro de Vita. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 544.

593 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 3. 594 Ibid., p. 4.

595 Ibid., p. 6.

596 BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo

Ricardo Lobo Torres fundamenta o direito ao mínimo existencial nos direitos humanos, no princípio da justiça, no direito às condições iniciais de liberdade e nos princípios axiológicos da igualdade e da dignidade da pessoa humana597. Para o autor, esse direito “pré- constitucional” ainda não tem um “conteúdo específico”, mas permite inferir que “sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados”598.

Esse direito, que exige imunidade tributária e gera obrigação de prestações positivas para o Estado599, é objetivamente mínimo por versar sobre “o conteúdo essencial dos direitos

fundamentais” e subjetivamente mínimo “por tocar parcialmente a quem esteja abaixo da linha de pobreza” 600. Como podemos inferir do pensamento de Ricardo Lobo Torres, o

mínimo existencial beira à desproteção da dignidade humana.

Para o citado autor, uma vez que direito ao mínimo existencial tem eficácia que independe de reconhecimento legislativo, deve cingir-se ao conteúdo fundamental dos direitos sociais. Contudo, apesar de Ricardo Lobo Torres garantir que o catálogo de direitos sociais presente na Constituição não caracterize, como um todo, direitos fundamentais, não dá pistas de quais direitos seriam revestidos dessa proteção especial601.

O problema, segundo o autor, reside no fato de que reconhecer um direito como fundamental implica dar-lhe aplicação imediata, o que, em sua visão, não é possível quando se fala em prestações positivas por parte do Estado e que dependem da existência de recursos financeiros suficientes com previsão orçamentária. Ademais, Ricardo Lobo Torres filia-se ao grupo de juristas que defendem a programaticidade, isto é, a implementação progressiva dos <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao24.htm>, conforme consulta em 02/11/2014: “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

[…]

XXXI. A Constituição tambem garante os soccorros publicos. XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.”

597 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 13. 598 Ibid., p. 36.

599 Ibid., p. 35. 600 Ibid., p. 36. 601 Ibid., p. 42/43.

direitos econômicos, sociais e culturais e a livre escolha do legislador pela adoção das políticas públicas que julgar convenientes602.

O mínimo existencial, para o autor, é construção ligada à ideia de igualdade de chances e resultados, que se traduz em “igualdade na liberdade, informa a ideia de mínimo existencial, que visa a garantir as condições iniciais da liberdade. Pela igualdade de chances garantem-se as condições mínimas para o florescimento da igualdade social, que se pode compaginar até com uma certa desigualdade final provocada pelo esforço de cada um”603.

A primeira via de atuação do mínimo existencial ressaltada por Ricardo Lobo Torres dá-se através do status negativus libertatis, que protege substancialmente os direitos de liberdade e, no âmbito do direito tributário, é estabelecido pelas imunidades fiscais, velando pela dignidade humana, de forma a resguardar os interesses de ricos e pobres. Em outros países do mundo, a imunidade tributária, revestida pelo mínimo existencial, é chamada de isenção, mas possui um tratamento diferente das demais isenções. Assim, referido autor elenca no rol das imunidades implícitas, cujo pilar é pré-constitucional, aquelas voltadas: a cesta básica604, a mínimo existencial familiar605 e a direito a moradia606; e o no campo das imunidades explícitas: o acesso a justiça e a defesa de direitos607, as instituições de educação e

602 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 51/52. 603 Ibid., p. 173/174.

604 Ibid., p. 186/187: Nesse ponto, explica o autor que o texto constitucional de 1946 dispunha sobre imunidades

ligadas ao que é indispensável para um mínimo de dignidade, nas pessoas que não abastadas. Hoje, embora a Constituição de 1988 não contenha semelhante disposição, o governo concede isenções de IPI e ICMS, encontrando-se, neste último, reduções de alíquotas principalmente sobre itens da cesta básica.

605 Ibid., p. 187/188: “O imposto de renda não incide sobre o mínimo existencial familiar, podendo a imunidade

se expressar sob a forma de isenção da faixa mínima de renda, abatimento para os filhos e de isenção para os velhos. Essas imunidades funcionam frequentemente como mecanismo de compensação das prestações positivas estatais representadas pelas subvenções ou pela entrega de bens. A imunidade do mínimo existencial familiar também se estende ao imposto territorial rural, que não incide sobre as pequenas glebas rurais, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel (art. 153, § 4º, II, CF).

O imposto de renda não incide sobre o mínimo imprescindível à sobrevivência do declarante. Cuida-se de imunidade do mínimo existencial, embora apareça na lei ordinária, posto que remonta às fontes constitucionais. É todavia paradoxal, por proteger pobres e ricos dentro do limite necessário à defesa da liberdade”.

606 Ibid., p. 193/194. Na visão do autor, quando se trata dos miseráveis, o direito à moradia é compreendido

como mínimo existencial, mas quando se trata dos pobres e classe média, trata-se de um direito social, a depender de políticas públicas.

607 Ibid., p. 193. O autor aponta que, no Brasil, há previsão para gratuidade na ação popular, habeas corpus, habeas data, petição ao Poder Público, além do que, para os pobres, também é garantido o acesso a justiça através de defensores públicos, registro de nascimento e certidão de óbito, conforme incisos XXXIV, LXXII, LXXIII, LXXIV e LXXVI, do artigo 5º, da Constituição de 1988

assistência social sem fins lucrativos608, o imposto territorial rural e pequenas glebas609, a saúde610, a educação611, e a assistência social612.

Além do status negativus libertatis, que implica imunidades tributárias, Ricardo Lobo Torres também destaca um rol de direitos ao mínimo existencial que requer o status positivus

libertatis613, isto é, obrigações prestacionais que o Estado deve concretizar.

608 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 196-235. 609 Ibid., p. 235.

610 Ibid., p. 235/236. Para o autor, o SUS, instituído pela Lei nº 6.080/90, como se destina a pobres e ricos, não

versa sobre mínimo existencial, mas sim direito social, não justifica a imunidade tributária.

611 Ibid., p. 236-238: “O tema da educação mereceu especial atenção por parte do Constituinte. O art. 206, IV,

garantiu a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, revogando a norma anterior, mais afinada com proteção aos pobres e a imunidade do mínimo existencial, que estabelecia a gratuidade “para quantos, no nível médio e no superior, demonstrarem efetivo aproveitamento e provarem faltas ou insuficiência de recursos” (art. 173, § 3º, item II da CF 67, com a Emenda de 1969); mas a norma conflita com o art. 208, item II, que declara: ‘o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio’; a contradição só pode ser superada com a interpretação de que o dispositivo é meramente programático, não gerando direito público subjetivo, a não ser para os pobres. Entretanto, ao ensino superior foi estendida a gratuidade, sem que houvesse suficiência de recursos no orçamento, o que levou ao desequilíbrio no perfil do atendimento, aumentando as verbas das universidades e diminuindo-se as da escola primária, para a alegria da classe rica, que preferencialmente usufrui da gratuidade do ensino superior.

O art. 208, I, estatui como dever do Estado a garantia de ‘ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria’, o que constitui uma das mais importantes formas de proteção da pobreza, embora se estenda também aos ricos. O § 1º desse mesmo art. 208 acrescenta que ‘o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo’, dando voz constitucional ao ensinamento de Pontes de Miranda. O art. 212, § 4º prevê ainda que os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde do educando no ensino fundamental serão financiados também com recursos provenientes do orçamento’”.

612 Ibid., p. 238/239. O autor aponta que a temática é tratada no artigo 203, da Constituição de 1988 e sendo

gratuita, é caso patente de imunidade tributário. O tema é mais afeto ao status positivus libertatis.

613 Ibid., p. 241-244: “Jellinek já observava que a garantia jurisdicional constituía o status positivus da liberdade.

Ao lado da prestação jurisdicional, o Estado deve garantir também positivamente as liberdades através da polícia, das forças armadas, da diplomacia e de outros serviços públicos relacionados com a segurança. De notar que o status positivus libertatis envolve a segurança jurídica e, no que concerne aos direitos fundamentais sociais, a seguridade social. Esta última pode compor, também, na sua região periférica, o status positivus

socialis, vinculando-se a considerações de justiça.

Alguns autores, como, por exemplo, Holmes e Sunstein, contestam a utilidade da dicotomia entre direitos negativos e positivos (e as correspondentes polaridades entre imunidades x entitlements e liberdade x subsídios), que seriam fúteis e enganosas por conduzirem à retórica dos políticos conservadores ou progressistas e por obscurecerem o fato de que “todos os direitos são custosos (costly) porque todos eles pressupõem os aportes dos contribuintes para manter a maquinaria para monitorá-los e realizá-los”. Parece-nos, contudo, útil a distinção, por permitir o delineamento dos limites do status positivus libertatis, no que concerne às liberdades básicas e ao mínimo existencial, e ao seu contraste com o status positivus socialis.

Os direitos fundamentais, inclusive em sua configuração de mínimo existencial, são garantidos pelos serviços

públicos. Aliás, a própria definição de serviço público está ligada aos direitos da liberdade, posto que, como observa R. Cirne Lima, “os direitos fundamentais, assegurados na Constituição, ao revés de limite, são, quanto aos serviços públicos, o fundamento e a razão de ser destes”. A proteção positiva das liberdades através do serviço público específico e divisível projeta, no campo tributário, como contraprestação financeira, a figura da

Nesse elenco, destaca-se o direito a seguridade social614, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que examinaremos mais adiante ao lado das demais fontes normativas do mínimo existencial. Dentro do direito a seguridade social, Ricardo Lobo Torres aponta o direito a saúde615, a previdência e a assistência social.

No âmbito do direito a saúde, previsto nos artigos 6º, 196, e no inciso III, do § 5º, do artigo 165, da Constituição de 1988, referido autor faz críticas à Lei nº 6.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS), por prever um sustento financeiro que, em sua opinião, foi baseado em “exóticas contribuições sociais incidentes sobre as empresas e terceiros (contribuições sobre o lucro, sobre o faturamento, sobre as movimentações financeiras), criadas de acordo com a autorização constitucional (art. 195, da CF 88; EC 42/03), caracterizando-se como imposto de destinação especial”616.

Sobre a aferição do que deveria ou não ser custeado pelo Estado, Ricardo Lobo Torres aponta que “o grande problema do ‘direito à saúde’, por conseguinte, seria definir os limites nos quais se consideraria direito fundamental, gerando a obrigatoriedade da prestação estatal gratuita, ou mero direito social, fora do campo do mínimo existencial e dependente de dramáticas escolhas orçamentárias e de pagamento de contribuições”617.

Outra forma de proteção positiva do mínimo existencial consiste nas prestações financeiras do Estado, consubstanciadas, por exemplo, nas subvenções às instituições assistenciais.

Respeito ao mínimo existencial sobe de ponto a importância do status positivus libertatis. Os direitos da liberdade irredutíveis e os direitos econômicos sociais tocados pelo interesse fundamental postulam, como

condição da liberdade, a prestação positiva do Estado, seja a relacionada com a segurança jurídica, seja a que se consubstancia na seguridade social, esta última no seu conteúdo essencial. O âmbito de proteção positiva obrigatória coincide com o núcleo essencial: a) dos direitos da liberdade irredutíveis; b) dos direitos sociais, que, tocados pelos interesses fundamentais sociais, se metamorfoseiam em direitos fundamentais sociais ou mínimo

existencial. Daí que se seguem em absoluto, que a obrigação estatal se esgote na garantia do mínimo existencial, mas que este gera a pretensão às prestações positivas obrigatórias do estado independentes da vontade da maioria e, por isso mesmo, suscetíveis de adjudicação até mesmo pela jurisdição constitucional, que deverão ser complementadas pelas prestações de direitos sociais sujeitas à reserva do possível”.

614 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 244.

615 Ibid., p. 245: “A CF distinguiu, sem a menor dúvida, entre as prestações de saúde que constituem proteção do mínimo existencial e das condições necessárias à existência, que deveriam ser gratuitas, e as que se classificam