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2.7 A questão social e a contribuição da doutrina social da Igreja

2.7.3 Carta Encíclica Laborem exercens

Na Carta Encíclica “Laborem exercens – sobre o trabalho humano no 90º aniversário da Rerum novarum”, escrita em 14 de setembro de 1981, São João Paulo II afirma que “é mediante o trabalho que o homem deve procurar-se o pão quotidiano e contribuir para o progresso contínuo das ciências e da técnica, e sobretudo para a incessante elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos”. O Sumo Pontífice entende que trabalho é toda a atividade humana que assim possa ser reconhecida, à qual o homem tem predisposição natural em razão de sua humanidade e que, ao realizar, o homem, a um só tempo, preenche seu tempo e sua existência sobre a terra398.

395 PIO XI, Carta Encíclica Quadragesimo anno sobre a restauração e o aprimoramento da ordem social, de 15

de maio de 1931. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p- xi_enc_19310515_quadragesimo-anno.html>. Acesso em: 19 nov. 2014.

396 Id. 397 Id.

398 SÃO JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Laborem exercens sobre o trabalho humano, de 14 de setembro de

1981. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp- ii_enc_14091981_laborem-exercens.html> Acesso em: 23 set. 2014.

Lembrando que, através do trabalho, o homem sustenta seu corpo e também a ciência, o progresso, a civilização e a cultura, São João Paulo II aponta que os conflitos do mundo do trabalho e da produção exigem

Uma reordenação e um novo ajustamento das estruturas da economia hodierna, bem como da distribuição do trabalho. E tais mudanças poderão talvez vir a significar, infelizmente, para milhões de trabalhadores qualificados, o desemprego, pelo menos temporário, ou a necessidade de um novo período de adestramento; irão comportar, com muita probabilidade, uma diminuição ou um crescimento menos rápido do bem-estar material para os países mais desenvolvidos; mas poderão também vir a proporcionar alívio e esperança para milhões de homens que hoje vivem em condições de vergonhosa e indigna miséria399.

Em uma sábia leitura das relações sociais, o Sumo Pontífice aponta que o trabalho, tendo o homem como cerne das atenções, é a grande chave da questão social, enfatizando que, em sua época, mais do que o problema das classes, merecia atenção o problema das desigualdades e injustiças em todo o mundo400.

É por meio do trabalho que o homem domina tudo aquilo que está em seu raio de influência e que precisa modificar para prover suas necessidades401, o que deve nos fazer

lembrar que, mesmo na era da industrialização e dos microcomputadores que deixam o trabalho “cada dia mais mecanizado, o sujeito próprio do trabalho continua a ser o homem”402.

A técnica, portanto, é “um conjunto de meios de que o homem se serve no próprio trabalho”403 e não um substituto do humano, afinal, o homem é o sujeito e o fundamento do

valor do trabalho404, e essa deveria ser a perspectiva da política social e econômica “quer à

escala dos diversos países, quer a uma escala mais ampla, das relações internacionais e

399 SÃO JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Laborem exercens sobre o trabalho humano, de 14 de setembro de

1981. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp- ii_enc_14091981_laborem-exercens.html> Acesso em: 23 set. 2014, ponto 1.

400 Ibid., pontos 2 e 3. 401 Ibid., ponto 4. 402 Ibid., ponto 5. 403 Id.

intercontinentais, com referência em particular às tensões que se esboçam no mundo, não só centradas no eixo Oriente-Ocidente, mas também no outro eixo Norte-Sul”405.

Na visão de São João Paulo II, o movimento dos trabalhadores em sindicatos deve-se à solidariedade em torno da questão proletária, como reação “contra a degradação do homem como sujeito do trabalho e contra a exploração inaudita que a acompanhava, no campo dos lucros, das condições de trabalho e de previdência para a pessoa do trabalhador”406.

Pensando no “economismo”, que reforçava os direitos dos proprietários, mas não se preocupava com os direitos do homem trabalhador, o Sumo Pontífice aponta que:

Assim, é necessário prosseguir a interrogar-se sobre o sujeito do trabalho e sobre as condições da sua existência. Para se realizar a justiça social nas diversas partes do mundo, nos vários países e nas relações entre eles, é preciso que haja sempre novos movimentos de solidariedade dos homens do trabalho e de solidariedade com os homens do trabalho. Uma tal solidariedade deverá fazer sentir a sua presença onde a exijam a degradação social do homem-sujeito do trabalho, a exploração dos trabalhadores e as zonas crescentes de miséria e mesmo de fome407,

Ponderando que, muitas vezes, a pobreza é resultado da violação da dignidade do trabalho humano, em razão tanto das possibilidades de trabalho limitadas e desemprego quanto da depreciação do valor do trabalho e dos direitos que dele decorrem, como o salário justo e a segurança do trabalhador e de sua família408.

No magistério de São João Paulo II, “o trabalho é um bem do homem — é um bem da sua humanidade — porque, mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo sentido, « se torna mais homem »”409, pois a virtude é algo que permite ao homem tornar-se bom410.

405 SÃO JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Laborem exercens sobre o trabalho humano, de 14 de setembro de

1981. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp- ii_enc_14091981_laborem-exercens.html> Acesso em: 23 set. 2014, ponto 7.

406 Ibid., ponto 8. 407 Id.

408 Id.

409 Ibid., ponto 9. 410 Id.

É pelo trabalho que a vida familiar se torna possível, pela garantia dos meios de subsistência411.

O Sumo Pontífice esclarece que, embora o trabalho tenha primazia sobre o capital, não há um antagonismo entre os dois conceitos: “a antinomia entre trabalho e capital não tem a sua fonte na estrutura do processo de produção, nem na estrutura do processo econômico em geral”412, pois o capital é instrumento que condiciona o trabalho do homem, jamais o sujeito dessa atividade413.

O Santo Papa identifica no economismo o grave erro de considerar o trabalho humano apenas como uma finalidade econômica, que pode levar ao materialismo prático, pensamento que dá superioridade ao que é material e inferioriza o homem enquanto ser espiritual414.

São João Paulo II lembra que, por trás da contraposição entre trabalho e propriedade dos meios de produção, estão pessoas concretas e que, no entendimento da Doutrina Social, “o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens”415; lembra, ainda, que a coletivização dos meios de produção em favor do Estado não garante que as propriedades sejam efetivamente socializadas em vez de tornarem-se monopólios da Administração.

O Sumo Pontífice explica que desemprego é uma injustiça social, pois é justo que haja “um emprego adaptado para todos aqueles sujeitos que são capazes de o ter”416. No caso dos jovens, mais do que remuneração, a falta de emprego priva-os de exercer “sua vontade sincera de trabalhar e a sua disponibilidade para assumir a própria responsabilidade no desenvolvimento econômico e social da comunidade”417.

Na lição da Carta Encíclica “Laborem exercens”, a concessão de fundos em favor dos desempregados é dever moral, princípio do uso comum dos bens e garantia do direito à vida e à subsistência. No rol dos deveres sociais, também são elencadas: a obrigação de conceder instrução e educação apropriada para que o trabalhador seja remunerado com mais justiça; a

411 SÃO JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Laborem exercens sobre o trabalho humano, de 14 de setembro de

1981. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp- ii_enc_14091981_laborem-exercens.html>. Acesso em: 23 set. 2014, ponto 10.

412 Ibid., ponto 13. 413 Id. 414 Id. 415 Ibid.,ponto 14. 416 Ibid., ponto 18. 417Id.

própria remuneração mais justa do trabalho executado, que proporciona ao trabalhador acesso aos bens tanto da natureza quanto frutos da produção; a verdadeira promoção da mulher, que lhe permita não ter de escolher entre trabalhar e assumir seu papel dentro da família, como se as duas escolhas se objetassem; e a garantia das subvenções sociais que, a fim de assegurar a vida e a saúde dos trabalhadores, proporcionaria: o custeamento das despesas do acidente de trabalho, o direito ao repouso, o direito à aposentadoria ou ao seguro e, também, o direito a um ambiente de trabalho que não lese a saúde ou integridade moral do trabalhador418.

Por fim, através dessa Carta Encíclica, a Doutrina Social da Igreja mostra seu apoio ao direito dos trabalhadores do campo; à integração da pessoa deficiente, que deve ter direito a um trabalho que respeite suas possibilidades; e, também, ao trabalhador imigrante, que não pode ser explorado419.