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Necessidades humanas essenciais e patrimônio mínimo de direitos

Por reducionista que seja pensar em um patrimônio mínimo de direitos, essa tarefa revela-se necessária. É através desse conjunto mínimo irredutível, formado pelas necessidades humanas essenciais e informado pelas virtudes da justiça e da fraternidade que o Estado ampara e protege “os mais fracos, os mais pobres, ou seja, aqueles que não dispõem dos recursos indispensáveis para viver dignamente”567.

3.2.1 Significado de mínimo

Na linguagem filosófica, o termo “mínimo” tem um sentido absoluto e um sentido relativo, aos quais se opõe a noção de “máximo”. No primeiro caso, mínimo é o menor valor possível “de uma grandeza suscetível de vários estados”, já no sentido relativo, mínimo é o valor de uma variável ou de uma função, menor do que seus predecessores ou sucessores imediatos568.

3.2.2 Significado de existencial

Em sentido filosófico, existencial é aquilo que é relativo à existência, enquanto “realidade viva ou realidade vivida, em oposição às abstrações e às teorias”569.

567 COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à justiça. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 71/72.

568 LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. Tradução Fátima Sá Correia, Maria Emília V.

Aguiar, José Eduardo Torres, Maria Gorete de Souza. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 685.

3.2.3 Significado de necessidades humanas

No domínio filosófico, a palavra necessidade tem um sentido próprio e outro que se remete ao termo “necessário”. Adotaremos, aqui, a primeira proposição, na qual o vocábulo em análise significa “estado ou condição de dependência que caracteriza de modo específico o homem e, em geral, o ser finito no mundo”570.

3.2.4 Significado de essenciais

Para a filosofia, além de remeter-se ao termo “essência”, o plural da expressão “essencial” significa aquilo que é genericamente importante segundo um determinado ponto de vista571.

3.2.5 Nível suficiente de vida

Seguindo o pensamento de Jacques Maritain, temos que a noção de vida digna, que deve ser a vida conforme a dignidade humana, é sinônima da expressão filosófica “vida boa”, que deve ser o objetivo da sociedade temporal, agregando ao bem comum de todos tanto o trabalho que assegura a fruição da propriedade e dos direitos econômicos, sociais e culturais, quanto os direitos civis e políticos e o próprio progresso espiritual, em uma visão que ultrapassa o materialismo572.

570 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por

Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Bendetti. 6ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 823.

571 Ibid., p. 423.

572 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. 3ª edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio

Editora, 1967, p. 46/47: “A obra política para a qual deve tender, tudo isto é a boa vida humana da multidão, o

melhoramento das condições da própria vida humana, o aperfeiçoamento interno e o progresso – material sem dúvida, mas também e principalmente moral e espiritual – graças ao qual os atributos do Homem devem realizar- se e manifestar-se na História; o objeto essencial e primordial pelo qual os homens se reúnem em comunidade política, é procurar o bem comum da multidão, de tal sorte que a pessoa concreta, não somente em uma

3.2.6 Patrimônio mínimo de direitos

Com efeito, seguindo a linha do pensamento de Jacques Maritain, no prefácio da obra “Os direitos do homem e o homem sem direitos”, de Alceu Amoroso Lima, Frei Betto tece comentários a respeito do ser e do dever ser dos direitos humanos, assinalando que:

Falar hoje em direitos humanos, à luz das lições deixadas por Alceu Amoroso Lima, implica englobar os direitos da liberdade (proclamados pelas revoluções burguesas do século XVIII), os direitos de igualdade (exigidos pelas conquistas sociais do século XIX) e os direitos da solidariedade (reconhecidos no século XX após a Segunda Guerra). Entre os direitos da solidariedade destacam-se o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação, ao ambiente natural ecologicamente equilibrado, à paridade nas relações comerciais entre países e à utilização do patrimônio comum da humanidade573.

Fazendo ponderações sobre a realidade social dos países em desenvolvimento, Frei Betto pontua que, infelizmente, costuma-se não enxergar naquele que é desmunido de propriedade a humanidade presente em cada pessoa humana574, mudança que apenas a

educação em direitos tornaria possível.

Desenvolvendo a temática, o citado pensador brasileiro aponta que:

Educar para os direitos humanos é buscar o consenso cultural que iniba qualquer ameaça aos direitos da pessoa. Direitos individuais e sociais. Torna-se imprescindível falar também no direito de participação nas decisões políticas e econômicas; no direito de controle sobre o setor bélico de nossas nações; no direito

categoria de privilegiados, mas em toda a massa, aceda realmente à medida da independência que convém à vida civilizada, e que é assegurada ao mesmo tempo pelas garantias econômicas do trabalho e da propriedade, pelos direitos políticos, virtudes civis e cultura do espírito”.

573 BETTO, Frei. “Prefácio da 2ª edição: Homem Direito num País (ainda) Torto” In AMOROSO LIMA, Alceu. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Prefácio da 2ª edição Frei Betto. 2ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1999, p. 16/17.

574 BETTO, Frei. “Prefácio da 2ª edição: Homem Direito num País (ainda) Torto” In AMOROSO LIMA, Alceu. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Prefácio da 2ª edição Frei Betto. 2ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1999, p. 16/17: “Nos países subdesenvolvidos, as pessoas têm alguma idéia do que seja liberdade, mas ainda sequer atingiram a modernidade no que diz respeito à idéia de igualdade. No Brasil, o último país a libertar seus escravos na América Latina, após 320 anos de escravidão, ainda é parte de nossa cultura não reconhecer a humanidade do outro. A identidade do brasileiro passa pelo ter mais e não pelo ser mais. A propriedade é o fundamento da cidadania. Aquele que se encontra destituído de posses é tido também como desprovido de direitos”.

de preservação da boa fama diante de abusos da mídia; e, inclusive, no direito a uma programação sadia nos veículos de comunicação de massa575.

Assim, a garantia de patrimônio mínimo de direitos pressupõe uma educação política que não seja partidária e um reconhecimento universal que não desrespeite a autodeterminação dos povos, considerando que:

É preciso começar a falar em direitos humanos e direitos dos povos como direito à independência, direito à escolha de seu próprio regime político, direito de usufruir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito de não ser colonizado nem explorado por nações, organismos ou empresas estrangeiras. Nenhum direito estará assegurado se, em primeiro lugar, não forem oferecidas garantias ao direito fundamental: o direito à vida. Não apenas o direito de nascer, mas também de viver em liberdade e dignidade, o que pressupõe, no mínimo, que esteja socialmente assegurado o tripé alimentação-saúde-educação576.

E, não por acaso, é em torno desses direitos mais básicos, lembrados por Frei Betto, que gravita a teoria do direito ao mínimo existencial.