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A TEORIA DOS CONTRATOS E DESENHO DE MECANISMOS

3. ANÁLISE ECONÔMICA – REFERENCIAL TEÓRICO

3.4 A TEORIA DOS CONTRATOS E DESENHO DE MECANISMOS

O desenvolvimento das formulações acerca da assimetria de informação na teoria econômica contribuiu com novos insights de como as falhas de mercado podem ser tratadas por meio das técnicas formuladas no âmbito da Teoria dos Contratos e Desenho de Mecanismos.

Salanié (2005) explica que as transações econômicas quase sempre ocorrem sob informação assimétrica, ou seja, pelo menos uma das partes envolvidas na transação tem mais informação do que a outra. Podemos citar muitos exemplos reais de situações em que observamos assimetria de informação: o tomador de empréstimo sabe mais sobre a sua capacidade de pagamento do que o banco, o vendedor normalmente sabe mais sobre o produto do que o comprador, o funcionário sabe mais sobre o seu empenho do que o empregador e quando as empresas sabem mais sobre seus custos de produção do que as agências reguladoras – este último pode ser associado ao caso específico da Unitização. Portanto, podemos esperar que, de posse de informação privada, o ator econômico pode apresentar um comportamento manipulador, explorando as suas oportunidades por dominar melhor a informação disponível.

Uma das consequências mais relevantes da existência de informação assimétrica numa relação contratual é a presença de comportamentos oportunistas entre os agentes. Exemplos clássicos desses comportamentos oportunistas são conhecidos como os problemas da seleção adversa e do risco moral.

Seleção adversa é um problema de informação assimétrica que ocorre antes de uma transação ocorrer, ou seja, o comportamento oportunista de um agente econômico pode ser observado ex ante em uma relação contratual. Um exemplo clássico do problema de seleção adversa pode ser atribuído a Akerlof (1970), em seu artigo “The Market for ‘Lemons’: Quality Uncertainty and the Market Mechanism”. O trabalho investiga relações entre qualidade e informação e quais as suas implicações no funcionamento dos mercados. Akerlof procura demonstrar que a existência de diferentes qualidades de bens, associada à falta de informação dos compradores no mercado pode levar a uma redução da qualidade ou mesmo extinção deste. Para concretizar as suas ideias Akerlof usa como exemplo o mercado de carros usados nos Estados Unidos.

Um outro exemplo clássico pode ser atribuído a Spence (1973), que destaca que as contratações no mercado de trabalho se dão basicamente sobre a presença do problema de

por algum período depois da contratação. Contratar empregados, para Spence, nada mais é do que investir sob incerteza.

Na Unitização as restrições das informações por parte das empresas tornam-se relevantes em termos de estratégia de negócios, de forma que suas concorrentes não se beneficiam dessas informações. Por esta razão, cada empresa tenta preservar informações que dizem respeito à sua estrutura de custos, capacidade financeira, pesquisa e desenvolvimento e outros aspectos que possam influenciar as estratégias de suas concorrentes.

A teoria do principal-agente vem sendo desenvolvida na tentativa de explorar a questão dos incentivos nas organizações e nos contratos. Na visão de Hart (1995) esta abordagem está relacionada com as questões relativas tanto à assimetria de informações quanto àquelas relacionadas aos direitos de propriedade, uma vez que estes últimos possuem efeitos em termos de incentivos.

Na década de 1970, vários economistas engajaram-se em uma nova maneira de estudar as relações econômicas. A chamada teoria dos contratos evoluiu a partir de lacunas advindas da teoria do equilíbrio geral. A teoria do equilíbrio geral foi capaz de produzir generalizações poderosas e capazes de lidar com os problemas da incerteza e das externalidades. No entanto, as obras produzidas por Akerlof (1970), Spence (1973) e Rothschild e Stiglitz (1976) mostraram que algumas questões em torno da informação assimétrica representavam um grande desafio teórico, e estes problemas não podiam ser satisfatoriamente tratados por meio de uma generalização da teoria de Arrow-Debreu (LAFFONT & MARTIMORT, 2001, p. 3).

Quando os economistas começaram a analisar mais atentamente os problemas das firmas, os incentivos se tornaram o foco central das suas inferências. O proprietário da firma, o “principal”, deve delegar várias tarefas aos membros da empresa, os “agentes”. Esta interação entre principal-agente representa o problema da gestão dos fluxos de informação.

Laffont & Martimort (2001) destacam que a teoria dos incentivos surge com a divisão do trabalho, dada à necessidade de delegação de atividades. Historicamente, os primeiros contratos puderam ser estudados em relações agrícolas, quando os latifundiários contratavam mão de obra para suas lavouras. Adam Smith apud Laffont & Martimort (2001) destaca o conflito de interesses entre dois agentes econômicos e reconhece que o poder de negociação não é uniformemente distribuído entre eles, os latifundiários geralmente tinham todo o poder de barganha. Na linguagem da teoria dos contratos, o latifundiário seria o principal e os trabalhadores, os seus agentes.

Laffont & Martimort (2001) também identificam na obra de Adam Smith uma das restrições do modelo do principal-agente, que se constitui na restrição de participação dos agentes, a qual baliza os limites de negociação entre principal e agente em suas relações comerciais. Smith apud Laffont & Martimort (2001) “um homem deve sempre viver do seu trabalho, e o seu salário deve ser pelo menos suficiente para mantê-lo”. Para os autores, Adam Smith não teria uma visão dos agentes econômicos como maximizadores de utilidade no longo prazo; em sua visão, preocupava-se com as consequências dos incentivos de alta potência para maximizadores no curto prazo.

No entanto, os autores apontam Barnard (1938) como o pensador a quem provavelmente possa ser creditada a primeira tentativa de definir uma teoria geral dos incentivos à gestão. Barnard tinha uma visão ampla de incentivos, envolvendo tanto o que poderíamos, atualmente, chamar de incentivos monetários e não monetários. Barnard reconheceu que os contratos de incentivo não excluem todas as atividades dentro de uma

organização. A distribuição da autoridade ao longo de canais de comunicação também é

necessária para realizar a coordenação e promover a cooperação entre os agentes econômicos. Numa linguagem mais atual, Barnard enfatiza que a incompletude dos contratos e a racionalidade limitada dos membros da organização exigem que alguns líderes tenham autoridade para tomar decisões em circunstâncias não previstas pelos contratos.

Laffont & Martimort (2001) destacam que o trabalho de Barnard enfatizou a necessidade de induzir níveis de esforço mais apropriados aos membros da organização, e modelar relações de autoridade dentro da instituição, que tinham como objetivo conferir um tratamento adequado à imperfeição dos contratos e prover incentivos necessários à gestão da organização.

Laffont & Martimort (2001) citam, também, a contribuição de Leonid Hurwicz, que ilustra os princípios da teoria do desenho de mecanismos. Quando os teóricos do equilíbrio geral buscaram estender os mecanismos de alocação de recursos para ambientes convexos, eles perceberam que novas questões de comunicação e incentivos surgiram:

Em uma perspectiva mais ampla, esses resultados sugerem a possibilidade de um estudo mais sistemático dos mecanismos de alocação de recursos. Nesse contexto, ao contrário da abordagem mais tradicional, o mecanismo passa a ser o componente desconhecido do problema ao invés de um elemento de referência. [...] Os membros

(estáticas e dinâmicas) de otimização, a sua eficiência informacional e a compatibilidade do seu comportamento postulados com o autointeresse (ou outras variáveis motivacionais) (HURWICZ, 1960, apud LAFFONT & MARTIMORT, 2001, p. 25).

Hurwicz (1973) atribui grande impulso à teoria econômica por formulações desenvolvidas na década de 1940, as quais o autor denomina de mecanismos. Os três principais mecanismos destacados pelo autor em sua obra são:

a) Programação linear e otimização, estudos conduzidos por Dantzig,

Kantorovitch, Koopmans;

b) Teoria dos Jogos, incluindo os procedimentos de soluções interadas; o autor

cita os trabalhos de Von Neumann & Morgenstern, George Brown e Julia Robinson como referências;

c) Descobertas sobre as relações informacionais de conexão para a programação

(linear ou não linear), jogos bilaterais de soma zero, e os multiplicadores de Lagrange, como os principais pensadores Gale, Kuhn e Tucker.

Hurwicz (1973) orienta que questões informacionais apresentam-se como um problema potencial, pois existe uma grande dificuldade de se obter todas as informações relevantes para a tomada de decisão do “principal”, isto porque a informação está dispersa por toda a economia. A suposição natural é que, inicialmente, cada unidade econômica possui somente informação própria: os consumidores, sobre as suas respectivas preferências; os produtores, sobre as suas tecnologias; e os proprietários de recursos, sobre os recursos. Uma tentativa de transferir toda a informação a um único centro para cálculo e quantificação de objetivos é considerada como impossível (no sentido de que muita informação seria perdida) ou demasiadamente onerosa. As unidades econômicas também são capazes de realizar cálculos, e esses procedimentos são considerados como informacionalmente descentralizados.

O mecanismo pode ser visto como um diálogo entre as unidades de produção (que conhecem as suas tecnologias e as suas contribuições para a função objetivo) e um “principal” que sabe o total de recursos disponíveis. Um aspecto do diálogo é que o principal propõe preços experimentais para os recursos enquanto as unidades de produção desenvolvem programas que visam à maximização do lucro (com preços tratados parametricamente). À luz destes programas, o principal revê os preços propostos.

Hurwicz (1973) salienta que um mecanismo de alocação de recursos é uma função que orienta os agentes econômicos (órgãos governamentais, produtores, consumidores, banqueiros dentre outros) nas decisões que determinam o fluxo de recursos da economia. Simplificando o processo, cada agente tem diante de si uma decisão com um ou mais parâmetros para definição, e a seleção das decisões dos agentes determina um único fluxo de bens e serviços (vetor comércio) entre cada par de agentes e também a produção de cada agente (vetor input- output). Nem todas as seleções são possíveis, e algumas só são possíveis em conjunto com outras seleções. Assim, a viabilidade de um complexo de decisões (uma combinação específica de seleções dos agentes para toda a economia) pode ser dividida em restrições individuais de participação e a compatibilidade de incentivos destes.

Outro destaque para a técnica, de acordo com o autor, trata do critério utilizado para otimização, que pressupõe que um mecanismo particular não pode servir como um critério legítimo para efeitos de comparação com outros mecanismos. Especificamente, um mecanismo para ser melhor do que outro dependerá de sua viabilidade sobre as preferências, das dotações iniciais e da tecnologia utilizada pelos indivíduos. As dotações iniciais, a tecnologia e as preferências, tomadas em conjunto, são referidas como o ambiente do jogo. O ambiente é definido como o conjunto de circunstâncias que não pode ser alterado pelo designer (principal) do mecanismo ou pelos agentes (participantes).

O diálogo é uma troca de mensagens entre os jogadores. A natureza é o conteúdo das mensagens que variam de mecanismo para mecanismo. Podem ser propostas de ações, ofertas de planos de fluxo de recursos para toda a economia, ou podem conter informações sobre o ambiente (preferências, tecnologias, dotações de recursos). A totalidade das mensagens admissível no âmbito de um determinado mecanismo constitui o seu idioma.

O início do diálogo acontece quando há um envio de mensagens por parte dos agentes periféricos para o principal, descrevendo seus respectivos componentes do ambiente (por exemplo, suas dotações iniciais e suas funções de produção), ficando o principal responsável, após o processamento de dados e cálculos apropriados, a encaminhar aos agentes periféricos as orientações para a execução da ação. Esse processo é conhecido como mecanismo de ajustamento.

Θ

θ

f

( )θ

X

(

M g, ,

)

ξ θ , M g

Figura 7: O diagrama de Stanley Reiter – ilustração de um jogo de desenho de mecanismos Fonte: Site da internet, http://en.wikipedia.org/wiki/Mechanism_design

A Figura 7 apresenta a representação do diagrama de Stanley Reiter, que ilustra um jogo de desenho de mecanismos. O retângulo superior esquerdo representa o espaço dos tipos

de agentes

( )

Θ , enquanto que o retângulo superior direito representa os espaços de “payoffs”

( )

X . A função de escolha social f

( )θ

representa o resultado do jogo de um determinado

tipo de agente. Nos jogos de desenho de mecanismo, os agentes enviam mensagens M num

sistema de jogo g . O equilíbrio do jogo

ξ(

M g, ,

θ)

pode ser desenhado para implementar

uma escolha social específica f

( )θ

.

Hurwicz (1973) considera uma situação em que os participantes não são inclinados a seguir as regras do jogo e acabam por adotar comportamentos oportunistas. Como exemplo, vamos supor uma agência governamental que não possui o conhecimento das características dos participantes do jogo (suas preferências, tecnologias, ou dotações iniciais). Um participante pode tentar “burlar” as regras, omitindo suas características reais; ele pode “fingir” ser inferior do que realmente é, ou menos eficiente, ou menos interessado em determinada mercadoria. Este jogador não estaria fazendo isso diretamente por proferir declarações falsas, mas de forma indireta, comportando-se inadequadamente de acordo com as regras do jogo e as suas reais características.

Laffont & Martimort (2001) apontam que a grande conquista dessa teoria foi a formulação e compreensão do Princípio da Revelação. Esse princípio mostra que, sob seleção adversa e risco moral, qualquer mecanismo de organização da sociedade é equivalente a um mecanismo de compatibilidade de incentivos, por meio do qual todos os agentes informados revelam a sua informação privada para um planejador que recomenda ações. O Princípio da Revelação proporcionou o instrumental teórico para a análise normativa das economias com

informação assimétrica e contratos que podem ser escritos com todas as variáveis observáveis. O mecanismo traduz-se numa metodologia para estudar a teoria pura de incentivo.

Por fim, outro mecanismo destacado por Hurwicz faz referência à Teoria dos Jogos. Essa teoria reúne um conjunto de técnicas e métodos matemáticos desenvolvidos em modelos de situações de conflitos de interesses. Dias (2009) orienta que uma ferramenta neoclássica para análise de competição imperfeita é a teoria dos jogos não-cooperativos, e esta também permite analisar interações estratégicas de cooperação entre agentes. Segundo Dias, a cooperação pode emergir como um equilíbrio do jogo, se for ótimo cooperar.

Nos próximos capítulos serão apresentados os atributos básicos dos processos de negociação de acordos de Unitização. Este capítulo procurou sintetizar as formulações da Teoria Econômica que são úteis para o desenvolvimento da análise econômica do Instituto da Unitização. Questões como o acesso à informação, o timing das negociações e os processos de resolução de conflitos são muito importantes para o sucesso desse processo de barganha entre os agentes econômicos.

A Tabela 1 foi elaborada com o objetivo de comparar os assuntos supracitados de forma simples e resumida.

Teoria dos Contratos e

Desenho de Mecanismos Teoria dos Direitos de Propriedade Teoria de Custo da Transação Unidade de análise

Dimensão focal Interesse de custo focal

Agente Incentivos Perda Residual Instituição Direitos de propriedade Externalidades Transação Vários tipos de ativos específicos Problemas de hold up

Foco contratual

Ex ante : Alinhamento de

incentivos e mecanismos de revelação

Ex ante: Atribuição de direitos

de propriedade

Ex post: resolução de conflitos

Ex post : Escolha do mecanismo

de governança

Orientação teórica

Otimização com restrições de compatibilidade de incentivos e restrições de participação dos Agentes

Avaliação comparativa Avaliação comparativa

Objetivo estratégico Visão do Principal Visão do Principal Visão do Principal

Fontes de fricção no mercado Informação assimétrica, aversão a risco (Agentes)

Externalidades claramente observáveis e difícil atribuição de direito de propriedade

Racionalidade limitada, incerteza, informação assimétrica, oportunismo, e especificidade de ativos Comparação das Teorias - Organização e Contratos

Tabela 1: Comparação entre teorias selecionadas Fonte: O autor, adaptado de Kim & Mahoney (2002)