• Nenhum resultado encontrado

A TEORIA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE E OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

3. ANÁLISE ECONÔMICA – REFERENCIAL TEÓRICO

3.3 A TEORIA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE E OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

“Os direitos de propriedade são instituições sociais que definem ou delimitam o intervalo de privilégios concedidos aos indivíduos para se usufruir os benefícios de recursos específicos” (LIBECAP apud KIM & MAHONEY, 2002). O direito à propriedade privada pode envolver o direito de excluir os não-proprietários do acesso, o direito de transferência e apropriação de rendas econômicas do consumo, e o direito de venda a terceiros. Segundo Coase (1960), é útil analisar a atribuição de propriedade dos recursos como uma combinação dos direitos tangíveis e intangíveis em vez de considerar somente o direito às propriedades físicas do recurso. De acordo com esta argumentação, podemos inferir que a estrutura particular do direito de propriedade em uma economia irá influenciar a alocação e utilização dos recursos ou bens econômicos.

A literatura que trata da teoria dos direitos de propriedade recebeu novos contornos com a evolução dos trabalhos de Grossman e Hart (1986) e Hart e Moore (1990). Kim & Mahoney (2002) referem-se a essa corrente da literatura de pesquisa como “a moderna teoria dos direitos de propriedade”, distinguindo-a da literatura clássica dos direitos de propriedade atribuída a Coase (1959, 1960), Alchian (1965, 1969), Demsetz (1964, 1966, 1967), Alchian & Demsetz (1972, 1973), Furubotn Pejovich (1972), entre outros. Outras contribuições

teóricas e empíricas podem ser referenciadas a North (1981, 1990), Cheung (1983), Libecap (1989), Eggertsson (1990), entre outros.

Os primeiros trabalhos de Coase, Alchian e Demsetz formularam as bases não só para as duas correntes das teorias dos direitos de propriedade, mas também para a teoria de custos de transação (WILLIAMSON, 1975, 1985) e a teoria da agência (HOLMSTROM, 1979; FAMA e JENSEN, 1983). A teoria “clássica” dos direitos de propriedade confere uma maior atenção ao contexto histórico e institucional, as formas e as mudanças de direitos de propriedade. Já os trabalhos desenvolvidos por Grossman e Hart (1986) e Hart e Moore (1990) utilizam-se de técnicas matemáticas avançadas, que modelam direitos de propriedade estilizados a partir das estruturas de incentivos.

Kim & Mahoney (2002) remetem a obra de Coase (1937, 1960) como o ponto de partida conceitual para o estudo da teoria dos direitos de propriedade. Os autores observam que existe uma sinergia nas obras de Coase que relacionam os custos de transação aos atributos dos direitos de propriedade.

A visão teórica de Coase (1937) em sua obra “The Nature of Firm” trata do paradoxo da existência da firma, a qual não haveria razão para a sua existência se o mercado, em sua busca pelo ponto ótimo, funcionasse sem falhas e sem custos. A razão econômica para a existência da firma como uma alternativa viável ao mecanismo de preços é porque este não funciona sem falhas e sem custo.

Coase (1937) observou que há uma série de custos de transação ao se acessar os mercados: custos de pesquisa e informação, de negociação, de proteção dos segredos comerciais, de fiscalização e monitoramento, que podem aumentar potencialmente o custo de aquisição de bens e serviços. As firmas surgem como soluções que visam minimizar a formação dos custos de produtos e serviços, pela internalização desses processos numa estrutura hierárquica e coordenada. A transação, portanto, é definida como uma troca de direitos de propriedade entre agentes econômicos, e a firma pode ser visualizada como uma rede de contratos internos e externos que viabilizam essa transferência de direitos.

Demsetz apud Chaddad (1996, p. 27) apresenta uma interpretação segundo a qual o direito privado sobre algum recurso, bem ou ativo é identificado quando uma determinada pessoa possui a autoridade de decidir sobre a utilização deste recurso. Portanto, o que define um direito de propriedade privado é o direito de exclusão.

De acordo com Demsetz apud Chaddad (1996) a questão da eficiência econômica dos direitos de propriedade também está relacionada aos direitos de propriedade comuns, que estão sujeitos a grandes externalidades. Segundo Alchian & Demsetz apud Chaddad (1996), as pessoas que possuem um direito comum tendem a exercer esse direito de forma a ignorar as consequências dos seus atos. Chega-se à conclusão de que os recursos regidos pela propriedade comum tendem a apresentar o problema do uso em excesso, o problema da Tragédia dos Comuns, levando a resultados pouco eficientes para a sociedade como um todo ou até a extinção do recurso. Quando muitas pessoas possuem o direito de usar um recurso, há um grande incentivo para seu uso excessivo, como foi apresentado no capítulo anterior.

Assim, a solução do problema para Demsetz apud Chaddad (1996) está na clara atribuição de direitos de propriedade. Ao se criar um direito de propriedade privado, ocorre o processo de internalização dos custos e benefícios associados ao direito comunitário. A concentração destes sobre o detentor do direito privado cria um incentivo para a utilização mais eficiente do recurso, objetivo principal do Instituto da Unitização. Outra vantagem do direito privado sobre o comunitário é a redução dos custos de negociação das externalidades remanescentes. Os custos de transação associados aos direitos comunitários são excessivamente altos, devido ao problema do carona, dos altos custos de negociação para se chegar a um acordo e custos de monitoramento de um eventual acordo (ALCHIAN & DEMSETZ apud CHADDAD, 1996).

As instituições determinam os custos de transação que se adicionam aos custos de produção. “Quando é custoso transacionar, as instituições importam” (NORTH apud CHADDAD, 1996 p. 30). Para o autor, o ambiente institucional representa as “Regras do Jogo”, isto é, as restrições que norteiam as interações humanas, em que se dão todas as transações. Essas restrições são de ordem formal (leis, regras, constituições, regulamentações etc.) e também podem ser informais (normas de comportamento, convenções sociais, códigos de conduta etc.). Historicamente, as instituições foram criadas pelo homem para estabelecer a ordem e reduzir a incerteza nas transações (NORTH apud CHADDAD, 1996 p. 30). Portanto, o sistema legal faz parte do ambiente institucional e, segundo Khalil apud Chaddad (1996, p. 30), tem o objetivo de contribuir para a clara atribuição e proteção dos direitos de propriedade.

Arrow apud Williamson (1985, p. 18) define os custos de transação como os “custos

de funcionamento do sistema econômico”.Estes custos devem ser distinguidos dos custos de

observa. Para Williamson (1985) a teoria dos custos de transação coloca o problema da organização econômica como um problema de contratação.

Williamson (2002), em seu estudo sobre governança, apresenta sua formulação na qual todos os contratos complexos são incompletos por natureza. Por esta razão, as partes são confrontadas com a necessidade de adaptar situações não previstas que surgem em razão de erros, omissões ou lacunas no contrato original. Caso as partes não consigam adaptar os

imprevistos contratuais (devido à racionalidade limitada19), e considerando-se também o

comportamento estratégico destas (devido ao oportunismo), poderão ocorrer quebras contratuais que serão onerosas para ambas as partes.

O autor identifica dois tipos de custos de transação que afetam diretamente o desempenho dos agentes econômicos participantes: (1) os custos ex ante de negociar e fixar as contrapartidas e salvaguardas do contrato, e, principalmente; (2) os custos ex post de monitoramento, renegociação e adaptação dos termos contratuais às novas circunstâncias. Estes custos estão presentes, com diferentes intensidades, segundo as características das transações, tanto quanto essas são mediadas pelo mercado, quanto são realizadas no interior de uma firma (WILLIAMSON apud FAGUNDES, 1997). As principais implicações das hipóteses comportamentais acima apresentadas são:

a) Contratos complexos mostram-se necessariamente incompletos;

b) Não se pode estabelecer uma relação de confiança entre agentes econômicos

pelo simples fato da existência de um contrato entre as partes, portanto, os riscos são inerentes à relação contratual;

c) É possível agregar valor às firmas por meio de organizações que objetivam

salvaguardar transações que evitem o comportamento oportunista dos agentes. Neste caso, estruturas de governança que mitigam estes impasses contratuais possuem mérito. Quando está em jogo a racionalidade limitada, o comportamento oportunista e a assimetria de informação, as disputas litigiosas por uma solução passam a ser custosas e incertas. O ordenamento privado, isto é, os esforços para constituição de estruturas de governança que suportem as relações negociais durante a implementação do contrato são vistos como necessários. Neste contexto Williamson (1979) identifica três dimensões que caracterizam as transações:

a) O nível de incerteza;

b) A frequência que as transações ocorrem;

c) A especificidade dos ativos.

De acordo com Williamson apud Fagundes (1997), a incerteza é um atributo das transações que exerce influência sobre as características das instituições na medida em que a maior ou menor capacidade dos agentes em prever os acontecimentos futuros pode estimular a criação de formas contratuais mais flexíveis que regulem o relacionamento entre as partes envolvidas na transação. Tal flexibilidade é fundamental num contexto de incerteza, em que o surgimento de eventos não antecipados implica a necessidade de mecanismos que viabilizem a adaptação da relação entre os agentes econômicos. A atividade de Exploração e Produção de hidrocarbonetos pode ser vista como uma atividade de alto grau de incertezas associadas.

A frequência de ocorrência de certo tipo de transação, por sua vez, é importante na medida em que pode determinar o surgimento de instituições especificamente desenhadas para sua coordenação e gestão. Quanto maior for a frequência de realização da transação, maiores serão os incentivos para o desenvolvimento de instituições estruturadas com o intuito de promoção de uma gestão eficaz.

A especificidade de ativos geralmente é definida como a relação em que os investimentos são realizados para apoiar uma determinada operação. Estes agregam mais valor a essa operação específica do que teriam em circunstâncias de realocação desses recursos para outros fins econômicos. Em relação à especificidade dos ativos, Williamson (1979) destaca quatro tipos:

a) A localização específica: refere-se à proximidade entre os agentes econômicos. Um exemplo no contexto da Unitização pode ser associado ao caso no qual os atores econômicos estabelecem suas estratégias de desenvolvimento da produção, e a localização ótima dos poços produtores e injetores é um fator determinante para a eficiência do processo de Exploração e Produção;

b) Os ativos exclusivos (dedicados): envolvem a capacidade produtiva dos agentes pela qual existe uma demanda insuficiente fora da relação contratual. A produção de um determinado componente tecnológico pode exigir investimentos em equipamentos especializados. Os ativos dedicados são largamente utilizados ao longo do processo de Exploração e Produção de

petróleo, soluções tecnológicas específicas são normalmente desenvolvidas e implementadas caso a caso;

c) A especificidade física: relacionada a uma situação em que as partes fazem investimentos em ativos físicos especializados. A distribuição de um determinado produto poderá exigir a utilização de instalações físicas específicas. Um bom exemplo pode ser atribuído ao caso da utilização de ativos específicos para condução dos processos de recuperação de petróleo; d) A especificidade humana: relações de troca de experiência e conhecimentos

que geram sinergias para ambas as partes da relação contratual. A entrega de um determinado serviço pode ser baseada na existência de um conjunto raro de conhecimento e habilidades.

Quando existe um alto grau de especificidade o problema do comportamento oportunista tende a ser mais acentuado e leva ao surgimento do clássico problema de “hold

up”20. A presença da especificidade dos ativos resulta na observação de excedentes (quasi-

rents) ex post, os quais derivam do fato de que ativos são mais valiosos dentro da transação do que fora dela. Quando um contrato é renegociado, cada agente – dada a sua natureza oportunista – tenta extrair da outra parte o máximo que puder desse excedente ex post. A integração, portanto, é uma solução factível a ser implementada por uma parte, que tem o objetivo de mitigar o problema de hold up.

Grossman & Hart (1986) e Hart & More (1990) contribuem para a teoria dos contratos incompletos (teoria dos direitos de propriedade e teoria dos custos de transação), ilustrando o significado da integração (propriedade comum do ativo) e demonstrando porque problemas contratuais (custos de transação) existem na ausência de uma propriedade comum.

Uma das principais contribuições para a abordagem dos direitos de propriedade conduzidas por Grossman & Hart (1986) refere-se aos custos e benefícios da integração vertical. Como inferência da abordagem, os autores definem que as empresas constituem-se num arranjo de bens sob propriedade privada. Se existem, no mínimo, dois diferentes ativos que compõem os direitos de um único proprietário, estes estarão diante de uma única empresa, e os autores a definem como uma empresa integrada. No caso em que se observam

proprietários distintos, podemos dizer que as relações entre estes proprietários serão realizadas por meio dos mecanismos de mercado.

As decisões sobre a propriedade de ativos e, portanto, os limites das firmas, são importantes no contexto da relação de barganha entre os agentes econômicos quando relacionamentos duradouros estão em pauta e estes são ratificados pela formalização de contratos de longo prazo.

Grossman & Hart (1986) e Hart & Moore (1990) definiram a empresa como um conjunto de direitos de propriedades, focalizando o papel dos ativos físicos numa relação contratual. Esta abordagem distingue a propriedade em termos de direitos residuais e direitos de controle dos ativos.

Nesse sentido, os autores citados desenvolveram uma teoria em que o poder está diretamente relacionado com a propriedade de ativos físicos. O poder é exercido diretamente pelos proprietários dos ativos, em que a autoridade se consolida por meio dos incentivos e da manutenção dos investimentos que são específicos à empresa. Para os autores, esses investimentos revelam-se exclusivos e relevantes somente para a própria empresa, e o seu valor de transação no mercado é praticamente nulo. Em suma, a autoridade advém da posse dos fatores de produção e ela se torna mais importante quanto mais frequentes forem as situações imprevisíveis que necessitam ser arbitradas internamente à empresa.

No entanto, Grossman & Hart (1986) argumentam que não é factível assumir que todos os conflitos envolvidos em uma relação contratual entre duas empresas não integradas serão solucionados após a integração delas. Os autores salientam que é possível observar comportamentos oportunistas dos agentes endogenamente às empresas, e concluem que não se pode afirmar que a integração irá alterar a especificidade dos ativos.

Dessa forma, o modelo de Grossman & Hart (1986) enfatiza que as falhas de mercado, oriundas de contratos incompletos, podem impedir que uma parte obtenha o retorno ex post necessário para compensar o seu investimento realizado ex ante. A integração pode ser favorável na medida em que uma decisão de investimento de uma empresa é particularmente importante em relação à outra empresa, ao passo que a separação é desejável quando as decisões de investimento são irrelevantes.