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A Terceira Via e o neoliberalismo: rupturas ou continuidade?

Capítulo 1 Participação popular nos espaços públicos em um contexto de crise estrutural e de afirmação da Terceira Via

1.1 A Terceira Via e o neoliberalismo: rupturas ou continuidade?

A partir da década de 1980, como um prenúncio do que estava por vir, os partidos de esquerda que gravitavam em torno da II Internacional ou compunham a Internacional Socialista promoveram profundos giros políticos. Ideologicamente, a virada para a austeridade fiscal do governo de Mitterrand (1983) foi um severo golpe contra as idéias da esquerda socialista, em especial pelo contraste com a radicalidade do programa para o qual fora eleito em 1981. Com essa inflexão, os socialistas franceses se aproximam das concepções que vigiam no Partido Socialista Espanhol (PSOE) então dirigido por Felipe Gonzáles, que, em 1979, abandonara o marxismo, mudança colocada em prática em seu longo governo (1982-1996) e que, mais tarde, seria empreendida também pelos trabalhistas ingleses

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Trata-se, segundo Ricardo Antunes, de uma noção ampliada de classe trabalhadora que inclui “todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital (...) os trabalhadores assalariados da chamada ‘economia informal’, e os que estão desempregados, pela vigência da lógica destrutiva do capital”. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 7ª Edição, São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. p. 103.

liderados por Tony Blair. Os Partidos Comunistas também promoveram uma profunda revisão em seus programas e estatutos. Em seu XXII Congresso (1976), o Partido Comunista Francês (PCF) havia decidido abandonar a “ditadura do proletariado”, levando Althusser a protestar: “Não se abandona um conceito como um cão” (LE DÉBAT, 1988, p. 105).

As revoluções de veludo no Leste europeu que transtornam todo o antigo bloco soviético a ponto de levar ao desmanche da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS e de sua reconversão ao capitalismo não abriram caminho para a democracia socialista. Diferente do que supunha parte da esquerda, em especial a trotskista, a luta contra a burocracia stalinista não levou a um aprofundamento do socialismo, mas, antes, a uma restauração burguesa.

Se, de um lado, a revolução socialista e o anticapitalismo são excluídos da agenda política, de outro, o neoliberalismo se difunde com uma rapidez vertiginosa tanto nos países centrais, quanto nos países da periferia do capitalismo.

O neoliberalismo ou o ajuste neoliberal surge como solução para a crise global do capitalismo iniciada na década de 1970, e que se espalhou, na década seguinte, por quase toda a economia mundial. A crise financeira e do comércio internacional, a estagflação (inflação crônica associada ao baixo crescimento econômico), e a intensificação dos investimentos tecnológicos para fazer frente à queda das taxas de lucros (BRENNER, 2003) são as manifestações mais importantes dessa crise. A estas se soma a redução da autonomia dos Estados Nacionais (o que não quer dizer a sua relevância para operar o padrão de acumulação vigente) em virtude da internacionalização acentuada dos mercados e dos sistemas produtivos, bem como liberalização financeira.

Segundo Soares (2000), tratou-se de uma crise global do modelo de acumulação e que levou economistas, ideólogos e políticos a retornarem à ortodoxia, ao velho liberalismo econômico, e a formularem as teses monetaristas e neoliberais que orientam as políticas econômicas a partir do final da década de 1970. Das mudanças estruturais implementadas derivam um novo modelo denominado de neoliberal e que inclui, segundo a autora, “a informalidade no trabalho, o desemprego, o subemprego, a desproteção trabalhista e, conseqüentemente, uma ‘nova’ pobreza”. Dessa forma, o ajuste neoliberal vai além das propostas para solução da crise econômica, ele engloba: (a) uma “redefinição global do campo político-institucional e das relações sociais”, (b) um outro projeto de reintegração social; (c) o surgimento de uma “nova categoria classificatória”, ou seja, a dos pobres, ou a

dos muito pobres que passam a ser o alvo principal das políticas “focalizadas” de assistência (SOARES, 2000, p 12-13).

No centro do capitalismo, os dois países que lideraram a adoção do modelo neoliberal foram os Estados Unidos da América nos governos de Ronald Reagan, e a Inglaterra sob o governo da Primeira Ministra Margareth Thatcher e de seu sucessor o Primeiro Ministro John Major. Em suma, sob esse novo modelo de acumulação:

[...] os direitos sociais perdem identidade e a concepção de cidadania se restringe (...) e a legislação trabalhista evolui para uma maior mercantilização (e, portanto, desproteção) da força de trabalho; a legitimação (do Estado) se reduz à ampliação do assistencialismo [...] (SOARES, 2000, p. 13).

Na América Latina, a aplicação de políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado (modelo neoliberal) se deu a partir do chamado ajuste estrutural, ou seja, com a proposição de medidas que, na superfície, deveriam diminuir o déficit fiscal, combater a inflação e fixar uma nova política cambial, medidas que, mais propriamente, deveriam preparar o país para um padrão de acumulação profundamente explorador do trabalho e dos recursos naturais. Para cumprir esse receituário os países latino-americanos precisariam reduzir o gasto público, adotar uma política restritiva e elevar a taxa de juros. Como parte do programa para sair da crise econômica, essas medidas deveriam ser implantadas rapidamente, mas, o ajuste implicava ainda a adoção de políticas de médio prazo, a saber: o aumento das exportações; liberalização do comércio exterior; diminuição das regulações estatais; maximização do uso do mercado; ampliação do investimento privado e redução da presença do setor estatal, etc.

O ajuste estrutural acordado através do Consenso de Washington impunha aos países, açodados pela crise econômica e da dívida pública, a aplicação dessas medidas em troca de apoio político e econômico dos países centrais e dos organismos financeiros internacionais, principalmente, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. A expressão

Consenso de Washington foi cunhada em 1990, pelo economista norte-americano John

Williamson. Segundo Tavares & Fiori (1993, p. 18), o Consenso se caracteriza por:

[...] um conjunto abrangente, de regras e condicionalidades aplicadas de forma cada vez mais padronizada nos diversos países e regiões do mundo (...) Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes.

No Brasil, proposições abarcando a desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira, privatizações do setor público e redução do Estado foram introduzidas em 1990, com a eleição e posse de Collor de Mello, entretanto, esse processo se efetiva após o

Plano Real e com o inicio do governo de Fernando Henrique Cardoso em 1994 (SOARES, 2000).

As conseqüências e os custos sociais do ajuste estrutural e das políticas neoliberais revelam, segundo a autora citada, as contradições desse processo. O fracasso das políticas neoliberais é notório, particularmente, nos países periféricos. O crescimento predatório das dívidas internas e externas e aumento astronômico dos serviços financeiros das dívidas, a concentração cada vez maior da renda e aumento da pobreza, o desemprego e a estagnação econômica, a deterioração e desmonte dos serviços públicos (saúde, educação e previdência social) são efeitos das políticas adotadas. Isso tudo agravou ainda mais as condições sociais das populações pobres dos países latino-americanos. Mesmo nos países centrais as políticas neoliberais também resultaram no aumento das desigualdades, desemprego e empobrecimento de amplas camadas da população (SOARES, 2000).

A constatação do agravamento da pobreza levou os organismos internacionais, principalmente o Banco Mundial, a propor programas de alívio a pobreza para corrigir as distorções do ajuste estrutural10. Esses programas, conforme Soares, “não [passaram] de uma tentativa de racionalizar a situação de agravamento geral das situações de pobreza e desamparo social a que foram conduzidos quase todos os países periféricos submetidos ao ajuste [...]” (SOARES, 2000, p. 22).

No plano político-estratégico, o reconhecimento da crise e o desgaste do neoliberalismo não resultaram na ascensão ou retorno de uma perspectiva programática socialista para enfrentá-la. Ao contrário, conforme mencionado anteriormente, o exame da agenda dessas forças revela o total abandono, por parte da social-democracia e até mesmo da esquerda (socialista), da perspectiva anticapitalista, e o surgimento de novas concepções estratégicas, freqüentemente, apresentadas como alternativa para uma nova esquerda.

Um exemplo desse movimento é a transformação do Labour Party inglês em New

Labour, sob a direção de Tony Blair em 1994, e o surgimento da Terceira Via. O Partido

Trabalhista inglês surgiu como o braço político do Trades Union Congress (TUC), a central sindical inglesa criada em 186811. Até 1979, o partido esteve no governo por 11 anos, o que

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Um novo consenso é defendido e proposto pelos organismos internacionais. Neste, reconhece-se a importância das mudanças institucionais e o papel que as instituições sociais podem desempenhar na correção dos efeitos perversos do ajuste estrutural. A institucionalização da democracia e de mecanismos de participação direta da população passa a ser defendidos como fundamentais para o êxito dos programas neoliberais e para o aperfeiçoamento dos governos. WORLD BANK. Governance and Development. Washington, D.C. 1992.

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Segundo Antunes, a expansão do TCU e do Labour Party caracterizou-se por uma fase de ascensão do sindicalismo inglês, marcado por um grande número de greves (69-74 média anual de 3.000 greves), pela defesa

possibilitou uma importante influência dos sindicatos nos assuntos do Estado. No entanto, mudanças no partido, principalmente a partir de 1994 levaram a um distanciamento cada vez maior em relação aos sindicatos, bem como a redução do peso das trade unions na estrutura partidária. Com isso, o partido se desvencilha do seu “passado trabalhista e reformista”12, e pôde adotar uma nova postura, que associa “um traço social-democrático a elementos básicos do neoliberalismo”. Mais ainda, com a sua conversão em New Labour não apenas foi possível um maior distanciamento “frente ao conteúdo trabalhista anterior”, mas também limitar os vínculos do novo trabalhismo com os sindicatos, além de “eliminar qualquer vestígio anterior evocativo de sua designação ‘socialista’, que, ao menos como referência formal, ainda permanecia nos estatutos do Labour Party” (ANTUNES, 2005, p. 95-96).

Segundo Antunes (2005, p. 96), a eliminação da cláusula 4, que defendia a propriedade comum dos meios de produção, do estatuto do partido sela a vitória da economia de livre mercado frente à “retórica socialista e a prática trabalhista e reformista anteriores”. A defesa de uma economia “fortemente estatizada e mista” encontra seu substituto na exaltação da economia de mercado, numa junção entre liberalismo e elementos de uma social- democracia modernizada.

Um novo projeto político se apresenta como alternativa ao neoliberalismo, sem a reversão, no entanto, das medidas neoliberais implantadas (flexibilização e precarização do trabalho, privatizações, desregulamentações, etc.), preservando e/ou intensificando o essencial do modelo neoliberal. Esse projeto apresentado ao mundo por Anthony Giddens, assessor direto de Tony Blair, recebe o nome de Terceira Via.

A Terceira Via de Giddens se autodenomina esquerda modernizadora, mas suas proposições divergem profundamente do pensamento socialista, e reivindicam um lugar/status distinto e superior ao neoliberalismo e à social-democracia. Para Giddens (1997), o socialismo está “enfermo” tanto na sua forma soviética (revolucionário), quanto na forma do compromisso de classe da social-democracia européia. Assim, as críticas ao socialismo são

da força de trabalho, conseguindo evitar a aplicação de medidas restritivas às conquistas trabalhistas, realização de paralisações e greves políticas, como a greve dos mineiros em 1974, que levou à queda de Edward Heath, ministro do gabinete conservador. Além da ampla votação dos trabalhadores ingleses no Labour Party. ANTUNES, Ricardo. op. cit. p. 64-65.

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Em 1998, bem no inicio do governo do New Labour de Tony Blair foi encerrada a greve dos doqueiros de Liverpool (1995-98), segundo Antunes, um dos mais importantes movimentos de resistência e confrontação ao neoliberalismo britânico. Conforme o autor, os trabalhadores portuários esperavam que sob o governo trabalhista as condições se tornariam mais favoráveis, no entanto, presenciaram exatamente o contrário, “a falta de apoio efetivo à ação dos trabalhadores e a necessidade imperiosa do New Labour em consolidar o apoio do capital ao seu projeto de governo fizeram com que o distanciamento crescente em relação à classe trabalhadora levasse os portuários a não ver outra saída que não o encerramento da greve”. ANTUNES, op. cit., p. 95.

dirigidas à concepção de homem como sujeito político capaz de definir os rumos da história. A terceira via acusa a tradição iluminista de exaltar a partir do aumento do conhecimento (progresso da ciência, da realidade social), a possibilidade de um maior controle por homens e mulheres de seus próprios destinos. Para Giddens, essa idéia não se sustenta mais, pois “o mundo em que vivemos hoje não está sujeito ao firme controle humano (...). Quase pelo contrário, ele é um mundo de deslocamentos e incertezas, ‘um mundo fugitivo’” (GIDDENS, 1997, p. 37).

Segundo Kátia Lima (2005), Giddens também acusa o socialismo de apresentar uma concepção instrumental da história e da natureza. No primeiro caso, por difundir a idéia de que existe uma direção para a história construída pelos homens e que a humanidade se coloca dois caminhos: “ou o socialismo ou a barbárie”. No segundo, porque não vê a natureza como parceira, mas devendo atender às necessidades humanas. Com isso Giddens sustenta a necessidade de superação da perspectiva analítica que identifica numa classe social o sujeito político capaz de redirecionar a história e construir a ruptura com o capitalismo, bem como afirma a derrota do socialismo a partir de uma compreensão de que não há mais lugar para a revolução socialista (LIMA, 2005, p. 107-108).

Contrastando o socialismo ao neoliberalismo, Giddens afirma que no contexto de profundas transformações sociais (globalização e maior reflexividade social13), o neoliberalismo – a Direita – tornou-se radical e a Esquerda conservadora. O neoliberalismo tem levado a cabo “processos radicais de mudanças, estimulados pela expansão incessante de mercados”, enquanto a Esquerda tenta proteger o que restou do Welfare State (GIDDENS, 1997, p.43).

É surpreendente a forma como Giddens desqualifica as lutas sociais contra a destruição dos direitos do trabalho classificando-as como apegos à “heranças arcaicas”. Assim, afirma Giddens:

Em uma sociedade pós-tradicionalista, a conservação da tradição não pode manter o sentido que ela já teve, como preservação relativamente irreflexiva do passado. Pois

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Segundo Giddens, estamos vivendo em um mundo dominado pela “incerteza manufaturada”, ou seja, pelos “riscos” e incertezas que resultaram da intervenção humana na natureza e nas condições sociais, o aquecimento global do planeta, por exemplo. Um conjunto novo de processos vem afetando ainda mais a “incerteza manufaturada”, a saber: a globalização; a emergência de uma ordem pós-tradicional; e, a expansão da “reflexividade social”. Essa expansão decorre de um acesso maior das pessoas às informações e ao conhecimento produzido. A “informação produzida por especialistas (inclusive conhecimento científico) não pode mais ficar inteiramente confinada a grupos específicos, mas passa a ser rotineiramente interpretada e ativada por indivíduos leigos no curso de suas ações cotidianas”. GIDDENS, Anthony. Admirável mundo novo: o novo contexto da política. In: MILIBAND, David (Org.). Reiventando a Esquerda. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. p. 38-41.

tradição defendida de maneira tradicional torna-se fundamentalismo, uma perspectiva muito dogmática para servir de base a um conservadorismo que busca a realização da harmonia social (...) como uma de suas principais raisons d’être (GIDDENS, 1997, p. 43)

A terceira via considera relevante a critica que os neoliberais fazem ao Welfare State. Assim como os neoliberais, Giddens afirma que o sistema de bem-estar social carece de eficácia para enfrentar a pobreza, aumentar a renda ou redistribuir a riqueza, que os benefícios previdenciários criam direitos adquiridos e podem gerar efeitos perversos (dependência, passividade nos indivíduos), que as instituições tendem a se burocratizar, e que o Welfare desconsidera os limites fiscais para o seu financiamento, ocasionado pelo desemprego crônico e aumento das aposentadorias. A partir dessas críticas, Giddens recomenda uma “reforma radical” do Welfare, “não para reduzi-lo, mas para fazer com que responda às circunstâncias nas quais vivemos hoje”, ou seja, reformar para melhor governar o capitalismo (GIDDENS, 1999a, p. 5).

A partir da crítica ao Welfare e de uma proposta para modernizá-lo, mais precisamente, para destruir os direitos do trabalho, já que, segundo Giddens, o sistema de bem-estar social não poderia mais “assumir a forma de uma prestação de benefícios de cima para baixo”, mas, ao contrário, deveria assentar-se agora em um novo “arranjo”, que pudesse reconstruir através da família e da ampliação da cultura cívica, a “solidariedade social”. Assim, a terceira via se diz diferenciar da “social-democracia clássica”, se auto-intitulando a “nova social-democracia” ou social-democracia modernizadora (GIDDENS, 1996, p. 54).

Segundo Giddens, a terceira via reivindica, no entanto, uma perspectiva distinta da neoliberal. Nesse sentido, critica o neoliberalismo por considerá-lo demasiadamente preso ao “jogo errático das forças de mercado”, e, por reduzir e prescrever o individualismo a um comportamento egoísta, maximizador do lucro e do mercado, que desconsidera, em sua perspectiva, a importância da ação social voluntária dos indivíduos e dos grupos, bem como a solidariedade e a responsabilidade social dos empresários (GIDDENS, 1997, p. 44).

Com isso, a terceira via defende um novo projeto de reordenamento da vida social, projeto esse que possa articular, a um só tempo, individualismo e solidariedade social, responsabilidade individual e responsabilidade social. Segundo Lima, essas idéias significam um retorno à concepção de indivíduo do pensamento liberal, que entende o individualismo como um valor moral radical (liberdade individual), em oposição à idéia de individuo egoísta e maximizador de interesses no mercado defendido pelo neoliberalismo (LIMA, 2005, p.111).

Em suma, a terceira via reivindica para si o papel de teoria da sociedade e da política contemporânea. No plano político, suas proposições representam, segundo Giddens, “um movimento de modernização do centro, [que] embora aceite o valor socialista básico da justiça social, rejeita a política de classe, buscando uma base de apoio que perpasse as classes da sociedade”. No âmbito econômico, defende uma “nova economia mista” fundada no “equilíbrio entre a regulamentação e a desregulamentação e entre o aspecto econômico e não econômico da vida na sociedade”, que preserve a competição econômica quando ameaçada pelo monopólio. Uma economia que também controle os “monopólios naturais”, e que seja capaz de “criar e sustentar as bases institucionais dos mercados” (GIDDENS, 1999a, p. 5).

A terceira via afirma que da mesma forma que o socialismo encontra-se “moribundo”, a direita também fracassou em seu projeto de sociabilidade. Isso revela, segundo Giddens, a “exaustão das ideologias políticas recebidas”. Diante de um mundo “radicalmente danificado (...) são necessários remédios radicais”, Giddens propõe, para isso, um programa de política que considera radical, um projeto delineado “sobre o conservadorismo filosófico”, mas que preserva, em seu entendimento, “alguns valores (...) associados ao pensamento socialista”.

Vejamos em que consiste o programa de sua “política radical” (GIDDENS, 1997, p. 44-46).

1- Deve-se restaurar “as solidariedades danificadas, o que às vezes pode implicar a preservação seletiva da tradição”, através da revisão do conceito de sociedade civil e da noção de individualismo, considerado compatível com a idéia de solidariedade social. Na restauração da solidariedade é fundamental criar uma “confiança ativa” articulando responsabilidade pessoal e social14;

2- Deve-se reconhecer a centralidade da política da vida: “uma política não de oportunidades de vida, mas de estilo de vida”. A política da vida inclui problemas e dilemas ecológicos e da biopolítica, que são entendidos como vinculados a questões mais amplas de identidade e escolha de estilo de vida (GIDDENS, 1997, p 48);

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Para Kátia Lima a relação estabelecida entre individualismo, responsabilidade individual e solidariedade social expressa uma concepção de indivíduo descolado da luta de classes. Todos os indivíduos são responsáveis pela preservação dos direitos humanos universais, pela preservação da vida, das gerações futuras, etc.. A idéia de responsabilidade individual vincula-se ao conceito durkheimiano de solidariedade social e na medida que reduz os antagonismos de classe às incapacidades de indivíduos ou grupos sociais, a luta de classe perde a centralidade e é substituída pela tentativa de conciliação dos interesses entre capital e trabalho.LIMA, Kátia. Reforma da educação superior nos anos de contra-revolução neoliberal: de Fernando Henrique Cardoso a Luis Inácio Lula da Silva. 2005. f.111. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.

3- Uma proposta de política radical busca fortalecer uma “política gerativa”, que é uma “política que procura permitir que indivíduos e grupos façam as coisas acontecerem, e não esperar que as coisas lhes aconteçam, no contexto das preocupações e objetivos sociais totais”. A política gerativa é o principal meio para enfrentar os problemas da pobreza e da exclusão social na atualidade. É uma “defesa da política do domínio político, mas não se situa na velha oposição entre Estado e mercado”, ou seja, pode operar através do fornecimento de condições materiais e estruturas de organização fora o aparato estatal (organizações não governamentais, terceiro setor, trabalho voluntário, etc.) (GIDDENS, 1997, p. 50-51);

4- As deficiências da democracia liberal devem ser compensadas com a proposição de “formas radicais de democratização”. A “democracia dialógica15” expressa essa radicalidade,