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Orçamento Participativo: esfera pública ou governança democrática

ENCONTRO MUNICIPAL DE PRIORIDADES ORÇAMENTÁRIAS Fonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Orçamento Participativo 2007-2008 Metodologia.

4.2 Orçamento Participativo: esfera pública ou governança democrática

Desde o seu surgimento no final dos anos de 1980, o orçamento participativo transformou-se em um modelo referenciado de participação popular na administração pública no Brasil. Com efeito, muitos estudos apontam o OP como “uma estratégia bem sucedida para a implantação da cidadania no Brasil”, destacando, basicamente, suas potencialidades e limites para a "construção de novas relações entre Estado e sociedade de cunho democratizante, novos patamares de eqüidade social e política e novos saberes societários de caráter emancipatório" (FEDOZZI, 2000, p. 38).

Na literatura sobre o orçamento Participativo predomina a avaliação de que essa experiência tem permitido que os segmentos de menor renda, que habitam as periferias das cidades, possam decidir sobre as prioridades de investimentos em suas comunidades, transformando dessa forma, “os investimentos públicos de favores em direitos” e reduzindo o desequilíbrio do poder decisório. O OP também é visto como um exemplo de mecanismo de gestão que pode promover o “bom governo” ou a “boa governança urbana” (SOUZA, 2001, p. 84).

Já dissemos anteriormente que o OP completou, em 2006, 13 anos de existência ininterrupta na capital mineira. Mas o orçamento participativo não é a primeira experiência ou proposta de gestão participativa introduzida no município. Desde fins dos anos 1970, algumas estratégias participativas foram propostas por governos estaduais e municipais visando responder à crescente demanda por participação política nas decisões públicas. O Programa de Desenvolvimento de Comunidades – PRODECOM – criado em 1979, objetivava atender à demanda por maior participação na gestão das políticas, através do contato direto dos órgãos públicos com os representantes de comunidades para a implantação de programas de melhoria urbana em vilas e favelas de Belo Horizonte.

Entretanto, algumas análises acerca desses programas revelaram problemas e restrições à participação, como por exemplo, o controle e a subordinação das comunidades envolvidas com órgãos estatais. Conforme os estudos, a inclusão de representantes da população beneficiária no interior do processo executivo mostrou-se, essencialmente manipulador, uma vez que a decisão sobre os programas teria permanecido centralizada no âmbito da burocracia estatal (PRATES & ANDRADE, 1984).

Segundo Boschi (1999), medidas adotadas no município na década de 1970, já sinalizavam a preocupação em se criar esferas de governo mais próximas e mais sensíveis às demandas da população. Para o autor, a subdivisão do município em Administrações

Regionais refletiu essa preocupação. Atualmente, Belo Horizonte possui nove Regionais, duas

criadas na década de 1970, e as demais implantadas ao longo dos anos de 1980.

Além disso, foi proposto na gestão dos prefeitos Pimenta da Veiga e Eduardo Azeredo (1989-1992) a criação de Conselhos Comunitários por administração regional e a implantação do Programa Participativo de Obras Prioritárias – PROPAR. O Programa consistia na realização de assembléias regionais com a presença do prefeito, que ouvia dos participantes sugestões de obras que julgavam prioritárias em seus bairros. Mas tais assembléias não tinham caráter deliberativo e serviam apenas para indicar, de forma descontinua e pouco sistemática, as principais preocupações dos moradores de cada região. Ainda conforme

Boschi, essas iniciativas não chegaram a inaugurar “um novo estilo de governar” na cidade, entretanto, propiciaram condições institucionais para isso, ao contribuir para a manutenção, “de uma certa vitalidade das formas de organização popular onde elas já tinham maior enraizamento” (BOSCHI, 1999, p. 531).

Enfim, a introdução de mecanismos de participação popular na administração municipal não é recente em Minas Gerais. Alguns municípios administrados pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) buscaram implementar, no início da década de 1980, programas e planejamentos participativos para a formulação de políticas públicas. Apesar das avaliações apontarem uma contribuição importante dessas iniciativas para abertura de canais institucionais para o atendimento de demandas populares, também se mostraram bastante céticas quanto às suas potencialidades democratizantes.

Os estudos sobre essas experiências destacam o caráter limitado e instrumental da participação, na maioria das vezes, restrita à participação das comunidades enquanto fornecedoras de mão-de-obra (mutirões), ou para a definição de micro-prioridades, ou ainda, para definir a alocação de recursos e equipamentos coletivos concernentes a uma iniciativa governamental específica.

Essas experiências participativas também não conseguiram, segundo as análises, romper com um padrão elitista de relação entre as lideranças e as bases no interior das organizações populares, isso porque, o esquema participativo favorecia uma negociação a partir da cúpula dos movimentos ao invés da participação e mobilização mais ampla e homogênea dos movimentos na definição das políticas. Desse modo, os programas reeditaram as práticas e padrões clientelistas, com o Poder Executivo assumindo ele próprio o papel de intermediação, baseado em clientelismos e lealdades políticas, anteriormente, exercido pelos vereadores (AZEVEDO & PRATES, 1991; SOMARRIBA & AFONSO, 1986).

O Orçamento Participativo, diferentemente dessas experiências pioneiras, teria instituído uma nova forma de governar as cidades. Na ótica de seus defensores, nessa nova forma de governar destacam-se não apenas a participação popular efetiva na definição de prioridades de investimento, mas também a descentralização político-administrativa e a transparência dos procedimentos políticos. Assim, o OP se oporia aos planejamentos tecnocráticos que mantinham um distanciamento entre a esfera técnica e a política, desconsideravam a pluralidade dos atores sociais, além da existência de interesses conflitantes na sociedade.

A participação popular na elaboração de parte do orçamento municipal é atualmente defendida como possibilidade de melhor atendimento das necessidades das comunidades. Sob

essa perspectiva, as análises apontam o OP como uma nova forma de relacionamento entre Estado e sociedade civil capaz de recuperar a legitimidade do poder público. Com efeito, sustenta-se que o OP seria capaz de melhorar o desempenho da máquina pública e de propiciar uma efetiva democratização do Estado (AZEVEDO & AVRITZER, 1994).

Quanto aos antecedentes da institucionalização da participação social/popular na formulação de políticas e orçamentos públicos, não podemos esquecer as mudanças institucionais propiciadas pela Constituição Federal promulgada em 1988. No terceiro capítulo deste trabalho analisamos as principais mudanças trazidas pela CF/88, quanto ao papel dos municípios na federação brasileira. Afirmamos que a CF/88 promoveu importantes transformações no cenário político-administrativo do país ao instituir medidas que favoreceram os municípios, principalmente, aquelas que dizem respeito à autonomia municipal e aos mecanismos de descentralização administrativa e financeira. A Constituição também a participação dos cidadãos na formulação de políticas públicas através, principalmente, de conselhos sociais para as áreas de saúde, educação, meio ambiente, assistência à criança e ao adolescente, etc.

Portanto, trouxe mudanças importantes para a administração municipal: autonomia e melhor distribuição de recursos fiscais para os municípios, além de medidas visando assegurar a participação popular nas decisões públicas.

A expectativa era a de que os municípios viessem a assumir um papel maior e mais relevante na oferta dos direitos e serviços sociais, transformando-se em espaços privilegiados para o exercício da cidadania. Mas, conforme discutido anteriormente, tão logo a CF/1988 entrou em vigor, medidas são adotadas visando a recentralização dos recursos públicos, a autonomia foi profundamente limitada com a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, a descentralização assume a feição da desresponsabilização e da municipalização desenfreada das políticas sociais, no entanto, sem a contrapartida financeira. No âmbito das políticas sociais passa a predominar a perspectiva da focalização das ações ao invés da universalização dos direitos, com o poder público transferindo para as pessoas e comunidades ou para a sociedade civil a resolução dos seus próprios problemas.

Os orçamentos participativos têm respaldo na CF/88, contudo, surgem em um contexto marcado pelas transformações acima destacadas. Por esse motivo, a tese sustenta que uma análise aprofundada das experiências de Orçamentos Participativos não pode abstrair dessas questões.

Muitas análises, frequentemente, apontam o OP como sendo um mecanismo que institui novas práticas democráticas e modifica padrões tradicionais (clientelistas) de

relacionamento entre governos e sociedade civil, assegurando com isso, direitos, maior transparência e controle da coisa pública. Nesse sentido, o orçamento se destacaria, conforme mencionado anteriormente, das experiências implantadas por alguns governos ainda no final dos anos de 1970, quando se buscou incentivar a participação das comunidades no processo decisório das políticas públicas locais.

Esse movimento adquiriu centralidade, ao longo da década de 1990, com a institucionalização de formas de consulta e de participação dos cidadãos, bem como das organizações da sociedade civil nos processos de formulação de políticas e dos orçamentos públicos. A participação transformou-se em modelo para a administração pública local, forjando um consenso de que a presença de políticas participativas constitui “objetivo virtuoso” para o desenvolvimento sócio-econômico, especialmente dos paises em desenvolvimento e recém-democratizados (SOUZA, 2001, p. 88).

Em tal contexto, a participação social/popular e a introdução de mecanismos de definição de políticas como o OP assumiram proeminência. As experiências participativas são, portanto, defendidas tanto por aqueles que sustentam a reforma neoliberal do Estado, prevalecendo, nesse caso, as orientações do Banco Mundial79 e do FMI para o ajuste estrutural nos países em desenvolvimento, quanto por aqueles que têm proposto uma reforma democrática e radical do Estado. O estudo propugna, com base nas análises dos capítulos 1 e 2, em particular as considerações a propósito das vinculações entre a dita reforma radical do Estado com os pressupostos que dão sustentação às formulações do social-liberalismo ou da

Terceira Via, concepção político-ideológica também designada por Governança Progressista ou Democrática é que, a despeito de distinções entre estas concepções (banco mundialistas e

da terceira via), subsiste um tema comum que as unifica: a preocupação com a

governabilidade.