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A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL NA ZONA COSTEIRA

4. USOS E PODER CONFORMANDO O TERRITÓRIO

4.1. A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL NA ZONA COSTEIRA

A ampla vantagem locacional na alocação de instalação de equipamentos, em comparação à hinterlândia, torna a zona costeira favorável à circulação, detendo a primazia na

alocação dos pontos de fluxos intercontinentais de mercadoria, ou seja, os portos. Nesse sentido, cabe ressaltar que esses fluxos dizem respeito também ao trânsito das produções oriundas do interior do continente (MORAES, 2007). E, com isso, uma extensa rede viária é construída para viabilização desse escoamento, como pode ser visto no estado do Paraná (ABRAHÃO, 2011; NASCIMENTO et al., 2017).

A zona costeira é território do capital ao ser utilizada por e para infraestrutura e equipamentos que visam à acumulação do capital, como é o caso dos complexos portuários e toda sorte de apoio à atividade, como os pátios e galpões de armazenamento, as redes ferroviárias e rodoviárias, a disponibilidade de sistemas de fornecimento de energia elétrica, de telecomunicação, entre diversos outros (CUNHA, 2005). As infraestruturas técnicas criadas para atendimento a essas zonas portuárias, como estradas, rede de energia elétrica e telecomunicação, também servem ao fluxo turístico. No entanto, diferente do turismo, os projetos desenvolvimentistas citados acima se utilizam do espaço da zona costeira, mas também têm suas ramificações na hinterlândia, contemplando uma rede de produção, escoamento e consumo. Um porto serve, em grande medida, ao que é produzido em outros lugares. Nesse sentido, o papel do Estado não pode ser minimizado. Moraes (2007, p. 27) aponta que, como produtor do espaço, o Estado é

[...] o maior agente impactante na zona costeira, com a capacidade de revertes tendências de ocupação e gerar novas perspectivas de uso, principalmente pela imobilização de áreas (através de seu tombamento) e pela instalação de grandes equipamentos ou dotação de infra-estruturas (como estradas, portos, ou complexos industriais) [...] Obviamente, ao ocupar todo este campo de determinação, a ação do Estado emerge como um dos elementos centrais de definição do valor de uma localidade.

Nakano (2006) explica que, nos grandes centros urbanos litorâneos, os locais próximos à orla são os mais disputados, especialmente por agentes do mercado imobiliário formal que atuam, inclusive, à margem da lei, bem como por grupos sociais de maior poder aquisitivo, com objetivo de explorar e de usufruir das paisagens singulares. Em que pesem as desigualdades desses espaços, a irregularidade do uso e a propriedade do solo não são exclusividade dos grupos de baixa renda.

O aumento crescente dos domicílios nas áreas litorâneas é resultado das atividades de lazer e turismo, mas também do capital imobiliário. Por vezes, esses fatores estão inter-relacionados, ou seja, a lógica da segunda residência não está restrita ao domicílio para lazer e turismo, mas também representa um negócio com alta rentabilidade (SILVA, 2010).

Os domicílios de uso ocasional apresentam uma lacuna conceitual quanto à classificação pelo critério de finalidade, para descanso ou para outro fim. Segundo Tulik (2001), a segunda residência é definida como um alojamento turístico, particular, utilizado temporariamente nos momentos de lazer, por pessoas que tem domicílio permanente em outro lugar. Assim, a interpretação é a de que, nesse caso, tem-se uma residência turística. Não obstante, Pereira (2010) destaca que é importante diferenciar a vilegiatura marítima e o turismo, ou seja, veraneio não é turismo, mas os destinos de veraneio podem também assumir a função de destinos turísticos, e vice-versa.

Abrahão e Tomazzoni (2017) ressaltam que as segundas residências são entendidas como aquelas em que o proprietário não permanece por período superior a um ano contínuo, e isso inclui imóveis de uso compartilhado, residencial e locacional, condomínios com estruturas de resort e as formas tradicionais de residência secundária, baseadas em unidades unifamiliares. Estas últimas configuram as segundas residências de Pontal do Paraná.

Pereira (2010) aponta que o veraneio é um fenômeno que apresenta três caraterísticas que o distinguem de outras formas de uso de segunda residência, quais sejam: corresponde a heranças culturais, status, diferenciação social e espacial; se materializa em uma casa de praia tradicional; envolve um veranista, que possui o imóvel ou o aluga por um período superior a 6 meses. Assim, em Pontal do Paraná corresponderia a esse perfil de urbanização e ocupação.

A organização espacial das segundas residências explicita uma divisão do trabalho entre os lugares, que são separados entre os que se destinam a trabalho e os que se destinam ao lazer. Evidenciava-se, na década de 1970, uma tendência à concentração dessas residências próximas a grandes cidades (ABRAHÃO; TOMAZZONI, 2018), indo ao encontro das denominadas ‘periferias do prazer’ .

A produção do espaço urbano em áreas litorâneas é diretamente influenciada pelo imaginário social ligado ao ócio. O elemento fundador da ocupação dos espaços de praia para lazer e turismo que é o “lugar paradisíaco” – criação de “periferias do prazer” (TURNER; ASH, 1991; BIANCHI, 2018) – fica renegado às pressões dos agentes produtores do espaço urbano. Destarte, relacionado ao lazer, ao turismo e ao capital imobiliário, a especulação imobiliária é um caminho para preservação do capital acumulado. Os investidores do setor imobiliário lucram com os novos negócios nos espaços litorâneos de lazer ao criar produtos e absorver a demanda de frequentadores da praia ou de investidores (CORREA, 2016).

Entre os maiores problemas relacionado ao turismo de massa está o que Cañada (2016) denomina ‘indústria turístico-residencial’, fazendo alusão não apenas aos serviços turísticos em si, mas também à especulação imobiliária. Borelli (2007, p. 23) ressalta a expressividade da especulação imobiliária na influência dos movimentos migratórios.

Nesse sentido, destaca-se o papel das residências de veraneio, as chamadas “segundas residências”, em relação ao processo de urbanização litorânea, cujo impacto ambiental depende da regulamentação do uso do solo vigente. Destaca-se, ainda, a desorganização social instaurada pela sua expansão, dada a valorização dos preços fundiários, que mobiliza proprietários e indústria da construção civil, intermediados pelos mecanismos de incorporação e corretagem, dinamizando o fluxo ocupacional das localidades litorâneas.

Com isso, ocorre a turistificação do espaço, ou territorialização turística, que, amparada pelo Estado, possibilita a vinda de novos usuários para o território (“os de fora”) ou a emergência de ações dos atores já presentes no território, mantendo relações de poder, modificando territorialidades e se sobrepondo a outros territórios, como o território tradicional (dos povos), o território industrial-portuário, o território da conservação, entre outros (CANDIOTTO; SANTOS, 2009).

Assim como se sobrepõe aos outros territórios, o turismo se apropria de elementos desses territórios para seu desenvolvimento, sejam elementos naturais, sejam culturais. O litoral se particulariza por uma apropriação cultural que o identifica como espaço de lazer, uma atividade moderna e recente na zona costeira, representando outra grande favorabilidade locacional (MORAES, 2007).

Tal atividade manifesta-se associada a vários processos: ora estrutura-se enquanto um setor dentro da estruturação urbana de uma cidade litorânea; ora articulada a espaços de segundas residências, geralmente de alto padrão; ora através de investimentos massivos criando a função e revivendo “cidades mortas”; ora ainda como indutora da ocupação de novas áreas (MORAES, 2007, p. 42).

Essa dinâmica é posta em movimento, sobretudo, para viabilização do turismo de massa, aliado, neste caso, ao turismo de sol e praia (RUSCHMANN, 1997; CUNHA, 2005; SAMPAIO, 2005; 2007; CANDIOTTO; SANTOS, 2009). Sampaio (2005; 2007) e Cunha (2005) ressaltam que a valorização do turismo brasileiro associado às zonas costeiras ocorreu de forma desordenada e aprisionado à ótica economicista, gerando impactos ecológicos consideráveis, além das alterações socioculturais nas comunidades. “Promoveu-se a abertura

dos espaços litorâneos ao veranismo, apoiado basicamente na venda da segunda residência, uma atividade com forte componente especulativo em relação aos valores dos terrenos, necessitando para tanto desalojar os moradores tradicionais” (CUNHA, 2005, p. 6). Deu-se, assim, a gentrificação do espaço costeiro, em ambientes tanto rurais quanto urbanos.

Outra característica do turismo de sol e praia é a sazonalidade da atividade. Esse segmento de turismo se desenvolve principalmente nos meses de verão, caracterizando o turismo

[...] como uma atividade empresarial predominante sazonal, restringindo-se aos meses de verão, sujeitando as comunidades a conviver nas demais estações do ano com o subtrabalho ou com o não-trabalho ou, ainda, com a descaracterização da atividade principal – a pesca (SAMPAIO, 2007, p. 150-151).

Outra faceta do turismo merece ser destacada. Como expõe Cunha (2005), o turismo é, por vezes, incentivado como a forma de economia mais sustentável. Em que pesem as contradições desse ideal – inserido no paradigma do desenvolvimento sustentável –, a atividade é vislumbrada como uma alternativa a outros setores que degradam o meio ambiente ou até mesmo como possibilidade de suprir a falta ou a carência de meios de subsistência e geração de renda local.

[...] o turismo aparece como um ramo com grande afinidade em relação à meta de atribuir valor econômico a bens naturais e culturais preservados. Registram-se experiências de ecoturismo, que se multiplicam pela zona costeira, muitas vezes promovidas por grupos não governamentais em parceria com governos locais (CUNHA, 2005, p. 9-10).

Outro setor econômico presente no litoral do Paraná é o portuário, inter-relacionado ao industrial. Esse setor vem sendo apresentado como a “alternativa” ao turismo da forma como vem sendo desenvolvido. Ou seja, as condições de ineficiência econômica do modelo de turismo que se desenvolveu ao longo das décadas seriam superadas com a viabilização e o fortalecimento dos empreendimentos industriais-portuários, enquanto alternativas dentro do próprio turismo, ou até mesmo outras alternatividades, são desconsideradas por certos atores sociais. No entanto, o que vem se desenhando no litoral do Paraná é um modelo de desenvolvimento que privilegia agentes privados, deixando o ônus da degradação ambiental para a população local, que sofre, concomitantemente, degradação social.

4.2. A ZONA COSTEIRA COMO TERRITÓRIO USADO, DE RECLUSÃO E