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PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA: A

4. USOS E PODER CONFORMANDO O TERRITÓRIO

4.3. PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA: A

Como caracteriza Andriguetto Filho (2004), a zona costeira é uma porção de terra afetada por sua proximidade com o mar, e vice-versa, assim como pelo encontro da água doce e da água salgada. Esse autor aponta que, em termos ambientais, é uma área onde os processos dependentes da interação entre a geosfera, a hidrosfera e a atmosfera são mais intensos do que nas áreas interioranas. Agregadas a isso, tem-se as dinâmicas naturais, caracterizadas pela dinamicidade e instabilidade das formas físicas, como as ondas, as marés, os ventos, as erosões, entre diversas outras.

Assim, a zona costeira configura-se como um espaço prioritário de interesses tanto econômicos como sociais, mas é, também, espaço dotado de bens e serviços ecossistêmicos quase exclusivos. E esse fato gera conflitos de uso.

No Brasil, essa região se caracteriza pela presença de grande variedade de ecossistemas, contemplados pela riqueza de recursos naturais renováveis e de relevância ecológica que geram meios de sobrevivência para as populações humanas (BORELLI, 2007). Elas representam atualmente espaços de alta importância ecológica (e econômica), devido aos ecossistemas que a compõem, como os estuários, os recifes, as áreas alagadas (ANDRIGUETTO FILHO, 2004; BORELLI, 2007). Os diferentes ecossistemas costeiros têm papéis diferenciados em termos de biodiversidade, alguns de grande importância ecológica, como os manguezais, os estuários e as lagoas costeiras, assim como a própria zona marinha

(CUNHA, 2005). Inclusive, o reconhecimento do papel básico desses e outros ecossistemas costeiros para a renovação dos recursos faz com que a política ambiental dedique especial atenção ao tratamento dado a esses espaços (CUNHA, 2006).

Outra característica marcante do litoral é seu atributo de maior reserva de recursos do planeta, que é cada vez mais regulado por normas internacionais. Os litorais abrigam um contingente relativamente raro de recursos naturais (MORAES, 2007). O bioma da mata atlântica, que cobre a maior porção terrestre da zona costeira, é considerada um hotspot de biodiversidade no mundo, com alta diversidade biológica, por conta de seus ecossistemas, além de contar com um número expressivo de espécies vegetais e animais ameaçados de extinção (CUNICO, 2016). Ela desempenha um importante papel na reprodução e no desenvolvimento de uma ampla variedade de espécies e nas trocas genéticas que ocorrem entre os ecossistemas terrestres e costeiros (MMA, 2010).

A área marinha próxima à costa dá suporte a uma variedade de ecossistemas, como dunas, banhados, estuários, restingas, costões rochosos, manguezais, entre outros (MMA, 2010; CONAMA, 2002). O bioma marinho costeiro é, em boa parte de sua extensão, classificado como tendo extrema ou muito alta importância biológica. Destaca-se, ainda, que a zona costeira é responsável por funções ecológicas de grande importância, como a prevenção de inundação e erosão costeira, a proteção contra tempestades, a reciclagem de nutrientes e de substâncias poluidoras (MMA, 2010).

Por sua importância e vulnerabilidade, o litoral paranaense é caracterizado como uma das áreas prioritárias para conservação da biodiversidade da zona costeira e marinha (MMA, 2010). Segundo dados do ZEE do litoral do Paraná, as altas taxas de remanescentes florestais da zona costeira no Paraná são resultantes de vários fatores referentes às condições naturais do terreno e o histórico de engajamento dos ambientalistas em proteger esses ambientes (CUNICO, 2016). Tal proteção se dá, principalmente, por meio das UCs, além do apoio do Código Florestal, que declara como APP manguezais, marismas, apicuns, restingas, entre outros (BRASIL, 1965; 2012). Também cabe mencionar o Decreto Federal nº 6.660/2008, que regulamentou parcialmente a denominada Lei da Mata Atlântica (BRASIL, 2008).

Esses ecossistemas há séculos têm sido ameaçados pelo desenvolvimento descontrolado. A importância ecológica tem sido ignorada no decorrer das últimas décadas pelo processo que Cunha (2005) chama de “reocupação da costa”, que obedece à visão econômica. O crescente impacto das mudanças climáticas, da urbanização, da instalação de

grandes infraestruturas, da industrialização, da atividade agrícola, do turismo de massa, da especulação imobiliária, da pesca industrial, da carcinicultura, entre outros usos, arriscam a integridade dos ecossistemas costeiros e marítimos. São ameaçados não somente os ecossistemas, mas também a subsistência de povos que se utilizam de recursos naturais, como os estoques pesqueiros, a caça e a coleta de recursos não madeiráveis. Por isso os impactos são também sociais, e não apenas ecológicos.

Por um lado, é justamente a existência de áreas de preservação e da existência de políticas públicas para conservação dos ecossistemas que permite certo controle sobre atividades econômicas potencialmente degradadoras, incluindo o turismo, contribuindo para a manutenção da integridade dos ecossistemas e seus mais variados serviços ecológicos prestados; por outro, não raro, essas áreas se tornam locus de exclusão territorial (HAESBAERT, 2004a) parcial ou integral, gerada pelo discurso de ‘natureza sem sociedade’.

Essa exclusão territorial não surtiu o efeito desejado em inúmeras regiões do Brasil. No litoral do Paraná, por exemplo, uma parcela da população local é contrária a medidas de conservação e à regulação ambiental pública. Estudos apontam que “tanto a conservação ambiental como a função portuária não têm resultado em benefícios significativos para a maioria da população litorânea” (PARANÁ et al., 2019, p. 21). Isso se agrava em um contexto socioeconômico como o paranaense, cuja região litorânea apresenta alta concentração de pobreza e desigualdade social (PIERRI, 2003).

O desafio da relação entre homem e natureza surge de forma expressiva na zona costeira, em ambientes que contemplam ecossistemas frágeis ou de grande valor ecológico, como a Mata Atlântica. Destarte, estratégias vêm sendo tecidas por entidades ambientalistas, governamentais ou não governamentais, para reverter o quadro de pressão antrópica e dos impactos oriundos do modelo de desenvolvimento hegemônico, além de possibilitar o usufruto por parte da população que depende dos recursos de uso comum. Emergem desse dilema políticas públicas, planos e projetos, como a política de gerenciamento costeiro, que culminou na criação do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) (BRASIL, 2004a), visando a um planejamento de gestão integrada, descentralizada e com base na participação social, apenas para citar um exemplo.

A atuação de organizações não governamentais (ONG) ambientais também merece destaque. No litoral do Paraná, desde a década de 1980, as ONG têm papel ativo e de destaque na cena da conservação da natureza. Com bases no mito da natureza intocável

(DIEGUES, 2001), essas organizações constataram a necessidade de inserir o social no ambiental, promovendo a ‘naturalização do social’. Isso se deu devido a exigências de financiadores e parceiros internacionais, que solicitavam a inclusão dos aspectos socioeconômicos e culturais da população local (TEIXEIRA, 2004).

Agregados a isso estão os mecanismos de monetarização da natureza, alguns dos quais contemplam a população local, como é o caso do desenvolvimento do turismo. Pérez (2019), na obra intitulada “Produção de natureza: parques, rewilding e desenvolvimento local”,

publicada no Brasil pela Sociedade Preservação da Vida Silvestre (SPVS)18, menciona o

potencial do litoral paranaense para ‘produção de natureza’ e a situação da região frente à conservação ambiental.

[...] tanto os parques como os ecossistemas naturais eram vistos, no melhor dos casos, como meros cenários vazios de conteúdo ou, no pior deles, como obstáculos para o desenvolvimento da região, começamos a entender o sentimento de uma organização que vinha há três décadas conseguindo resultados notáveis em conservação, mas que sentia que estava perdendo a guerra. Até então, nossos amigos brasileiros não tinham visto a necessidade de conectar explicitamente os parques e reservas da região com a necessidade de desenvolvimento das comunidades locais e do Estado do Paraná. A lógica usada até aquele momento era de que essas reservas deviam ser conservadas em prol da biodiversidade e do cumprimento das leis ambientais. Mas essa estratégia não respondia aos principais valores e preocupações da sociedade nos âmbitos local, estadual e nacional. As pessoas não pareciam ver a vantagem de investir recursos e, ao mesmo tempo, limitar usos (com o conflito que isto sempre implica) em parques e reservas (PÉREZ, 2019, p. 103).

Assim, tem-se buscado incorporar a essas áreas o conceito de ‘produção de natureza’, segundo o qual a exclusão territorial seria amenizada com a inserção do componente econômico. Tal conceito está diretamente relacionado à economia verde, visualizando ativos ambientais como incremento econômico.

18 Fundada em 1984, a SPVS tem como missão atuar na conservação da natureza, por meio da proteção de áreas nativas, de ações de educação ambiental e do desenvolvimento de modelos para o uso racional dos bens naturais. Desde a década de 1990, concentra seus trabalhos no município de Guaraqueçaba, sendo proprietária de algumas áreas de proteção no litoral norte do Paraná: RPPN Federal Salto Morato (Guaraqueçaba), RPPN Estadual da Guaricica (Antonina), RPPN Estadual Morro da Mina (Morretes e Antonina), RPPN Estadual Águas Belas e Rio Cachoeira (Antonina), RPPN Estaduais Serra do Itaqui e Serra do Itaqui I (Guaraqueçaba) (SPVS, 2012a; 2012b).

5. OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: INTERESSES E PERSPECTIVAS