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A territorialização educativa e a administração local da educação

CAPÍTULO III – Poder Local, Desenvolvimento Local e Políticas Locais de

1.3 A territorialização educativa e a administração local da educação

Ao adoptar-se a concepção de Cidade Educadora, abre-se uma nova dimensão à administração local, que Caballo-Villar designou como “Administração Relacional” (2001), por lhe ser acometida a organização e criação de condições para estabelecer as relações entre os diferentes agentes, a certificação do compromisso por todos os intervenientes e a organização das estruturas de funcionamento e de implementação do projecto educativo da cidade. A autora conclui ainda que “A Administração Relacional deixa de ser um mero programador para se converter em promotor de dinâmicas sociais” (ibid: 32). A sua operacionalização requer uma reformulação dos papéis dos diversos interlocutores e alterações no modelo organizativo adoptado e assenta na descentralização de competências, na revalorização dos poderes locais, na promoção da participação, na criação de redes de intervenção situando o espaço local no “centro nevrálgico” do desenvolvimento territorial e das políticas de bem-estar (ibid: 46). Assim,

uma Administração Local que assuma como princípio de funcionamento um foco amplo e relacional como o subjacente à Cidade Educadora precisa de adoptar um modelo organizativo que permita a coordenação entre os distintos grupos e entidades, assim como um máximo aproveitamento dos recursos existentes. Da mesma forma, a Cidade Educadora incorpora perspectivas interessantes no interesse de analisar os modelos organizativos da Administração Local, porque não só define a própria organização como permite clarificar o papel dos agentes e instituições, dos recursos e equipamentos que confluem na experiência e convivência social”. (ibid: 15-16).

Se, por um lado, se constata que uma política de territorialização educativa apresenta, como condição sine qua none, a descentralização e a autonomia, por outro lado, essa territorialização exige que os parceiros educativos não sejam apenas participantes, mas que se constituam como promotores e elementos integrantes do processo educativo. Para tal é indispensável a constituição de fóruns locais que assegurem a coordenação e articulação de recursos, a partilha e interacção de perspectivas, a reflexão sobre as necessidades e objectivos educativos locais e ainda a rentabilização de potencialidades educativas endógenas, viabilizando, desse modo, a implementação de um nível local de administração educativa, no sentido já referido de administração relacional, ou seja, enquanto “promotora de dinâmicas sociais”, cuja

intencionalidade visa a melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos, e portanto, o desenvolvimento local.

Em Portugal foi dado um passo decisivo neste sentido em 1988, pela Comissão da Reforma do Sistema Educativo, ao propor, pela primeira vez, a criação dos Conselhos Locais de Educação, como “a forma onde se exprimem e se conciliam os interesses dos diversos implicados na acção educativa a nível de um concelho e onde se concebem projectos de envolvimento colectivo.” (ibid: 550). Os autores desta proposta enfatizam, por um lado, o papel das autarquias locais neste processo, dada a dialéctica existente nesta matéria entre o poder central e o poder local e, por outro, o carácter imprescindível deste órgão se enquadrar numa efectiva política de descentralização da administração educativa, uma vez que “Não estamos num modelo descentralizado territorial municipal da educação, nem numa administração autónoma do Estado” (Formosinho, 1989: 79), mas sim num modelo centralizado, no seio do qual a proposta de criação do Conselho Local de Educação se esvazia de sentido e de congruência. Esta observação adquire maior pertinência no quadro legislativo subsequente, que se afastou bastante das propostas apresentadas neste documento e inverteu o processo, “recentralizando por controlo remoto” e reduzindo a autonomia a mera “delegação política” (Lima, 1995). O município era reconhecido como financiador em domínios educativos, mas a administração central não lhe atribuía capacidades de decisão e intervenção educativas. Não obstante a inexistência de consagração legislativa, foram sendo constituídos vários Conselhos Locais de Educação, normalmente por iniciativa de municípios que, desse modo, vão dando forma a experiências de coordenação e cooperação entre entidades educativas locais. Uma vez mais, as práticas anteciparam as normas e embora o Pacto Educativo para o Futuro incluísse no seu quarto compromisso a “dinamização da constituição de Conselhos Locais de Educação” (1996: 15), o reconhecimento legal do órgão surge, pela primeira vez, no Decreto-lei nº115- -A/98 (Artº 2º), mas a sua regulamentação só em 2003 é decretada.

Da análise comparativa entre o projecto de diploma apresentado na Proposta Global de Reforma (CRSE, 1988a: 622-628) e o Decreto-Lei nº 7/2003 de 15 de Janeiro, realçamos as seguintes diferenças:

- na proposta inicial, a criação do órgão poderia ser promovida pelas escolas, pelos centros de educação pré-escolar, pela autarquia ou pela Direcção Regional de Educação e o respectivo Presidente era eleito de entre os seus membros, enquanto actualmente tais iniciativas são um exclusivo municipal, facto que, por si só, é relevante e justifica a redenominação de Conselho Local de Educação para Conselho Municipal de Educação. Assim, compete ao município a promoção e criação do CME (e adopção das respectivas diligências), o apoio logístico e administrativo ao seu funcionamento, bem como a presidência do órgão (Presidente da Câmara) e, à Assembleia Municipal, a nomeação do CME, após proposta da Câmara Municipal;

- inicialmente a proposta incluía a possibilidade deste órgão poder ter um âmbito interconcelhio, o que no enquadramento actual é impossibilitado;

- ao nível da composição a proposta de 1988 era mais ampla (integrava um maior número de representantes dos estabelecimentos de ensino básico e secundário e dos representantes das associações de pais; contemplava a representação das estruturas de educação de adultos, ensino especial, serviços de orientação escolar e vocacional, associações culturais, científicas, sindicais, económicas e sociais, recreativas e desportivas) e permitia ajustamentos a entidades ou serviços educativos locais. O modelo vigente restringe, ou não inclui, as representações anteriormente mencionadas mas, por outro lado, integra os representantes das instituições de ensino superior público e privado, dos serviços de segurança social e um das forças de segurança; especifica a representação do ensino básico e secundário privado, das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), das Juntas de Freguesia e do Presidente da Assembleia Municipal;

- ao nível das atribuições e competências deste órgão a actual legislação apresenta um leque mais vasto do que o anteriormente proposto, mas também mais ambíguo. A título de exemplo citamos “Apreciação dos projectos educativos a desenvolver no município” (alínea d) ponto 1 Artº 4º), ou “(…) analisar o funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino, em particular no que respeita às características e adequação das instalações, do desempenho do pessoal docente e não docente

CME reveste-se de grande importância, pela intervenção municipal e comunitária em termos de planeamento e ordenamento prospectivo da rede educativa municipal, insere-se numa estratégia de desenvolvimento integrado, que deve potenciar a utilização e rentabilização dos recursos disponíveis para a acção educativa municipal. Viabiliza-se, assim, a possibilidade de proceder a um diagnóstico da situação educativa local, elaborado pelos actores que mais directamente interferem no processo educativo e, a partir dele, planear e conceber respostas adaptadas bem como definir prioridades educativas. As soluções delineadas, específicas para esse território mas decorrentes da política educativa nacional, devem ser formalizadas num projecto educativo local. Este, mais do que uma relação sectorial ou uma aplicação local das normas nacionais, deve conter programas integrados de intervenção articular os diversos agentes educativos - fruto de uma rede educativa local - que visam, em primeira instância, a construção de um “bem-comum” (Derouet, 1998), de uma educação integral (formal, não formal e informal) e permanente, e que consequentemente, se constituem como pilares e alavancas de desenvolvimento local. Na definição apresentada por Maria Beatriz Canário:

O Projecto educativo local pode ser definido como o instrumento de realização de uma política educativa local, que articula as ofertas educativas existentes, os serviços sociais com os serviços educativos, promove a gestão integrada dos recursos e insere a intervenção educativa numa perspectiva de desenvolvimento da comunidade.” (1998: 9)

Assim, a criação do CME, enquanto estrutura local de coordenação da administração educativa, mais do que consolidar a concepção de comunidade educativa, revela uma visão sistémica, dinâmica e integradora da gestão educativa a nível local, que assente nas parcerias locais, nas relações de horizontalidade e na criação de redes educativas, e que pode traduzir uma mudança de paradigma.

O facto de a expressão «escola em parceria», apoiando-se na elaboração conjunta de diferenças entre conceitos de equipa, de rede, de parceria, suceder a expressões como «abertura da escola» e «comunidade educativa», traduz talvez uma mudança de paradigma:

- passagem de um ponto de vista endógeno da escola para um ponto de vista exógeno: o movimento que o termo abertura traduzia não provém da escola, mas é imposto por

outros actores sociais que consideram que o fenómeno educativo é demasiado importante para ser objecto de monopólio;

- passagem de uma lógica burocrática, baseada na transmissão de normas aos executantes, para uma lógica de parceria, baseada na negociação entre actores sociais a quem é reconhecido o poder de estabelecer contratos, logo, um estatuto mais igualitário; (...)

- passagem de um paradigma linear e casual a um paradigma sistémico: o problema escola não pode ser tratado isoladamente dos outros, tanto interna como externamente ao sistema educativo” (Zay, 1996: 156)

Esta mudança de paradigma evidencia-se também no alargamento da intervenção municipal na educação, que além de participar nos órgãos de direcção e gestão dos estabelecimentos educativos, constitui e promove os CME, dinamizando um nível local da administração educativa. Ou seja, assistimos numa primeira fase à concepção de “escolas abertas à comunidade” (Sarmento e Ferreira, 1995a: 141), com a integração e participação institucionalizada dos actores educativos na direcção e gestão das escolas, constituindo parcerias ou redes interactivas da escola com outras instituições e que evoluiu para a constituição de “centros locais de educação”, onde a “participação comunitária não se centra já nos estabelecimentos de ensino, mas antes na comunidade local institucional, designadamente a autarquia, que constrói, dirige e gere a instituição educativa.” (ibid: 141). No seguimento desta, Trilla-Bernet (1993) considera mesmo, na sua abordagem das relações entre a cidade e a educação, que, mais do que transformar a escola em cidade, ou a cidade em escola, se deve reconhecer e valorizar as capacidades, os recursos e as potencialidades educativas locais, assumindo-se a cidade como um espaço e um agente educativo, isto é, que se deve rumar claramente no sentido de edificação de uma cidade-educadora.

É neste quadro conceptual que situamos a problemática deste estudo, pressupondo a necessidade de verificar empiricamente, no local e com os actores educativos, quais são as dinâmicas implementadas, as principais limitações com que se deparam, o papel da autarquia local nessa intervenção, bem como as suas percepções sobre o processo de construção e de coordenação da política local de educação.

SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO IV – O estudo do caso – fundamentação e