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CAPÍTULO III – Poder Local, Desenvolvimento Local e Políticas Locais de

1.2 Políticas educativas e Cidade Educadora

A noção de território educativo é, assim, ampla e integradora das várias potencialidades endógenas existentes nesse espaço físico (região), porque se alicerça num sistema permanente de trocas que se constitui numa rede de relações horizontais e se articula com recursos exógenos, que também rentabiliza. Deste modo, o território educativo não se limita às escolas de uma região, ou aos estabelecimentos de ensino e formação dessa região, mas sim a todas as entidades que, directa ou indirectamente, contribuem para os processos educativos. Do mesmo modo que a educação não se restringe às “paredes da sala de aula” ou aos “muros da escola”, o território educativo não corresponde unicamente aos estabelecimentos de ensino: se a educação integra os processos e momentos de educação formal, de educação não formal ou informal, também o território engloba outros locais e agentes educativos não tradicionais. Em suma, a hegemonia da noção “escolar” cede o seu lugar à noção

que radica a concepção actual da nossa sociedade, uma sociedade educativa, na qual todos os espaços, tempos e agentes educativos proporcionam, em permanência, aprendizagens que não se cingem a uma fase, antes se desenvolvem ao longo de toda a vida. Trata-se de conceber a sociedade como um meio, um recurso e simultaneamente como um agente educativo. Nesse sentido, é também uma sociedade do conhecimento. E esta, mais do que informação, pressupõe conhecimento. Por isso, a escola, a comunidade local, as organizações e as instituições não podem ser locais passivos de transmissão de informação, mas sim conceptualizadas como organizações “aprendentes” (Senge, 1990) e “pensantes” (Morgan, 1986), marcadas pela acção transformadora e inovadora dos seus actores, por forma a constituírem-se como motores de aprendizagem significativa e alavancas para o desenvolvimento local.

Desta forma, no binómio educação-desenvolvimento local emergem duas estruturas, que centralizam e potenciam o seu papel educador: a cidade e o município. Segundo Trilla-Bernet (1993), a cidade, pensada na sua relação com a educação, pode assumir três dimensões: a cidade constitui o contexto de educação (aprender na cidade); a cidade como meio ou agente da educação (aprender através da cidade) e a cidade como conteúdo da educação (aprender a cidade). Mediante o modo de organização da educação na cidade, mais centrado na escola ou na cidade, e o modelo de cidade a construir, faz corresponder a estas dimensões três metáforas, “que de certo modo podem ser consideradas utopias pedagógicas” (ibid: 177):

-Escola-Cidade – onde a escola pretende ser uma mini-cidade, uma comunidade educativa integral; copia, por isso, o modelo organizativo e funcional da cidade, simula a sua complexidade real e proporciona aos alunos a vivência de papéis sociais e uma educação múltipla e diversa;

-Cidade-Escola – a cidade organiza-se para gerar educação, formação e socialização, construindo um meio educativo total que, em termos utópicos, consiste em converter a cidade em escola; enquanto instituição educativa central, a escola é modelo para as outras instituições e mesmo para a cidade que, sendo um tecido urbano, é organizado à sua semelhança, isto é, para aprender e educar;

-Cidade-Educativa– a cidade reconhece-se e valoriza-se como meio educativo, no qual a escola é apenas um dos elementos de educação formal, juntamente com uma grande diversidade de instituições e processos de educação não formal e informal; afirma-se, assim, como um espaço e um agente educativo e tem como princípio configurador a educação permanente, onde o seu papel é potencializado por permitir o acesso a uma rede diversificada de recursos (ibid: 191-201).

Segundo vários autores (Ortega Esteban, 1990; Trilla-Bertnet,1993; Gómez- -Granell e Vila, 2001), o conceito de Cidade Educativa já se encontrava presente na antiga civilização grega, nomeadamente na interligação entre a paideia e a polis. Todavia, a difusão actual do conceito deve-se a Edgar Faure (1972), ao definir como um dos postulados do seu relatório a necessidade de criar uma Cidade Educativa, considerando que “esta é a verdadeira dimensão do desafio educativo do futuro.” (ibid: 34). Este autor afirma que a chave da democracia é a educação, repensada nos seus objectivos e nos seus processos, apresentando como objectivo primordial a educação integral e completa do homem (ibid: 10). Ao pretender preparar o Homem para os diversos papéis sociais (indivíduo, membro duma família ou colectividade, cidadão e produtor), segundo um processo global e permanente, o autor, valoriza, para além da educação formal, os processos e agentes de educação não formal ou informal e a autodidaxia, que assentam num sistema completo, coerente e integrado, pelo que dedica a terceira parte do relatório a traçar etapas e procedimentos prospectivos para uma Cidade Educativa. Não obstante estes importantes contributos, Trilla-Bernet (1990 e 1993) adverte para o facto do conceito estar a ser utilizado de forma metafórica, uma vez que não faz referência à especificidade da “cidade”, entendendo-a como sinónimo de “sociedade”, teorização semelhante à do conceito de sociedade educativa apresentado por Torsten Husén em 1978.

E é no seguimento destas concepções que Trilla-Bernet (1990 e 1993) apresenta a noção de “Cidade-Educadora” que, em sua opinião, mais do que uma categoria científica é uma ideia genérica, prospectiva e heurística, que serve de lema, ou

uma expressão aberta e polissémica que apresenta uma pluralidade de sentidos e usos, dos quais o autor salienta:

1.como contexto, meio ou agente e conteúdo da educação;

2.como conotação da complexidade e diversidade do fenómeno educativo (agentes, fontes e experiências e relações educativas diversas e renovadas); 3.como produtor de relações e de efeitos educativos não predefinidos;

4.como rede de entidades e processos educativos formais, não formais e informais, que incorpora e inter-relaciona;

5.como afirmação da natureza sistémica e sinérgica (conjunto de elementos inter- -actuantes, cuja acção é combinada e integrada);

6.como sistema aberto, dinâmico e evolutivo (a cidade e a educação, em separado ou relacionadas, inter-relacionam-se com outros sistemas, renovam o seu funcionamento e estrutura);

7.como englobante de todas as dimensões da educação integral; 8.como princípio configurador do conceito de educação permanente;

9.como dimensão descritiva e desiderativa (comporta uma componente real e também utópica);

10.como advertência para a promoção da igualdade de oportunidades e para o direito à diferença (ao gerar efeitos diferenciados, amplifica as desigualdades existentes que devem ser compensadas) (ibid: 16-19).

Apesar desta pluralidade de sentidos, ressalta o facto da Cidade não ser apenas encarada como um recurso educativo, antes como um agente educativo, ou seja, ultrapassa a concepção baseada na “pedagogia da Cidade”, para se alicerçar na “Cidade como pedagogia”, onde cada agente assume as suas responsabilidades educativas de acordo com um projecto conjunto (Gómez-Granell e Vila, 2001: 28); decorre, também, o facto dos municípios desempenharem um papel fundamental enquanto coordenadores locais desse projecto educativo, isto é, na optimização dos recursos existentes e na articulação da acção social, cultural e educativa que se desenvolve na cidade.

É nesta perspectiva que se insere o movimento das Cidades Educadoras, ao qual aderiram mais de duas centenas de cidades/municípios mundiais - embora com predominância para os municípios europeus e latino-americanos e onde também se incluem vários portugueses. Por iniciativa do município de Barcelona, realizou-se nessa cidade o seu primeiro Congresso em 1990, no qual teve origem a Associação Internacional de Cidades Educadoras e foi aprovada a Carta das Cidades Educadoras (Declaração de Barcelona), documento que reconhece as inúmeras possibilidades educadoras, para uma formação integral, de que dispõe uma cidade, considerando-a como um sistema complexo e objecto de atenção educativa. A Cidade Educadora é, assim, uma cidade com personalidade própria, em interdependência e inter- -relacionamento com o seu território local, regional e nacional e que dá prioridade ao investimento cultural e à formação permanente da sua população, ou seja,

A cidade será educadora quando reconheça, exerça e desenvolva, para além das suas funções tradicionais (económica, social, política e de prestação de serviços), uma função educadora, isto é, quando assuma uma intencionalidade e responsabilidade, cujo objectivo seja a formação, promoção e desenvolvimento de todos os seus habitantes. Com uma natural atenção para as crianças e jovens, tanto em tempo escolar como fora dele, mas com uma vontade expressa de incorporação crescente de cidadãos e cidadãs de todas as idades e formações, em sentido amplo, ao longo da vida.” (Carta das Cidades Educadoras, [1990], revisão de 2004: Introdução)

Este documento assenta em vinte princípios que servem de ponto de partida para desenvolver as potencialidades educadoras da cidade, subdivididos em três dimensões: o direito à Cidade Educadora (Princípios de 1 a 6); o compromisso da Cidade (Princípios de 7 a 12) e ainda o facto de estar ao serviço integral dos cidadãos e cidadãs (Princípios de 13 a 20).

A Cidade Educadora perfila-se, então “como um quadro teórico de referência para a génese das acções orientadas a entender o território como espaço educativo” (Caballo- Villar, 2001: 14). Este movimento perspectiva o concelho como território educativo e o município como seu agente e coordenador, conferindo-lhe unidade e expressão através do projecto educativo da cidade. Neste ponto é ainda pertinente realçar a afirmação de Sousa Fernandes, ao salientar ser sintomático terem sido os municípios

a constatar e a promover as potencialidades educadoras da cidade e não as escolas ou outras instituições locais (2004: 42). Também para Caballo-Villar os municípios

constituem-se no principal agente transmissor da essência da Cidade Educadora, actuando como catalisadores de pessoas e recursos, propiciando acordos que dão lugar à participação e co-responsabilidade nas transformações das comunidades locais, definindo-se como uma Administração Relacional que deve estar em condições de liderar projectos consensualizados de desenvolvimento territorial ” (ibid: 15)

Assim, a Carta das Cidades Educadoras e diversos autores associados a este movimento atribuem ao município o papel de liderança no processo e o de coordenação do projecto educativo que optimize as potencialidades da cidade. Perante o carácter global e transversal do projecto educativo, que requer uma participação e envolvimento alargado aos vários agentes, o município assume-se como a entidade que possui uma perspectiva global da cidade e cuja representatividade é legitimada pela eleição democrática dos cidadãos; que detém o conhecimento sobre as necessidades existentes, a sensibilidade para reconhecer e impulsionar outros agentes educativos locais e que possui, também, os recursos técnicos a afectar. (Bosch et al, 1998: 38-39). Nesta medida, mais do que abrir a escola à comunidade, ou da comunidade se abrir à escola, o fundamental é a que se organize um “sistema educativo integrado”, no qual a escola se inclui em função de um projecto educativo “integral e integrador” (Pinto, 2001: 10). Decorre desta concepção, o facto do projecto educativo da cidade ser um projecto transversal e que não está centrado numa só área ou sector municipal, antes constitui um plano estratégico da cidade, um plano flexível e contextualizado no seu território. O município torna-se uma “administração relacional” (Caballo-Villar, 2001) e assume um papel central ao promover os mecanismos de participação e co-responsabilização comunitária. Desta forma, o projecto educativo da cidade atribui uma nova dimensão à administração local, especialmente no que respeita ao desenvolvimento territorial e social do seu município. (Bosch et al, 1998).