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De 1974 a 1986 – contribuinte público das despesas educativas

CAPÍTULO II – O Poder Local e a intervenção na educação

2.1 De 1974 a 1986 – contribuinte público das despesas educativas

Como referimos, após o 25 de Abril de 1974 viveram-se tempos de intensas manifestações populares, que tinham como objectivo a democratização da sociedade portuguesa. Essas reivindicações populares só a partir de Abril de 1976 teriam consagração constitucional e legislativa. Ao nível do poder local, este período caracterizou-se pelo saneamento dos órgãos autárquicos afectos ao regime anterior e pela criação das comissões administrativas municipais.

Ao nível do sistema de ensino, nomeadamente nas escolas de ensino secundário, é despoletado um processo semelhante: os directores e os reitores nomeados pelo governo são afastados e em sua substituição, formam-se comissões de gestão, que iniciam o processo de gestão democrática das escolas. Este processo, controverso e de grande turbulência, consistiu num movimento de participação da comunidade educativa e tinha em vista uma gestão democrática e participativa, bem como a progressiva conquista de autonomia da escola em relação ao poder central.

Estas práticas de autogestão, apesar de se terem confrontado com algumas dificuldades, acabaram por ser reconhecidas pela administração central através da aprovação do Decreto-Lei nº 221/74 de 27 de Maio que, ao regulamentar as Comissões de Gestão, aceitou a sua colegialidade e a escolha do presidente, que passou a representar e a garantir a execução das deliberações colectivas. Contudo, perante a agitação e consequente paralisação que caracterizaram a vida nas escolas, houve necessidade de criar normalização democrática, o que ocorreu através do Decreto-Lei nº 735-A/74 de 21 de Dezembro, que regulamentou os órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino preparatório e secundário - nomeadamente criando um Conselho Directivo, em substituição da Comissão de Gestão, constituído por representantes do pessoal docente, alunos (nas escolas secundárias), pessoal

administrativo e auxiliar – alterando também a natureza deliberativa das assembleias e plenários, nos órgãos consultivos. Embora não tenha havido qualquer referência a uma descentralização de poderes, estes foram “deslocados” e apropriados pelas escolas, pelo que este diploma legal constituiu, assim, a primeira tentativa de (re)centralização do Estado, isto é, uma forma de recuperar o seu poder.

Com a aprovação da Constituição da República Portuguesa e a eleição do I Governo Constitucional, em 1976, fica regulamentado o modelo político de democracia representativa e a normalização democrática da educação inseriu-se definitivamente numa lógica “de retorno da centralização concentrada e burocrática” (Formosinho e Machado, 2000:35), já presente no diploma anterior e que o Decreto- Lei nº 769-A/76 de 23 de Outubro reforçou. A legislação complementar subsequente visou regulamentar o funcionamento, constituição e competências dos diversos órgãos da organização escolar, constatando-se a tendência para a centralização, com o aumento do poder central e respectiva redução da participação dos professores e de decisão dos órgãos directivos, os quais se apresentam, cada vez mais, como uma representação da administração central na escola. Consequentemente, assistiu-se ao desinteresse e desmobilização dos intervenientes, à despolitização da vida das escolas e à desvalorização da participação e da autonomia. Poder-se-á assim concluir, como afirma João Barroso (1991: 72), “que o Decreto - Lei nº 769-A/76, não passou de “uma prótese democrática”, numa administração burocrática”, uma vez que, até à aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, não se verificaram iniciativas legais de reforço da autonomia das escolas e de descentralização administrativa do Ministério da Educação.

Relativamente ao 1º ciclo o Despacho nº 40/75 de 2 de Outubro, prevê e incentiva a possibilidade da autarquia, entre outros agentes, participarem na gestão democrática destas escolas.

Ao nível do poder local, é após a promulgação da Constituição da República, a 2 de Abril de 1976, que se segue um período de elaboração e aprovação da legislação que deu corpo e expressão legal à construção do poder local democrático. Logo após as primeiras eleições autárquicas, as atribuições e competências destes novos órgãos são, pela

primeira vez, regulamentados na Lei nº 79/77 de 25 de Outubro (Lei das Autarquias). Contudo,

“O carácter vago e a natureza ambígua de muitas das disposições da Lei nº 79/77, em parte devidas à pouca experiência acumulada de um poder local democrático com poucos meses de existência e a uma prática de caciquismo local dificilmente destrutível, vieram tornar indispensável um novo enquadramento jurídico global para as autarquias portuguesas.” (Oliveira, 1996: 364)

Este documento foi posteriormente revisto pelo Decreto-Lei nº 100/84 de 29 de Março, que revogou a maioria dos seus artigos, e por outras alterações subsequentes.

A Lei nº 1/79 de 6 de Janeiro confere às freguesias, municípios e regiões administrativas a posse de património e finanças próprias, permitindo-lhes elaborar, aprovar e alterar planos de actividades e orçamentos, bem como gerir receitas próprias, ou seja, consagra a autonomia financeira das autarquias. A grande inovação desta Lei foi a aprovação do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), ao transferir verbas do orçamento de Estado para os municípios e marcou uma nova fase de investimento autárquico em áreas mais abrangentes, nas quais se incluiu a educação, que assim poderiam dar realização prática às suas competências.

As atribuições educacionais dos municípios são reforçadas, quer no que concerne ao pré-escolar - Lei nº 5/77 de 1 de Fevereiro e Decreto-Lei nº 542/79 de 31 de Dezembro, que criam o sistema público de educação pré-escolar e o estatuto dos jardins de infância, respectivamente – quer no que respeita ao combate ao analfabetismo, pela Lei nº 3/79 de 10 de Janeiro.

A Lei das Autarquias e a Lei das Finanças Locais, ao atribuírem competências próprias e autonomia financeira ao município, consagram em definitivo o poder local democrático, cinco anos após a Revolução de Abril, concedendo-lhe capacidade gestionária. Não obstante constituírem um marco importante para a afirmação do poder local, rapidamente foram alvo de críticas e conflitos, por os níveis de financiamento se revelarem insuficientes e por necessitarem de prévias autorizações governamentais (Veneza, 1986 cit. por Oliveira, 1996: 365). Esta situação advém da inexistência de um poder local intermédio, as regiões, o que introduz dificuldades na definição de competências e atribuições entre o poder central e o poder local. Acresce, ainda, o atraso

de cinco anos na promulgação dos diplomas fundamentais para o poder local. As razões explicativas para tal facto encontram-se, por um lado, na forte tradição centralista que ainda persistia na prática política, nomeadamente no Ministério das Finanças, que continuou “a ser um elemento essencial da centralização governativa visto que não foram anulados os poderes que nele construiu o próprio Oliveira Salazar” (Oliveira,1996: 365) e por outro lado, porque após a inicial euforia popular seguiu-se um período de normalização política e económica, que vulgarmente se expressou em medidas centralistas. Esta tendência encontra-se patente quer na reduzida capacidade financeira dos municípios, quer na “normalização” da gestão democrática das escolas.

Devido à instabilidade política, decorreram mais cinco anos até serem aprovados os diplomas legais que revêem os decretos anteriores. Dando cumprimento ao artº 10º da Lei nº 1/79, é aprovado o Decreto-Lei nº 77/84 de 8 de Março, que estabelece o regime de delimitação e de coordenação das actuações entre a administração central e local em matéria de investimentos públicos. Esta legislação continua a remeter para os municípios a responsabilidade de investimentos em diversos domínios, entre os quais a educação, designadamente no que respeita a

1)Centros de educação pré-escolar; 2)Escolas dos níveis de ensino que constituem o ensino básico; 3)Residências e centros de alojamentos para estudantes (...); 4)Transportes escolares; 5)Outras actividades complementares da acção educativa na educação pré-escolar e no ensino básico, designadamente nos domínios da acção social escolar e da ocupação dos tempos livres; 6)Equipamento para educação de base de adultos” (alínea e) do artº 8º).

Por forma a fazer face aos investimentos necessários ao exercício das novas competências municipais, o diploma previa, através do Orçamento de Estado e de forma progressiva, a delimitação das competências e dos recursos financeiros a transferir, estabelecia um período transitório de aplicação e ainda, apoio técnico governamental. Nesta data, o ensino básico tinha a duração de seis anos contudo, e

Não obstante esta nova determinação, os municípios continuariam a apenas assumir responsabilidades na construção e equipamento de escolas de 1º ciclo do ensino básico, atribuição que já detinham do antecedente. (...) o Estado nunca procedera às transferências financeiras necessárias para que os municípios tivessem podido alargar a sua intervenção nesta área. Depois de 1986, com o ensino básico a ser estendido para 9 anos, a situação não se alterou” (Pinhal, 1997: 183)

Apesar dos pressupostos enunciados não se terem concretizado, este diploma implicou consideráveis despesas municipais em matérias educativas e resultou na criação ou ampliação dos serviços municipais de educação.

Com o Decreto-Lei nº 100/84 de 29 de Março, esta situação é agravada, ao fixar as atribuições e competências às autarquias locais e respectivos órgãos, atribuindo aos municípios responsabilidades em relação “aos interesses próprios, comuns e

específicos das populações locais” que, deste modo, ficam acometidas de

responsabilidades nos mais variados domínios, entre os quais se destacam a educação e o ensino. Este normativo, que reviu a Lei nº 79/77, também se pauta pela indefinição e amplitude das atribuições, originando uma disparidade nos domínios das intervenções municipais (ibid: 184). É, por isso, alterado pela Lei nº 25/85 de 12 de

Agosto, Lei nº 18/91 de 12 de Junho, Lei nº 35/91 de 27 Junho e ainda pelas Leis nºs 159 e 169/99, de 14 e 18 de Setembro, respectivamente.

Com estes diplomas legais, “ficam estabelecidos os actuais contornos legais da intervenção municipal em matéria educativa, com parte do que ficou conhecido como o «pacote autárquico»” (ibid: 183). Os diplomas seguintes regulamentam aspectos já previstos, como o Decreto-Lei nº 299/84 de 5 de Setembro, que “regula a transferência para os municípios das competências de organização, financiamento e controle de funcionamento dos transportes escolares”, a partir do ano lectivo de 1984-85 e cria e define, também, o Conselho Consultivo dos Transportes Escolares, composto pelo Presidente da Câmara Municipal, por representantes das escolas “pós-primárias”, pelo Coordenador da Tele-escola, pelo Delegado Escolar, pelo Coordenador regional da Acção Social Escolar e por representantes das empresas concessionárias de transportes. Neste aspecto, também as autarquias que tinham de servir populações de áreas mais isoladas, necessitaram de recorrer a soluções diversas, suportando integralmente o acréscimo de encargos, mesmo em situações de qualidade de serviço pouco satisfatória.

O Decreto-Lei nº 399-A/84 de 28 de Setembro regulamenta as competências municipais no âmbito da Acção Social Escolar, nomeadamente as relativas aos refeitórios, aos alojamentos em agregados familiares e à atribuição de auxílios económicos. Também é criado o Conselho Consultivo de Acção Social Escolar.

Neste domínio foram, desde logo, frequentes os conflitos entre a administração central e os municípios, que alegam não ter recebido quaisquer transferência financeiras para intervirem nas escolas onde não existem refeitórios. Considerando, por isso, ser esta uma nova competência, pronta e não adequadamente transferida para as autarquias. Esta é, aliás, a tónica dominante neste período:

a natureza das atribuições realmente entregues ao poder local pelo DL nº 77/84 mostra que o Estado não pretendeu reforçar o poder de decisão dos municípios, procurando antes libertar-se de tarefas logísticas e operacionais geradoras, sobretudo, de encargos. Há mesmo quem, por isso, se recuse a considerar que esta

legislação de 1984 tenha correspondido a um movimento realmente

descentralizador.” (Pinhal, 1997: 184)

Apesar dos investimentos estatais serem reduzidos e muito abaixo da média europeia(16), a prática municipal de intervenção na educação já estava instituída, antes da aprovação da legislação. Os normativos apenas formalizaram o que já vinha sendo assumido pelas autarquias, com excepção do que respeita aos transportes escolares e à construção de escolas de 2º ciclo (Fernandes, 1995, 1996, 2000b, 2005b; Pinhal, 1997). Em comparação com tempos anteriores, constata-se que, se por um lado se alterou profundamente a forma como a educação escolar e não escolar foi encarada pelo poder local - ao passar de uma obrigação periférica aos interesses municipais, imposta pelo governo, para integrar as intervenções e preocupações habituais e normais de âmbito municipal - por outro lado, a legislação teve um carácter redutor e limitativo, continuando o município “a ser considerado um mero comparticipante dos custos da educação, sem qualquer direito, mesmo que limitado, de interferir na sua administração. Direi mesmo que há, pelo menos objectivamente, uma utilização perversa do sistema democrático” (Fernandes, 1995: 55) ao aproveitar a proximidade com a população para exercer pressão, num contexto de desequilíbrio de poderes e de recursos entre as duas partes.

É neste quadro, e de acordo com o previsto constitucionalmente, que em Março de 1984 é criada a Associação Nacional de Municípios Portugueses, (ANMP)

(16)

Segundo Carlos Nunes Silva (1996: 451) em Portugal no ano de 1992, as receitas das autarquias locais em percentagem do PIB, eram cerca de 5%, com excepção da Grécia era o valor mais baixo dos doze países

assumindo-se como um grupo de pressão, de defesa e porta-voz dos interesses comuns. As geminações entre municípios, nacionais ou internacionais, são também fórmulas cada vez mais utilizadas.

Em termos internacionais, é de assinalar a adesão de Portugal à Comunidade Europeia em 1 de Janeiro de 1986, a aprovação da Carta Europeia de Autonomia Local em Outubro de 1985, (já anteriormente referidas - nota 12) e a representação no Comité Europeu das Regiões. Uma das consequências destes factores estruturais foi o alargamento ao exterior da acção municipal, através da participação em projectos supramunicipais.