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CAPÍTULO II – O Poder Local e a intervenção na educação

2.3 Após 1996 agente educativo

Inicia-se uma nova fase de intervenção municipal na educação e de reconhecimento do seu papel público pelo Estado, em resultado das orientações políticas e normativas que agora são assumidas. No seguimento do programa de Governo, o Ministro da Educação elabora o “Pacto Educativo para o Futuro”, no qual apresenta nove objectivos estratégicos e dez compromissos de acção, dos quais salientamos o segundo objectivo estratégico “Modernizar, regionalizar e descentralizar a administração do sistema educativo“ (Grilo, 1996: 11) e o primeiro compromisso de acção “Descentralizar as políticas educativas e transferir competências para os órgãos de Poder Local” (ibid: 15), que tem, como acções prioritárias, o “reordenamento territorial dos níveis de intervenção pública na gestão da rede escolar”; a “transferência de poderes e de competências para os órgãos de poder local no domínio das infra-estruturas, da acção social, da coordenação intersectorial de níveis e modalidades de formação, de animação socioeducativa e de complemento curricular, no âmbito da educação pré-escolar e do ensino básico”; e ainda a “dinamização da constituição dos Conselhos Locais de Educação” (ibid: 15). O reconhecimento e a valorização do papel das autarquias como parceiro educativo local é dominante neste documento, expressando-se no envolvimento dos municípios em sete dos compromissos de acção que apresenta.

Estas orientações vão tendo tradução normativa, das quais salientamos:

- o Despacho nº 147-B/ME/96 (2ª Série) de 1 de Agosto, complementado pelo Despacho Conjunto nº 73/SEAE/SEEI/96 de 3 de Setembro, estabelecem a possibilidade de constituição de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) a partir do ano lectivo 1996/97, que, sendo mais uma das medidas de territorialização das políticas educativas, valoriza o “local”, as suas dinâmicas e a gestão integrada dos recursos. Esta experiência, que também incluía as autarquias,

constituiu assim mais uma medida de associação de escolas com outras entidades e foi um “embrião” do que viriam a ser os agrupamentos;

- a Lei Quadro da Educação Pré-Escolar, Lei nº 5/97 de 10 de Fevereiro, constitui um primeiro passo desse reconhecimento municipal, consolidado pelo Decreto-Lei nº 147/97 de 11 de Junho, que estabelece o regime jurídico do desenvolvimento e expansão da educação pré-escolar, mantendo a responsabilidade municipal ao nível da construção, remodelação e equipamento, mas agora com a integração dos jardins de infância municipais na rede pública nacional (artº 3º);

- a Lei nº 23/97 de 2 de Julho, que reforça as atribuições e competências das freguesias. São competências próprias das freguesias, no âmbito educativo, o “material de limpeza e de expediente das escolas primárias e pré-primárias” (alínea e) do artº 4º), podendo também exercer outras competências delegadas pelos municípios, nomeadamente ao nível da gestão, conservação e reparação dos estabelecimentos de ensino destes níveis de escolaridade. Estabelece ainda a possibilidade de associação e cooperação entre freguesias, na prossecução dos seus interesses comuns (artº 12º);

- o Decreto–Lei nº 27/97 de 2 de Junho, “equacionando novas dinâmicas de associação ou agrupamento de escolas e clarificando as respectivas áreas de influência” (Preâmbulo), visa a criação de agrupamentos de escolas, horizontais ou verticais, como forma de exercício da sua autonomia e onde a escola passa a ser o centro privilegiado das políticas educativas, embora mantenha a participação autárquica nos conselhos consultivos dos conselhos pedagógicos. Pretende-se, desta forma, desenvolver as dinâmicas locais integradoras dos recursos e a articulação pedagógica entre os diferentes níveis de ensino, respeitando a especificidade de cada escola e o reordenamento da rede escolar;

- o Decreto-Lei nº 115-A/98 de 4 de Maio, Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, alterado posteriormente pela Lei nº 24/99 de 22 de Abril, preconiza a descentralização e o reforço da autonomia das escolas, com vista à democratização, à igualdade de oportunidades e à qualidade do serviço público de educação. “Numa concepção de organização centrada na escola e nos respectivos territórios educativos,

favorece a dimensão local das políticas educativas” (Preâmbulo), valoriza a participação dos diversos actores educativos na direcção e gestão das escolas, (à semelhança dos diplomas anteriores, inclui a participação de entidades sociais e culturais, locais e da autarquia local, na Assembleia de Escola), possibilitando as parcerias socio- educativas e introduzindo os contratos de autonomia entre as escolas, a administração central e as autarquias, numa lógica gradualista de construção e concretização da sua autonomia (Capítulo VII). Consagra, pela primeira vez, a existência dos Conselhos Locais de Educação (artº 2º) e prevê a possibilidade das escolas se poderem constituir em agrupamento vertical ou horizontal (artº 5º), em resultado das suas dinâmicas locais e da elaboração das cartas escolares concelhias;

- ao nível municipal, a Lei nº 42/98 de 6 de Agosto, a nova Lei das Finanças Locais, define como fontes de financiamento municipal a atribuição de impostos do Estado (30,5% do IRS, IRC e IVA para os municípios e 2,5% dos mesmos para as freguesias, artº 10º), bem como dos impostos locais, derramas e taxas (as receitas próprias, artº 16º). Como financiamento extraordinário, podem ainda celebrar contratos-programa ou parcerias com outras entidades, beneficiar de fundos comunitários ou de situações de cooperação técnica e financeira do Estado (artº 7º);

- a Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, consolida o quadro de transferências de atribuições e competências para o poder local previsto no Decreto-Lei nº 77/84, bem como a delimitação da intervenção da administração central e local, concretizando os princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local (artº 1º), já consagrados na 4ª revisão Constitucional (1997). Esta lei tem por base o princípio da subsidiariedade, devendo a administração central e local coordenar e articular as suas intervenções, de modo a evitar sobreposições (pontos 2 e 3 do artº 2º) e prevê a transferência dos meios (humanos, financeiros e patrimoniais) adequados ao desempenho da função transferida, não podendo, assim, a transferência de competências corresponder a um aumento da despesa pública global (ponto 2 e 3 do artº 3º). O mesmo diploma define o processo gradual de transferência destas competências e atribuições (artº 4º), cuja natureza é tendencialmente universal, mas podem também ser de natureza não universal (ponto 1 do artº 6º). Neste caso, a

transferência de competências efectua-se mediante contratualização entre a administração central e os municípios (ponto 3 do artº 6º)(18). Como as atribuições e competências atribuídas às autarquias são diversas, apenas analisaremos mais detalhadamente as relativas à educação(Cap. V).

- a Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, estabelece o novo quadro de competências e o regime jurídico de funcionamento dos órgãos municipais e das freguesias, revoga o DL nº 100/84 e foi posteriormente alterada pela Lei nº 5-A/2002 de 11 de Janeiro. Este diploma reforça as competências próprias atribuídas à Junta de Freguesia pela Lei nº 23/97, entre outros aspectos(19), ao acrescentar o apoio, ou comparticipação, a actividades de interesse da freguesia que sejam de natureza educativa (alínea l), ponto 6 do artº 34º), bem como ao possibilitar a sua colaboração com outras entidades públicas, designadamente em matéria de desenvolvimento e educação (alínea n) do mesmo ponto). Ao nível municipal, é atribuído ao órgão deliberativo, a Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, a deliberação sobre a criação do Conselho Local de Educação (alínea c) do ponto 4 do artº 53º). As competências municipais, em matéria de educação, dizem respeito ao apoio ou comparticipação à acção social escolar e às actividades complementares no âmbito de projectos educativos; à organização e gestão dos transportes escolares (alíneas l) e m), ponto 1 do artº 64º); designação dos representantes do município nos Conselhos Locais (alínea i) do ponto 2) e deliberação sobre a acção social escolar, designadamente no que respeita à alimentação, alojamento e atribuição de auxílios económicos (alínea d) do ponto 4). O artº 66º prevê ainda a delegação de competências para as juntas de freguesia, embora no âmbito da educação mantenha o quadro anterior. Em nenhum destes aspectos a Lei nº 5-A/2002 introduziu alterações; - o Decreto-Lei nº 12/2000, de 29 de Agosto, fixa os requisitos necessários para a constituição de agrupamentos de escolas, sendo o primeiro num total de quatro, o

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Esta Lei incorpora diversas sugestões apresentadas, negociadas e reivindicadas pela ANMP, nomeadamente nos princípios aprovados no 3º Encontro Nacional de autarquias, realizado em Lisboa no mês de Abril de 1999, que constam da publicação “Rumo ao Novo Milénio: Mais local, Melhor Local: Competências das autarquias” e analisados por António Sousa Fernandes (2000c: 4-6).

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Sobre este assunto ver, entre outros, Júlio Saraiva Sarmento (1999). Este autor avalia estes dois normativos como “globalmente positivos”, mas considera-os ainda soluções incipientes, “avulsas, saídas a granel, e

parecer favorável do município (alínea a) do artº 4º). Afirma que a iniciativa cabe à comunidade educativa através dos seus órgãos de administração e gestão e de acordo com projectos educativos comuns, ou, em segundo lugar, à autarquia, uma vez que tem competências ao nível municipal e de freguesia (pontos 2 e 3 do artº 14º);

- o Decreto-Lei nº 7/2003, de 15 de Janeiro, com alteração na Lei nº 41/2003, de 22 de Agosto, cria os Conselhos Municipais de Educação, regulamenta as suas competências, composição e funcionamento e ainda prevê o processo de elaboração e aprovação da Carta Educativa (em substituição da Carta Escolar). Define o Conselho Municipal de Educação (CME) como um órgão de coordenação e consulta, que visa promover a nível municipal a coordenação da política educativa, articulando a intervenção dos agentes educativos e dos parceiros sociais, analisando e acompanhando o funcionamento do sistema e propondo acções de promoção da eficiência e eficácia do mesmo (artº 3º), enquanto a Carta Educativa constitui um instrumento fundamental de planeamento e ordenamento prospectivo dos equipamentos, dos estabelecimentos e da rede de ofertas de educação e formação, no quadro do desenvolvimento demográfico e sócio-económico desse território. (artº 10º). Contempla ainda os investimentos municipais na construção, manutenção e apetrechamento dos estabelecimentos de educação, bem como a gestão do pessoal não docente;

- o Despacho Nº 13 313/2003 (2ª Série), de 8 de Julho, considera que o ordenamento da rede educativa desempenha um papel determinante “numa perspectiva de criação de condições de gestão das escolas, de racionalização dos meios e de aumento da qualidade das aprendizagens”, pelo que é “essencial” a concretização dos processos de constituição de agrupamentos, ou seja, introduz-lhe um carácter de obrigatoriedade, que relaciona com a extinção das delegações escolares;

- o Despacho nº 14 753/2005 (2ª série), de 5 de Julho, cria o Programa de Generalização do Ensino de Inglês, nos 3º e 4º anos do primeiro ciclo do ensino básico público, como oferta educativa extra-curricular gratuita. Este programa pretende uma generalização progressiva, descentralizada, flexível e consistente do ensino precoce da língua estrangeira, “atribuindo-se especial importância ao envolvimento das escolas, dos agrupamentos, das autarquias, das associações de pais, entre outros, na construção de

respostas diversificadas, em função das realidades locais”. Nesse sentido, a primeira das entidades mencionadas, que pode reunir condições de acesso ao financiamento e celebrar o contrato-programa com o ME é a autarquia (anexo, artº 3º), embora tenha de estabelecer parcerias obrigatórias com o(s) agrupamento(s) de escolas.

No momento actual, perspectivam-se algumas evoluções no domínio da descentralização e reorganização da administração educativa. O programa para a Educação, do XVII Governo Constitucional, salienta “o papel determinante” das autarquias, “exercendo novas competências, designadamente no que respeita ao planeamento educativo e à gestão dos recursos físicos e humanos não docentes”, a par do reforço das competências e da autonomia das escolas. Prevê a introdução de medidas de descentralização gradual para os agrupamentos de escolas, ou municípios, no que respeita ao sistema de recrutamento e colocação de docentes. Engloba a colaboração com as autarquias na racionalização das redes de ensino pré-escolar (cujo objectivo é alcançar 100% da taxa de cobertura para as crianças com 5 anos) e das escolas do ensino básico, nomeadamente, promovendo o alargamento do seu funcionamento e a diversificação das actividades de complemento educativo, a celebração de contratos- -programa com escolas, autarquias, associações de pais e outras, por forma a estabelecer dinâmicas promotoras da melhoria da qualidade educativa e a atenuar as assimetrias regionais.

Ao nível das Finanças Locais, é de salientar ainda o facto de, recentemente, se ter constituído uma comissão com o objectivo de elaborar uma proposta de revisão da actual Lei das Finanças Locais.

Finalmente, é neste período que se começa a reconhecer o estatuto público do poder local na educação. Os normativos evidenciam alterações, embora ainda tímidas, no papel do Estado, pois diminuem a sua intervenção directa e assumem um carácter mais regulador, o que permitiu ao poder local a consolidação do seu papel enquanto agente educativo e com competências próprias, podendo “conduzir a uma territorialização da política educativa e à construção de um projecto educativo local”

Após procedermos à revisão do quadro normativo que enforma o actual poder local no domínio da educação, é notória a diversidade de obstáculos e resistências à descentralização educativa. Apesar do princípio da descentralização administrativa se encontrar inscrito na Constituição da República e na Lei de Bases, a regulamentação das competências e atribuições educativas ao poder local só muito tardia e lentamente foi sendo aprovada, demonstrando um desfasamento entre os princípios renovadores citados nos discursos políticos e a sua correspondência jurídica na regulamentação de normas subsequentes. Este facto denota o confronto entre perspectivas políticas e administrativas diferentes, bem como a influência de factores externos, que “têm conduzido a descentralizações guiadasmais por compromissos e lógicas conjunturais do que por um projecto político coerente e concertado” (Fernandes,1997: 190). A título de exemplificação desta afirmação, salientamos o carácter selectivo da descentralização educativa, que incide predominantemente na construção, manutenção e equipamento dos edifícios escolares do pré-escolar e do 1º ciclo, sendo alargada aos conteúdos e recursos humanos, nos casos da educação e formação profissional e da formação contínua. Nestas duas modalidades, as condições conjunturais externas, ao nível da disponibilização dos fundos comunitários e da valorização social e profissional da formação contínua e profissional, terão sido as alavancas para a criação das escolas profissionais e para o desenvolvimento da formação contínua. Se cruzarmos esta linha de análise com o facto das normas surgirem como reacção às práticas, emerge um quadro centralizador, embora dissimulado, que não transfere a

priori competências, apenas vai procedendo a ajustamentos a posteriori.

Em comparação com o caso francês, a selectividade das descentralizações educativas é comum aos dois países, assente predominantemente nas competências ao nível dos recursos físicos, do apoio socio-educativo e das actividades extra-curriculares, todavia com domínios distintos:

“[em França] descentralizaram-se competências mas concentrou-se no governo a principal responsabilidade pelo financiamento da educação. Em Portugal fez-se até agora o inverso: tem-se procurado descentralizar os encargos financeiros, sem alteração das fontes de financiamento e mantendo-se concentradas as competências.” (Fernandes, 1995: 59)

CAPÍTULO III – Poder Local, Desenvolvimento Local e Políticas