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CAPÍTULO IV – O estudo do caso – fundamentação e procedimentos

5 O contexto do estudo de caso – caracterização

1.1.2 Objectivos, abrangência e interacções

Decorrente da conceptualização anteriormente exposta, os objectivos da Política Local de Educação, apontados pelos entrevistados, estão intimamente ligados às vantagens que o local apresenta e, portanto, aos argumentos a favor da descentralização das políticas educativas. A este respeito, Formosinho (2005: 16-21) e Fernandes (2005a: 72-75), apesar dos amplos sentidos que os objectivos da descentralização podem assumir, classificam-nos em razões de natureza administrativa e económica (técnica), de índole política e de ordem educativa. Aludindo a estas categorias, os entrevistados apontaram os seguintes objectivos:

- uma melhor adaptação às especificidades locais:

“Nós temos as empresas de química. Há uma série delas aqui nas redondezas, há uma empresa de metalomecânica, então, vamos tentar criar cursos profissionais para quem estiver interessado”ES.17

- um maior conhecimento, acompanhamento e proximidade da realidade local:

“a descentralização é fundamental porque as autarquias estão junto das populações, sabem as suas necessidades melhor que quaisquer outros”ES.1

“Por outro lado, permitiria um maior acompanhamento desses projectos, porque uma política descentralizada permite sempre esse maior acompanhamento”EB.2

- uma maior capacidade de resposta e colmatar as falhas existentes:

“mais rapidamente consegue colmatar e responder aos anseios das escolas e das populações em função das escolas, em termos educativos”AP.3

há um conjunto de lacunas que existem, que exige que o poder local tenha um conjunto

de responsabilidades que não estejam delegadas, mas que já o fazem há muito” VE.11

- uma maior interacção com o meio:

“As empresas eram fundamentais, lá está até para incentivar esses alunos, esses alunos a entrar em contacto com a própria realidade”ES.31

- a preservação da identidade e cultura locais:

“Porque é uma forma de... das tradições se manterem, das pessoas ganharem gosto por aquilo que localmente têm, talvez até terem mais cuidado com as suas coisas”EP.6 “há quem nasça, viva e morra num sítio sem saber o nome da rua, (…) porque é que aquela rua tem aquele nome. E portanto, o enraizamento e objectivamente a autarquia tem uma resposta muito forte nisso… acho que sim”EP.8

- uma melhoria da qualidade de vida:

“um outro é também dar uma melhor qualidade de vida”EP.15

- a rentabilização de recursos:

“a tendência que temos todos é: cada instituição quer resolver os seus problemas e então resolve (...) isto é um desperdiçar de recursos. Porque cada escola, com uma cantina a funcionar (…) a escola servia aquela comunidade que lhe diz respeito”EB.46 “O polidesportivo aproximou (…) é um bem que a gente olha para ele e diz “isso é só para a escola” Afinal não é! Está toda a população envolvida nisto, através daquele meio” JF.49

É claramente perceptível que os conselheiros detêm uma visão sistémica da Política Local de Educação, ao encararem holísticamente as acções e interacções educativas (ao nível das finalidades, contextos, modalidades e intervenientes na educação). Afirmam que, “Talvez a política local de educação seja muito abrangente”CS.1, dado que visa “criar cidadãos inteiros”EB.44, pelo que “estamos numa altura em que a tentativa de inferir o papel educativo, com os agentes educativos, acaba por ser muito grande”CS.3. Há o reconhecimento de que a PLE não se restringe à educação formal, nem à acção educativa desenvolvida pelas escolas, antes diz respeito a diversos contextos e dimensões educativas (Canário, R. 1998; Delors, 1996; Faure, 1972; Formosinho, 1989; Trilla-Bernet, 1993) que, na perspectiva dos sujeitos, englobam a cultura, o desporto, a educação ambiental, a educação para a cidadania e, ainda, a componente profissional, esta com uma maior ligação às empresas, em temáticas como a segurança, a tolerância, a multiculturalidade e a prevenção de situações de marginalidade. Aproxima-se, deste modo, da concepção da Cidade Educadora.

A acção educativa (local), entendida na sua globalidade, não se destina unicamente a uma fase da vida de um indivíduo. Ela implica a existência de ”outro tipo de escola e de educação permanente”EP.21, que se desenvolve “não só na escola, ser por aí fora, a educação dos idosos”EP.16 e inclui “a alfabetização, mesmo. Há muita gente que precisava … que ainda não sabe fazer o nome”EP.22 e “prende-se com vários sectores da vida: com a segurança, com a prevenção de situações de marginalidade e de criação de guettos, de marginalidade que os jovens têm e mostram cada vez mais”EB.7. Nesse sentido, os “concelhos poderiam desenvolver projectos educativos concretos e que permitiam o enriquecimento da educação”EB.16, salientando que não seria necessário, “que no mesmo concelho se vivesse só um projecto, ou uma temática”EB.26, mas deveriam permitir

“criar situações em que as escolas, a educação formal, não formal e informal, se pudéssemos juntar e desenvolver. No caso concreto, por exemplo das cidades educadoras, projectos em que a escola, em que o aprender a educação ao longo da vida fosse a base da vida de uma cidade era muito importante”EB.30

Por outro lado, contempla também “a reestruturação completa dos edifícios escolares que passaram a ter outra polivalência”AP.6 dado que“permitiram alargar… a função de escola, para (…) mais actividades, centros de tempos livres”AP.7.

No âmbito da PLE, enquanto linha orientadora e integradora da educação no local, realçaram também a articulação entre os vários níveis da educação formal, quer entre os da escolaridade básica, quer entre estes e os restantes.

“é necessário criar novos agrupamentos, criar novas dinâmicas de articulação entre os vários ciclos – que não existiam, sobretudo entre educação e ensino – criar (…) projectos educativos em que as crianças chegam aos três anos ao jardim e que os cumprem até ao nono ano. (…) a educação é uma linha contínua.(…) devemos criar linhas, projectos educativos que começassem e terminassem quando o aluno sai (…) Portanto, não podem ser ilhas isoladas em que a gente às vezes cria portos. Os portos não chegam, as coisas têm que ser uma península!”EB.172

“(definição) a nível local, mas para todos os níveis. Não deve ficar só pelo básico, como está agora. Porque a escola do básico tem uma determinada oferta, muitas vezes está fora da oferta do secundário, e depois o universitário está totalmente fora do secundário”ES.6

Por fim, surge-nos um outro nível de articulação entre os actores educativos. O envolvimento de outros agentes educativos não é esboçado enquanto intervenção pontual e restrita, mas enquanto componente de um conjunto que todos formam - a comunidade educativa (Formosinho, 1989). Os Conselheiros enfatizam, assim, a

reciprocidade entre a escola e a comunidade educativa que, em simbiose, “dão” e “recebem” de forma biunívoca e permanente.

“Portanto, eu penso que a escola tem que estar inserida nisto, e tudo o resto tem que estar inserido na escola”JF.50

“Funcionar nos dois sentidos: a escola tem que receber a influência da comunidade e a comunidade tem que receber a influência, a percepção das dificuldades e dos problemas da escola”CS.7

Neste contexto, mais do que abrir a escola à comunidade educativa, procura-se rentabilizar e articular os actores e recursos locais, tendo em vista os proveitos mútuos que daí advêm. Foram exemplificados, entre outros, os casos de articulação entre:

- escola e autarquia(s):

nenhuma escola pode funcionar bem neste país, neste Concelho em concreto, se não se relacionar com a autarquia”EB.57

- autarquia(s) e escolas:

“quantas vezes falo de cidadania, nas aulas, porque eles preferem que eu vá às aulas falar (JF vai à escola). (…) e eu vou, porque acho que é importante”JF.44

- escolas e empresas:

se forem ao encontro de uma empresa e começarem a ver como é que a empresa funciona, o que é realmente uma empresa química ou (outras)”ES.32

- empresas e escolas:

“era fundamental que as empresas também tivessem uma abertura muito grande, (…) porque iam também lucrar com isso. Iam lucrar porque começávamos a criar já as infraestruturas de base. Pôr os miúdos a funcionar na empresa, saber como é a empresa e a empresa só tinha a lucrar com isso, também”ES.33

Nesta perspectiva, a comunidade (educativa) é concebida como um meio, um recurso e, simultaneamente, como um agente educativo (Trilla-Bernet, 1993), em correlação com a descentração da “escola” enquanto palco exclusivo da acção educativa; com o envolvimento da restante comunidade e reciprocidade das suas intervenções; com a globalidade da acção educativa (educação formal, não formal e informal); com a educação e formação dos jovens, dos adultos e dos idosos e, ainda, com a educação enquanto processo permanente e ao longo da vida.

Aproxima-se, assim, da concepção de “Cidade-Educadora” (Trilla-Bernet, 1990 e 1993). Este conceito é, inclusivamente, referido pelo representante do Ensino Básico:

“Há experiências muito interessantes que são feitas a nível europeu, que se prendem com as cidades educadoras, e que têm princípios muito interessantes”EB.3 “qualquer concelho que conseguisse desenvolver aqueles princípios permitia que, de facto, a

sociedade se transformasse. Porque essas cidades educadoras prevêem a educação ao longo da vida, prevêem a interacção entre os vários grupos de uma cidade: entre os idosos, os jovens, as crianças, … entre os pólos tecnológicos e de formação”EB.4

No sentido de legitimar a existência da PLE, este Conselheiro salientou, como casos de referência a nível nacional, vários Projectos Educativos Municipais e experiências locais – iniciativas que foram objecto de estudo (Catarino et al, 1997) - resultantes de iniciativas e dinâmicas locais e que, na sua opinião, “permitiam e faziam com que as escolas tivessem outras dinâmicas, desenvolvessem uma cultura educativa local”EB.13

Por outro lado, os Conselheiros autarcas (VE e JF) e o representante das Associações de Pais, destacam as provas dadas pelo poder local. Na sua opinião, o desempenho autárquico em matéria de educação regista “um notório investimento em termos de rede escolar”AP.5, e “as câmaras, por necessidades, por lacunas que a lei tem, as câmaras foram avançando para um conjunto de outras áreas”VE.7 , por isso têm “vindo a assumir grandes responsabilidades”JF.8 a nível educativo e “garantem um conjunto de coisas que o poder central diz que não garante”VE.129, pois “quando se fala de educação (…) as câmaras não se podem limitar muitas vezes àquilo que a lei impõem”VE.5.

Estas afirmações do autarca são confirmadas pelas investigações realizadas, que identificam uma diversidade de intervenções e de projectos municipais que, não se inserindo no âmbito das competências legais, correspondem a competências morais (Prata, 2002), isto é, extravasam largamente o seu enquadramento legal (Guedes, 2002; Taipas, 2002), comprovando que é comum as práticas educativas municipais anteciparem as normas (Fernandes, 2000a).