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CAPÍTULO II – O Poder Local e a intervenção na educação

2.2 De 1986 a 1996 parceiro social

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei nº 46/86 de 14 de Outubro, resultou de um amplo debate com diversos parceiros e foi aprovada com grande consenso, embora só em 1986. Estabelecendo o quadro geral do sistema educativo, promoveu a democratização do ensino e garantiu o direito à educação e à cultura, bem como a igualdade de oportunidades. Definiu como princípios gerais da administração do sistema educativo:

- a democraticidade e a participação, com vista à consecução e prevalência de objectivos pedagógicos e educativos;

- a interligação com a comunidade em diferentes graus de participação (professores, alunos, famílias, autarquias, entidades económicas, sociais, culturais e científicas diversas);

- a descentralização e desconcentração das estruturas administrativas a nível nacional, regional autónomo, regional e local (Artº 43º).

Nesta perspectiva, valoriza-se o município no seio de uma administração descentralizada, conduzindo portanto à atribuição de competências próprias. Contudo, as competências próprias atribuídas às autarquias pelo pacote legislativo de 84 não passam de um “eufemismo”, uma vez que na prática são uma transferência

unilateral de encargos financeiros centrais para os municípios (Fernandes, 1996), situação que este diploma demonstra não pretender alterar, pois as referências inscritas na LBSE, no que respeita às autarquias locais, relegam-nas “para a dimensão de meros parceiros sociais ao lado de outros como associações de pais ou moradores, associações cívicas, confessionais, sindicais ou empresariais com idênticos poderes de intervenção na educação e ensino” (ibid:115). Reconhecem-lhes, no entanto, capacidade de iniciativa e intervenção, em paridade com outras entidades privadas, na prestação de serviços educativos, portanto, um estatuto privado e não público, designadamente ao nível do pré-escolar (ponto 5 do artº 5), da educação especial (ponto 6 do artº 18º), da formação profissional (ponto 6 do artº 19º) e da educação extra-curricular (ponto 5 do artº 23º). Também a omissão da intervenção autárquica ao nível dos ensinos básico e secundário, nos quais é incentivada a inserção do aluno na comunidade envolvente, através de actividades de complemento curricular, revela um conceito restritivo de território educativo subjacente a este importante documento legal, porque limitado aos estabelecimentos de ensino localizados nesse território (Fernandes, 1995). De mencionar ainda o facto de, nas suas disposições finais (ponto 2 do artº 63º), remeter para legislação posterior as “funções de administração e apoio educativo que cabem aos municípios”. Deste modo, concordamos com António Sousa Fernandes ao afirmar que esta visão restritiva do território educativo, onde os municípios emergem como recurso e não como parceiros, e ao lado de outras entidades, indicia que a LBSE “não abandonou o modelo centralizado e o paradigma do Estado-Educador que lhe está subjacente e tem uma séria reserva quanto às capacidades do poder autárquico na educação” (1995: 57).

Verificou-se ainda, durante este período, alguma ambiguidade na interpretação dos princípios da democraticidade, da participação, da autonomia e da descentralização, expressos na Lei de Bases. Esta situação conduziu a acções incoerentes, como a desconcentração dos serviços centrais através da criação das Direcções Regionais de Educação, (Decreto-Lei nº 3/87 de 3 de Janeiro e nº 361/89 de 18 de Outubro) e cuja descentralização ficou condicionada à regionalização do território português, o que não veio a acontecer; como a falta de objectividade na

participação dos pais e encarregados de educação nos órgãos de direcção das escolas; como o facto de não ter sido claramente consagrado o princípio da autonomia e ainda a descentralização a nível municipal, que na realidade não correspondeu a um movimento descentralizador. Deste modo, pode-se dizer que “nos anos 80, se esteve perante uma «retórica descentralizadora» com práticas de centralização desconcentrada” (Formosinho e Machado, 2000: 63).

A legislação que posteriormente foi elaborada não cumpriu a última norma da LBSE, não alterou significativamente o financiamento municipal e não modificou o papel de parceiro social atribuído ao município, designadamente:

- na revisão da Lei das Finanças Locais, a Lei nº 1/87 de 6 de Janeiro, apesar de introduzir a fórmula de cálculo do FEF em substituição do limite de 18% a transferir para as autarquias (e que não foi cumprido), traduziu-se numa redução real do FEF, fortemente contestada pela ANMP;

- ou ao prever a representação de dois elementos da ANMP no Conselho Nacional de Educação, enquanto parceiros sociais (Lei nº 31/87 de 9 de Julho, em alteração ao Decreto-Lei nº 125/82 de 22 de Abril);

- na criação das escolas profissionais (Decreto-Lei nº 26/89 de 21 de Janeiro) de educação tecnológica, profissional e artística, promovidas pelos municípios em articulação com outras entidades em regime de contrato de programa ou protocolo, constituindo uma resposta às necessidades locais de formação;

- nos Conselhos de Gestão dos fundos de manutenção e conservação das escolas (Decreto-Lei nº 357/88 de 13 de Outubro), onde as autarquias, as associações de pais, de estudantes e locais, têm assento e responsabilidades;

- na gestão dos estabelecimentos, definindo-a com estatuto semelhante aos outros representantes da comunidade local e não correspondendo a uma maior capacidade de intervenção autárquica (Decreto-Lei nº 43/89 de 3 de Fevereiro, que estabeleceu o regime jurídico da autonomia das escolas dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário e do qual decorre o Despacho 8/SERE/89 de 3 de Fevereiro, que prevê a inclusão das autarquias nos conselhos consultivos dos conselhos pedagógicos das escolas básicas de 2º e 3º ciclos e do ensino secundário, ao lado de outros

representantes de associações locais (ponto 52), bem como o Decreto-Lei nº 172/91, de 10 de Maio, relativamente à sua inclusão nos Conselhos de Escola, embora este diploma tenha tido sempre um carácter experimental, no âmbito do novo regime de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

Estes últimos normativos reforçam a autonomia da escola nos domínios cultural, pedagógico, administrativo e financeiro, entendendo-a como “a capacidade de elaboração e realização de um projecto educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo” (Artº 2º, DL nº 43/89). Este projecto educativo constituiu, assim, o instrumento fundamental para o exercício da autonomia da comunidade educativa e impulsionou as políticas de territorialização, que vão ser uma característica predominante na década de 90. No caso do Decreto- Lei nº 172/91, este foi inovador ao abranger as escolas do 1º ciclo, constituindo uma unidade orgânica, a “área escolar”. (Barroso; 1995: 8), que estabelece os mecanismos da tomada de decisão na escola e com a comunidade educativa, bem como o processo de construção dos seus instrumentos base: projecto educativo, regulamento interno, os planos plurianual e anual e o projecto de orçamento anual. A área escolar correspondia, assim, ao agrupamento de escolas de 1º ciclo e de educação pré-escolar do ensino público de um mesmo concelho, integradas numa mesma unidade de gestão e com órgãos de coordenação comuns. Neste período, surgem ainda as Escolas Básicas Integradas, apresentando-se como uma solução inovadora e com grandes potencialidades ao nível organizacional e pedagógico.

Ao nível supramunicipal, a Lei nº 44/91 de 2 de Agosto cria as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, com competências limitadas e compostas pela Assembleia Metropolitana, pela Junta Metropolitana e pelo Conselho Metropolitano. Nos termos da Lei Nº 10/2003 de 13 de Maio, a AML passa a denominar-se Grande Área Metropolitana de Lisboa “é uma pessoa colectiva pública de natureza associativa, de âmbito territorial e visa a prossecução de interesses comuns aos municípios que a integra” (www.aml.pt)(17).

Esta fase demonstra avanços em relação à anterior, contudo “mantém-se dentro de uma concepção restritiva e privatística das atribuições autárquicas comuns aos regimes políticos centralizados” (Fernandes, 2000a: 37).