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A tessitura das relações lógicas na causação

V ERBO P LENO V ERBO F UNCIONAL ( OU SUPORTE ) Licencia um SN/SAdj/SP, cada um

5.2.3 A tessitura das relações lógicas na causação

Visto que, pelos processos de nomeação, qualificação e ação, “seres, com suas qualidades, agem ou sofrem a ação em razão de certos motivos (humanos ou não humanos)”, são as formas de causação que “os inscrevem em uma cadeia de causalidade” (CHARAUDEAU, 2005b, p. 14), contemplando, além da sequenciação dos fatos ou das proposições apresentados, certos mecanismos de coesão textual.

Com o advento das pesquisas sobre cognição, os estudos textuais passaram a analisar não só processos de macroestruturação dos textos, mas também aspectos de ordem cognitiva. Nessa perspectiva, inserem-se Beaugrande e Dressler (1981), que buscaram representar os complexos processos de produção de sentido, apresentando, além da coesão e da coerência, outros princípios para que uma manifestação linguística tenha valor comunicativo. Definindo o texto como “uma ocorrência comunicativa que satisfaça sete condições de textualidade”30

(BEAUGRANDE; DRESSLER, 1981, p. 17), individualizam-se os fatores responsáveis pela textualidade: cinco relacionados às condições de produção e

centrados nos usuários da língua, a saber: a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade; e outros dois, centrados no texto: a coerência e a coesão.

Quanto à coesão, esta representa:

o modo como os componentes da superfície textual, ou seja, as palavras que efetivamente ouvimos ou vemos, são ligados entre si. Uma vez que os elementos cotextuais dependem um do outro segundo aspectos formais e convenções gramaticais, a coesão funda-se sob tal dependência

gramatical31. (BEAUGRANDE; DRESSLER, 1981 p. 17, grifo dos autores)

Nesses termos, poderíamos julgar que a conceituação acerca da coesão se limitaria ao entorno verbal (cotexto). Contudo, como salientam os autores (1981, p. 17), “o uso que fazemos desse termo é muito mais amplo, pois ele compreende todos os meios capazes de marcar as dependências/relações da superfície textual”32

. Assim, no capítulo que trata, especificamente, da coesão textual, observamos uma integração de fatores textuais e cognitivos.

Fazendo referência à estrutura da memória, explicita-se que, durante o processo de processamento do texto, insere-se, na memória de trabalho, um elemento textual que, a partir do uso de itens coesivos, poderá ser reempregado, modificado ou relacionado a outros. Assim, pontua-se que os mecanismos linguísticos de coesão contribuem para a unidade estrutural do texto e para a economia de formas, potencializando o processo de elaboração de sentido.

Dentre os mecanismos de coesão, destacam-se: i) a repetição, isto é, re- ocorrência de formas linguísticas, a fim de se ratificar um ponto de vista, demonstrar surpresa ou refuto por uma ideia ou fato, e, nos textos poéticos, construir certa iconicidade, uma relação plástica entre o conteúdo e a forma linguística que o veicula; ii) a repetição parcial, que se traduz pela retomada de um conceito já ativado por elementos da superfície textual, a partir do emprego do mesmo material linguístico, isto é, palavras – em especial, verbos e substantivos – que se estruturam sob o mesmo radical; iii) o paralelismo, a apresentação de novos elementos linguísticos, sob uma mesma estrutura; iv) a paráfrase, que consiste na repetição de

31 Livre tradução de: “il modo in cui le componenti del testo di superficie, ossia le parole che

effettivamente udiamo o vediamo, sono collegate fra di loro. E dal momento che le componenti di superficie vengono a dipendere l’una dall’altra in base a forme e convenzioni grammaticali, la coesione si fonda su dipendenze gramaticali”.

32 Livre tradução de: “L’uso che noi facciamo di questo termine è molto più ampio poiché esso

um conteúdo equivalente/próximo (não idêntico) com uma mudança na expressão; v) o uso de pro-formas, palavras econômicas, breves e destituídas de significado em si mesmas (como pronomes, advérbios, adjetivos e alguns verbos); vi) a elipse; vii) os tempos e aspectos verbais; viii) o uso de conectivos, expressões que relacionam ideias, conceitos e fatos apresentados no cotexto, subdividindo-se em conjunção, disjunção, contrajunção e subordinação; e, nos textos orais, ix) a entonação, a variação de contornos acústicos que fornecem informações quanto à intenção, à postura e à relação dos falantes.

No que concerne, especificamente, ao uso de conectivos, recuperamos este diagrama33:

Figura 114: Representação esquemática de relações lógicas.

Recuperando e aprofundando essas formas de coesão, Charaudeau (1992), ao tratar, em sua Gramática do sentido e da expressão, da argumentação e das relações lógicas, define-as como o estabelecimento de relação entre duas asserções sobre o mundo, de modo que a existência de uma dependa da existência da outra. Esclarece o autor que “essas duas asserções são unidas por um elo conceitual (e não formal). Resultantes de operações do pensamento, estabelecem relações de sentido entre os seres, as propriedades e as ações – e, por isso, essas relações são chamadas de ‘lógicas’”34

(CHARAUDEAU, 1992, p. 495).

33

Esta representação esquemática foi proposta pela profa. Dra. Rosane Monnerat, em suas aulas do curso de Mestrado e Doutorado A interface discurso e gramática: do processo de representação ao processo de expressão nos Modos de Organização do Discurso: aspectos morfossintáticos e semântico-discursivo-pragmáticos das categorias gramaticais, ministrado no Instituto de Letras da UFF, no 2º semestre de 2017.

34 Livre tradução de: “Ces deux assertions sont donc unies par un lien qui n’est pas formel, mais

conceptuel. Celui-ci résulte d’operations de pensée, qui construisent des rapports de sens entre les êtres, les propriétés et les actions, ce pourquoi ce lien est appelé ‘logique’”.

Se a linguagem é expressão de processos cognitivos e, ao mesmo tempo, matéria para discurso, os três níveis de construção das relações lógicas – o cognitivo, o linguístico e o discursivo – estão, obviamente, interligados. Na tradição gramatical, no entanto, a abordagem de tais relações limita-se, não raro, à apresentação de listas de conjunções e de conectivos, sugerindo, por exemplo, que a expressão “e” indicaria tão somente a adição de termos; e a expressão “mas”, oposição/contraste. Dessa maneira, Charaudeau (1992) explicita que, no nível linguístico, não há uma relação biunívoca entre as palavras gramaticais e as relações lógicas que explicitam. Assim como os conectivos não são formas monossêmicas, também uma mesma relação lógica pode ser expressa, linguisticamente, por diferentes marcas formais, como os morfemas gramaticais e lexicais, construções frasais e, até mesmo, a pontuação.

Nessa perspectiva, são propostas cinco categorias lógico-linguísticas: a conjunção, a disjunção, a restrição, a oposição e a causalidade – cujas caracterizações apresentamos na tabela-síntese abaixo: