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Formas e sentidos em imagens fotográficas

RANK TÍTULO UF MÉDIA DE CIRCULAÇÃO IMPRESSO

3. A IMAGEM, UM CAPÍTULO À PARTE NOS ESTUDOS DO DISCURSO

3.3 S IGNOS FOTOGRÁFICOS : ENTRE A REPRODUÇÃO E A PRODUÇÃO DA REALIDADE

3.3.2 Formas e sentidos em imagens fotográficas

Logo no Prólogo, Sousa (2002, grifo nosso) define o fotojornalismo como “uma atividade singular que usa a fotografia como um veículo de observação, de informação, de análise e de opinião sobre a vida humana e as consequências que ela traz ao Planeta. A fotografia jornalística mostra, revela, expõe, denuncia, opina.”. Nesses termos, explicita-se que, além de dar credibilidade ao conteúdo de uma manchete, por exemplo, servindo como prova (valor de verdade), a fotografia imprime à peça jornalística uma avaliação do fato noticiado. Dedicado aos estudantes de Comunicação, visando à explicitação da linguagem do fotojornalismo,

o livro preenche uma lacuna acerca do tema, que, segundo o autor, não recebe o adequado tratamento no meio acadêmico.

Inicialmente, explicita Sousa (2002) que o fotojornalismo se constrói na articulação entre as linguagens imagética e verbal. Isso porque, uma vez que “a fotografia é ontogenicamente incapaz de oferecer determinadas informações”, na mídia jornalística, tal como descreve Barthes (1990), a parcela verbal de um texto midiático funciona como uma forma de ancoragem, sobretudo na indicação de termos abstratos e/ou de temporalidade e de espacialidade específicas.

Se “não existe fotojornalismo sem texto” (SOUSA, 2002, p. 76), as expressões verbais relacionadas a uma fotografia têm, dentre outras, estas funções: i) chamar a atenção para a fotografia ou para um elemento específico nela representado, ii) complementar seu sentido, sobretudo na representação de conceitos abstratos, iii) denotar ou conotar a fotografia, orientando o leitor a respeito do sentido que a ela se deseja atribuir; e iv) analisar/interpretar a fotografia e/ou seu conteúdo. Observa-se, portanto, que tais funções não se excluem mutuamente; ao contrário, são complementares: como formas de regulação e de captação, atuam desde a focalização da imagem até sua significação de caráter indicial (pela redução de significados possíveis) ou até simbólico (pela insuflação de segundos significados).

Sob o arcabouço teórico da Semiótica greimasiana, Gomes (2008), focalizando o plano do conteúdo (as figuras, os temas e seus modos de combinação, as projeções enunciativas etc.), lista as seguintes relações lógicas entre as linguagens verbal e fotográfica:

i. redundância: o visual apenas replica exatamente (ou aproximadamente, como uma paráfrase) o que é expresso pela parcela verbal ou vice-versa. Como exemplo (aproximado), destacamos a capa seguinte, na qual as formas de agressão praticadas por um integrante do reality show BBB são mostradas pelas fotografias e (igualmente) expressas pelas legendas que acompanham cada uma destas. No entanto, esclarece a pesquisadora que, em sua análise, a redundância não foi encontrada, porque, embora todo texto se estruture por meio de reiterações, as características próprias de cada linguagem comunicam de formas diferentes e, portanto, sempre acrescentam algum tipo de informação: “É como se, de alguma forma, as

coerções impostas pelo plano da expressão de cada linguagem acabassem por impor um dizer a mais (ou diferente) à outra.” (GOMES, 2008, p. 73).

Figura 69: Capa do jornal Meia Hora de 11 de abril de 2017.

ii. oposição: a imagem fotográfica “desdiz” o enunciado linguístico ou vice- versa. A articulação do verbal e do visual produz enunciados antitéticos ou mesmo paradoxais, mantendo, contudo, a coerência textual. Explica-nos Gomes (2008, p. 76) que, na verdade, por meio da oposição, salientam- se, em um determinado texto, pontos de vista opostos. Consequentemente, a enunciação poderá negar uma dessas perspectivas, instaurando a ironia, ou seja, salientando que um dos enunciados deve ser lido como o contrário do que afirma. Caso não haja tal negação, gera-se uma ambiguidade acerca da interpretação dos enunciados antitéticos, produzindo um efeito de humor. Na capa a seguir, no plano imagético, sobressalta-se o boné utilizado por Tikão com os dizeres “JESUS É O DONO DO LUGAR”, sugerindo sua fidelidade aos preceitos cristãos, e, no plano linguístico, afirma-se ter o funkeiro ajudado na fuga de uma dos maiores traficantes do Rio de Janeiro. Como tal relação antitética não é negada pelo jornal, configura-se como uma forma sutil de humor e de ironia.

Figura 70: Capa do jornal Meia Hora de 21 de outubro de 2017.

iii. redimensionamento de conteúdos: uma linguagem não replica o conteúdo da outra, mas também não estabelece oposição, instaurando-se, como na primeira capa a seguir, por complementação (pelo acréscimo de sentidos que o título “PALHAÇADA”, de caráter axiológico, atribui à imagem) ou, como na segunda capa, por restrição (pela redução das possibilidades de interpretação da imagem, à qual somente se relaciona o título “Dono de pet shop é assassinado durante assalto em Bonsucesso”, que, não obstante a impossibilidade de um controle absoluto sobre a interpretação imagética, aponta uma forma específica de leitura).

Figura 71: Capa do jornal Meia Hora de 18 de fevereiro de 2019.

Figura 72: Capa do jornal Meia Hora de 18 de abril de 2017.

iv. ressignificação de conteúdos: um “dizer transformado” que estabelece relações metafóricas e metonímicas, transfigurando uma linguagem. Não se trata, pois, de uma mera adição de informação (como um redimensionamento). Na capa apresentada a seguir, a morte de Mr. Catra é noticiada metaforicamente a partir da relação entre expressões linguísticas, como “céu” e “anjinhos”, e a imagem central construída pelos processos de trucagem e de pose (a apresentação do funkeiro sorridente, vestido de branco, sobre um fundo azul com nuvens brancas, atrás de uma porta da mesma cor). Por meio dessa articulação atribui-se caráter metafórico à forma “chegou” (ou ao seu complemento circunstancial pressuposto), sugerindo, na lógica cristã, que Catra foi absolvido de seus pecados, seguindo ao Paraíso.

Figura 73: Capa do jornal Meia Hora de 10 de setembro de 2018.

Consoante com o princípio semiolinguístico e semiótico de que cada expressão linguística aponta uma significação, no quarto capítulo de sua obra, intitulado “Para gerar sentido: a linguagem fotojornalística”, Sousa (2002, p. 75-108) esclarece que, para além da relação junto a enunciados linguísticos e dos procedimentos de conotação descritos por Barthes (1990), o sentido de uma foto- informação é determinado, também, por seus elementos específicos, isto é, por seus aspectos estruturais. Dentre os traços constitutivos do signo fotográfico apresentados por Sousa (2002), destacamos os seguintes:

i. O enquadramento: os limites de área visível da fotografia, assim classificados:

Planos fotográficos Efeitos visados Plano geral

(aberto)

Situar o observador, mostrando uma localização concreta: o próprio cenário torna-se “personagem”. Plano de conjunto

(mais fechado)

Distinguir, claramente, os agentes da ação e a própria ação.

Plano médio Relacionar os objetos fotográficos, aproximando-se de uma visão “objetiva” da realidade.

Grande plano Enfatizar particularidades de objetos, gerando efeitos mais expressivos do que informativos. Tabela 06: Enquadramento: planos fotográficos e efeitos visados (SOUSA, 2002, p. 78 e 79) – do autor.

ii. Os planos: os ângulos que a máquina fotográfica forma com a superfície, a saber:

Ângulos de tomada da imagem Efeitos prováveis Plano normal (paralelo à superfície) Visão “objetivante” sobre a realidade.

Plano picado (de cima para baixo) Desvalorização do motivo fotografado. Plano contrapicado (de baixo para cima) Valorização do motivo fotografado. Tabela 07: Ângulos de tomada da imagem e efeitos prováveis (SOUSA, 2002, p. 79 e 80) – do autor.

iii. A composição: a maneira como, em determinado enquadramento, os elementos da imagem fotográfica competem pela atenção do leitor, recebendo maior ou menor destaque:

Centro visual Imagem repousante e equilibrada, como possível consequência da simetria dos motivos fotografados. Regra do terço (divisão da

imagem em terços verticais e horizontais, a partir da qual são gerados nove retângulos)

Os pontos de cruzamento entre as linhas verticais e horizontais são polos de atração visual por meio dos quais se pode tanto hierarquizar as informações quanto explorar desequilíbrio, sugerindo movimento. Divisão em metades ou em

quartos

Captação do motivo central regulando a maior ou menor interferência dos demais elementos presentes no enquadramento e do plano de fundo.

Tabela 08: Formas de composição da imagem fotográfica (SOUSA, 2002, p. 80 e 81) – do autor.

iv. O foco de atenção: a delimitação do foco de atenção principal da imagem. A fim de privilegiar uma determinada área da imagem, a fotografia deve ser organizada de forma que os estímulos sensoriais permitam a clara identificação do motivo principal e dos focos secundários, segundo os efeitos de sentido visados pela instância de produção (SOUSA, 2002, p. 84 e 85).

v. As relações figura e fundo: a articulação entre 1º plano, planos secundários e plano de fundo, por meio da qual se realçam conteúdos em detrimento de outros, conferindo força visual à imagem. Ressalta Sousa (2002, p. 85) que “os elementos que se encontram no fundo, tal como aqueles que rodeiam o motivo, em princípio contribuirão para que à foto seja atribuído um sentido por parte do observador”.

Como breve exemplificação, destacamos a capa-cartaz seguinte, cuja fotografia estrutura-se pelo i) plano de conjunto, permitindo a diferenciação entre os agentes militares e sua ação de resgate, e pelo ii) ângulo paralelo à superfície, sugerindo uma perspectiva objetiva do real. Paralelamente, iii) centraliza o corpo da vítima, iv) torna-o centro de atenção, v) dispondo-o em 1º plano – fatores que corroboram o recorte temático apontado no título: a ceifagem da população carioca pela incompetência do poder público.

Figura 74: Capa do jornal Meia Hora de 10 de abril de 2019.

Por tudo isso, fica evidente que as fotografias têm expressivo poder de atração e que, no contexto jornalístico, são tomadas não só como elemento de legibilidade e de acessibilidade aos textos por parte da instância de percepção, como também de credibilidade da instância de produção. Veremos, na seção seguinte, que sua significação, assim como a de outros elementos que compõem as capas-cartazes, é ampliada pela composição visual.