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D A L INGUÍSTICA DA L ANGUE À L INGUÍSTICA DO D ISCURSO ( NO B RASIL E NA UFF )

RANK TÍTULO UF MÉDIA DE CIRCULAÇÃO IMPRESSO

2. A ANÁLISE SEMIOLINGUÍSTICA DO DISCURSO

2.1 D A L INGUÍSTICA DA L ANGUE À L INGUÍSTICA DO D ISCURSO ( NO B RASIL E NA UFF )

[...] toda teoria, como toda palavra, define-se em relação a outras teorias, a outras palavras; mas esta herança é assumida pelo sujeito que produz a teoria ou a palavra; o que significa que existirão tantos percursos históricos quantos forem os sujeitos que teorizam9. (CHARAUDEAU, 1983, p. 07) Desde a Antiguidade Clássica, diferentes reflexões sobre a linguagem – tais como o questionamento da origem dos sistemas de signos utilizados como instrumento de comunicação, a descrição de técnicas de persuasão constituintes da “arte de falar e escrever corretamente”, a análise de textos literários como meio de identificação de aspectos culturais e a observação da evolução das línguas a partir de um enfoque naturalista – representaram contribuições significativas para a compreensão de fenômenos linguísticos. Todavia, somente no início do século XX, a Linguística é alçada ao status de ciência autônoma. A partir das contribuições de Ferdinand de Saussure, que, em seu Curso de Linguística Geral, definiu uma metodologia e terminologia precisas, objetivas e universais para o “estudo científico da linguagem humana”, iniciou-se a chamada Linguística Moderna.

Dentre os conceitos saussurianos, pontuou-se, como objeto de estudo da Linguística, a langue, compreendendo-a como a parte social da linguagem. Essa instituição social pode ser definida como o conjunto de signos linguísticos e de regras combinatórias que configuram a estrutura do sistema linguístico. Trata-se, pois, de um objeto homogêneo e abstrato, depositado na mente dos falantes. Nessa perspectiva estruturalista, não raro, os estudos linguísticos partiam das unidades mínimas significativas, “morfemas”, a fim de, por meio da segmentação desses

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Tendo em vista as diferentes abordagens da História da Linguística, construímos essa visão panorâmica a partir de duas referências: o minicurso “Da competência linguageira ao discurso de persuasão”, ministrado pelo Prof. Dr. Patrick Charaudeau, nos dias 8 e 9 de junho de 2015, no Instituto de Letras da UFF; e o histórico da Semiolinguística traçado por Machado (2005; 2006). Nesse sentido, limitamo-nos aos autores e às correntes linguísticas citadas pelos professores.

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signos, pontuar “fonemas”, os sons da fala que, em uma determinada língua, opõem significados. Enfatizavam-se, portanto, os estudos da Morfologia e da Fonologia.

Na segunda metade do mesmo século, Chomsky, avaliando os estudos saussurianos como demasiados fixistas, formulou as bases para a gramática gerativa, propondo a investigação dos princípios inatos que integram a gramática universal. Considerando a língua como um fenômeno criativo e constituído por um número finito de regras que, ativadas pela experiência de uso da linguagem, permitem ao falante formar um número infinito de sentenças gramaticais, dava-se ênfase ao estudo da Sintaxe.

Desse modo, essas duas vertentes da Linguística desconsideravam, em suas análises, a parole, a concretização da língua, concebendo um falante-ouvinte ideal. Dessa lacuna, surgiu, no início da década de 1960, a Sociolinguística, um espaço de investigação interdisciplinar que atua nas fronteiras entre língua e sociedade, tomando como objeto de estudo a variação linguística e entendendo-a como um princípio geral e universal das línguas, passível de ser descrita e analisada.

As análises variacionistas – junto aos diferentes estudos da Semiótica, da Linguística Cognitiva e, principalmente, da Pragmática – contribuíram para a compreensão de que a fala é determinada pelo contexto da comunicação, correlacionando o como dizer à representação do espaço em que se insere o falante. Não se contemplavam, todavia, as regularidades e as sistematicidades dos textos. Buscando, pois, estudar os mecanismos que fazem com que uma manifestação linguística possa ser considerada um texto, surgiram os primeiros trabalhos de Linguística Textual, que privilegiavam os fatores de textualidade.

Paralelamente, ao compreender a linguagem como “uma atividade humana que se desdobra no teatro da vida social” (CHARAUDEAU, 2009, p. 07), a Análise Semiolinguística do Discurso emergiu na busca por ultrapassar a exploração da superfície textual (cotexto), pressupondo um sujeito social. Explicitou-se, assim, a relevância de se considerar, na produção e na interpretação de textos, dentre outros fatores, a correlação entre a situação concreta de enunciação, os objetivos do enunciador e a seleção dos meios linguísticos e discursivos.

Como resultado de sua tese de Doutorado, defendida, em 1979, sob a orientação do linguista francês Pottier, Patrick Charaudeau rompeu os limites não só de uma linguística “pura” e “dura”, mas também da Semiótica greimasiana e da

linguística “light” e mais “humana” de Benveniste e Bakhtin (MACHADO, 2006, p. 15), lançando, em 1983, o livro Langage et Discours.

Dentre as principais contribuições dessa obra, destacam-se a retomada do sujeito histórico (não-assujeitado) – “conceito que havia sido completamente pulverizado por Barthes, nos anos 60 e depois, de certa forma, por Pêcheux e seus seguidores” (MACHADO, 2006, p. 14, grifo da autora) – e a compreensão de que a ampla análise dos atos de linguagem exige a verificação, em paralelo, de suas partes linguística e situacional, na qual se instauram os sujeitos linguageiros, necessariamente dotados de intencionalidades.

Daí a importância da noção de sujeito que eu coloco no coração de toda atividade de linguagem. Desde o Estruturalismo, passando também pelo Cognitivismo, pela Pragmática de Searle e Austin, e pela Análise do Discurso da primeira fase fundada na busca da ideologia escondida nos textos, o sujeito não existia. Tudo era visto como se fosse a sociedade quem falasse e sobredeterminasse totalmente o sujeito. É uma postura que faz do sujeito um escravo da ideologia. Para mim, o sujeito é, ao mesmo tempo, determinado por uma série de condições de produção, umas de ordem situacional, outras de ordem cognitiva, livre para jogar com estratégias discursivas visando “individualizar-se”: não há sujeito que não busque o fazer-se existir. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 329)

“Uma teoria não é decretada. Ela forja-se ao longo do tempo, frequentemente sem que percebam aqueles que nela trabalham.”10

(CHARAUDEAU, 2005a, p. 14). Ao aprofundar a relação entre as formas linguísticas e os possíveis sentidos evocados em uma dada situação de comunicação, Charaudeau lançou bases para uma nova metodologia em análise do discurso, em que a “ideologia” (de Pêcheux) seria substituída pela noção de “social” – termo que congrega os aspectos ideológicos, históricos e culturais regentes da dinâmica em sociedade e, por isso, constituintes das práticas linguageiras.

Dessa forma, na década de 1990, por diferentes publicações e conferências internacionais, as ideias do linguista francês difundiram-se pelo Brasil. Em uma reflexão pessoal, a Profa. Dra. Ida Lucia Machado (em grande parte, responsável pelo diálogo entre as universidades brasileiras e o Centre d'Analyse du Discours, da Universidade Paris XIII, onde concluiu um de seus Pós-doutoramentos) revela, por exemplo, que, após o julgamento inicial de que a Teoria Semiolinguística seria demasiadamente “suave” em relação à Análise do Discurso Francesa, sob a qual já

10 Livre tradução de: “Une théorie ne se décrète pas. Elle se forge au cours du temps, souvent à l’insu

se debruçava, viu-se fascinada pela expressiva aplicabilidade e interdisciplinaridade que caracterizam a Teoria Semiolinguística (MACHADO, 2006, p. 14).

Ampliando os estudos semiolinguísticos no país, fundaram-se, na UFRJ, em 1993, o Círculo Interdisciplinar de Análise do Discurso (CIAD-Rio) e, na UFMG, em 1996, o Núcleo de Análise do Discurso (NAD) – ambos com a colaboração de professores de diferentes universidades: UERJ, UFF, UFPE, UFRRJ, UFJF, dentre outras. Tais núcleos consistem em polos de pesquisas com expressiva produção de eventos acadêmicos e de publicações. Além de inúmeros artigos, dissertações e teses, destacam-se os livros Teorias e práticas discursivas: estudos em Análise do Discurso (MACHADO et alii, 1998), uma das primeiras obras de divulgação da teoria no país, e Linguagem e discurso: modos de organização (CHARAUDEAU, 2009) – tradução e adaptação feita pelo NAD (UFMG), da parte referente aos principais pressupostos teórico-metodológicos (CHARAUDEAU, 1983), e pelo CIAD-RIO, da parte da Grammaire du sens et de l’expression (CHARAUDEAU, 1992) referente aos Modos de organização do Discurso.

Especificamente no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, a introdução da Teoria Semiolinguística ocorreu em 1998, quando a Profa. Dra. Rosane Monnerat iniciou a orientação de pesquisas na área, tornando essa universidade a única do país a possuir a disciplina Semiolinguística no Programa de Pós-Graduação. Já em 2013, foi fundado o grupo de pesquisa Leitura, Fruição e Ensino (Leifen), que, sob a supervisão das Profas. Dras. Beatriz dos Santos Feres e Patrícia Ferreira Neves Ribeiro, dedica-se, em especial, à análise e produção de pesquisas interdisciplinares de base semiolinguística e à sua aplicação ao Ensino de Língua e Literatura. Tendo como objetivos centrais a investigação do processamento da leitura e o desenvolvimento de metodologias de letramento, prioriza a formação docente, promovendo, para isso, fóruns, palestras e minicursos. Além de suas líderes, participam desse grupo de pesquisa as Profas. Dras. Rosane Santos Mauro Monnerat, Ilana da Silva Rebello Viegas, Nadja Pattresi de Sousa e Silva e Glayci Kelli Reis da Silva Xavier, todas pesquisadoras da Teoria Semiolinguística, que, debruçando-se sobre corpora e fenômenos discursivos diversos, tornam o Instituto um centro de referência em Análise do Discurso no país, apresentando, dentre muitas outras contribuições, descrições de textos midiáticos verbo-visuais.

E assim, longe de ser “um bloco hermeticamente fechado e sem janelas”, a Análise Semiolinguística do Discurso segue como uma teoria “aberta” e “antropofágica” (MACHADO, 2005, p. 17), alicerçando novas pesquisas, em novos corpora, em novos contextos, sob novos olhares...