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Do símbolo aos efeitos psicológicos: a cor como produto cultural

RANK TÍTULO UF MÉDIA DE CIRCULAÇÃO IMPRESSO

3. A IMAGEM, UM CAPÍTULO À PARTE NOS ESTUDOS DO DISCURSO

3.2 S IGNOS CROMÁTICOS : ENTRE O JORNALISMO AMARELO , MARROM E COR DE ROSA

3.2.2 Do símbolo aos efeitos psicológicos: a cor como produto cultural

Como ressaltamos na seção anterior, dos três modelos tomados como referência no estudo das cores, é o de Rousseau (1991) que se dedica, sobremaneira, à sistematização do caráter simbólico das cores, uma vez que Guimarães (2003) nos apresenta aplicações gerais da cor-informação. Dessa forma, sublinha Rousseau (1991, p. 23-36) que, por exemplo, a cor verde, dentre outros aspectos, refere-se à água (por sua proximidade com o azul) e aos vegetais. Faz, dessa forma, remissão à fotossíntese, compreendida como início da “combustão vital”: o verde dos vegetais capta os raios solares, transformando-se em fonte de energia (pela alimentação e pela respiração) para os animais, que, por sua vez, poderão servir de alimento para carnívoros. Nessa linha de raciocínio acerca dos movimentos de absorção e de liberação de energia, atesta-se a existência de “um ciclo de energia, onde a cor verde dos vegetais e a cor vermelha do sangue marcam as duas polaridades extremas”, sendo, por isso, cores opostas e complementares (ROUSSEAU, 1991, p. 27, grifo do autor). O verde seria, ainda, símbolo da deusa Vênus, da fertilidade, do feminino: “a letra V, que é também representação do número 5, significa a metade (o aspecto feminino) de um todo (10 = unidade). Assinalemos, também, que Vênus, Vesta e a palavra Verde (Viridis) começam por um V, símbolo do órgão feminino.” e, por isso, símbolo da esperança: “o verde está associado à ideia de germinação, de renovação e de expansão horizontal. [...] Verde e Vida são palavras que têm conexões evidentes entre si.” (ROUSSEAU, 1991, p. 32; 34; grifo do autor).

Como se pode observar por meio dessa breve exemplificação, as postulações de Rousseau (1991) apoiam-se, em grande parte, em descrições biofísicas consensuais e em referências mitológicas greco-romanas para, relacionando-as,

indicar o que as cores representam. Considerando, sobretudo, a generalidade dessas proposições, que pretendem fazer aflorar as raízes simbólicas de toda a humanidade, a essa obra pode-se, muito provavelmente, aplicar esta enfática crítica do professor Michel Pastoureau, historiador francês e especialista em simbologia das cores:

As publicações sobre cor são inumeráveis, mas muitas vezes decepcionantes. Nomeadamente publicações recentes, que pretendem estudar a psicologia ou a simbologia das cores. Trata-se de uma literatura frequentemente esotérica, que faz malabarismos com o tempo e o espaço, que procura arquétipos ou uma verdade transcultural da cor e, portanto, sem qualquer interesse, nem para o investigador, nem para o público. (PASTOUREAU, 1997, p. 169; apud CSILLAG, 2015, p. 130, grifo do autor)

A fim de oferecer critérios objetivos para as escolhas cromáticas, Csillag (2015, p. 127) corrobora tal crítica e pontua serem infinitas as possiblidades de interpretação de composições cromáticas, visto que diferentes fatores contextuais e situacionais, bem como a própria formação sócio-político-cultural do sujeito interpretante, condicionam a significação; e, portanto, “as conotações interpretativas não podem ser generalizadas a todos os seres humanos”.

Em consequência disso, a autora traça seis críticas a obras que objetivam descrever os significados de cores isoladamente. Isso porque, segundo a pesquisadora (2015, p. 128-131) tais sistematizações i) não têm embasamento empírico apoiado em investigações de cultura, tempo e espaço específicos, ii) tratam de categorias amplas, desconsiderando, por exemplo, os diferentes graus de luminosidade ou de saturação de um matiz, iii) sobrepõem aspectos psicológicos, emotivos, simbólicos e culturais, iv) ignoram os contextos específicos de aplicação das cores, v) apresentam contradições na indicação das significações e, sobretudo, vi) misturam aspectos da variável ORG (portanto, universais) àquelas da variável INT (impossíveis de serem definidos de forma absoluta).

Nesse sentido, para o estudo acerca da simbologia das cores, a proposta de Csillag (2015) é a associação entre as variáveis ORG e INT e a realização de um estudo contextualizador – tal como uma pesquisa de mercado – referente à cultura a que se destina a composição cromática. Na impossibilidade de realizarmos uma análise dessa natureza, recorremos à obra de Heller (2008), tomada como referência em trabalhos mais recentes sobre o tema.

Ao descrever as diferentes representações simbólicas que emergem das cores e, dessa forma, os sentimentos mais recorrentes que evocam, a psicóloga alemã sublinha, antes de tudo, o fato de cores e sentimentos não se combinarem aleatória ou subjetivamente; ao contrário, essa relação resulta de vivências comuns que se enraízam e se fixam em nossa linguagem e em nosso pensamento. Pautando-se, pois, no simbolismo psicológico e na tradição histórica, a pesquisadora (2008, p. 54) postula, pelo levantamento de acordes cromáticas, esta “regra básica sobre o efeito das cores”: “A mesma cor tem um efeito completamente diferente quando está combinada a outras cores”. O vermelho, por exemplo, se combinado ao rosa, pode representar o amor; ao contrário, unido ao preto e ao marrom, pode remeter à brutalidade; e, junto ao preto e ao amarelo, o ódio. O livro trata, então, de treze cores psicológicas – o azul, o vermelho, o amarelo, o verde, o preto, o branco, o laranja, o violeta, o rosa, o ouro, o prata, o marrom e o cinza – tendo em vista a impressão e os efeitos psicológicos que, mais comumente, cada uma delas provoca.

Atentos às críticas tecidas por Csillag (2015, p. 128-131), cumpre salientar o caráter objetivo e científico do estudo de Heller (2008), uma vez que esta autora:

i. apresenta resultados quantitativos obtidos por uma pesquisa empírica que soma dois mil entrevistados: homens e mulheres alemãs, entre 14 e 97 anos de idade, de diferentes profissões;

ii. considera diferentes graus de luminosidade e de saturação, apresentando, em cada capítulo, distintas denominações para cada “cor” (como, por exemplo, os 50 tons de rosa) e descrevendo suas respectivas representações e efeitos (como as diferenças entre o rosa bebê e o rosa pink);

iii. diferencia e relaciona aspectos simbólico-culturais e psicológicos, pressupondo que “cores e sentimentos não se combinam ao acaso nem são uma questão de gosto individual – são vivências comuns que, desde a infância, foram ficando profundamente enraizadas em nossa linguagem e em nosso pensamento” (HELLER, 2008, p. 17);

iv. compreende que “A impressão causada por cada cor é determinada por seu contexto, ou seja, pelo entrelaçamento de significados em que a percebemos.”, explicitando que “cada cor será mostrada em toda contextualização possível: como cor artística, na vestimenta, no design de

produtos e alimentos, como cor que desperta sentimentos positivos ou negativos” (HELLER, 2008, p. 18);

v. explica que uma mesma cor pode fazer emergir representações simbólicas contrárias a depender do contexto em que se insere e, principalmente, da relação que estabelece com outras cores; afinal, há mais sentimentos que cores e, portanto, cada cor pode produzir muitos efeitos;

vi. não trata das regularidades neurofisiológicas de percepção cromática, enfatizando, de acordo com um levantamento estatístico socioculturamente ancorado, os efeitos racionais e emocionais suscitados pela simbolicidade de cada uma das trezes cores psicológicas.

Portanto, não obstante a especificidade de seu recorte metodológico (a aplicação das inquirições restrita às fronteiras alemãs) e, dessa forma, a possibilidade de os resultados obtidos refletirem um traço extremamente específico da cultura europeia, acreditamos que os dados apresentados pela autora podem, com maior ou menor fidelidade, ecoar nas representações da cor-símbolo empregada na mídia jornalística. A eles, somam-se e confrontam-se, em nossa análise, as contribuições apresentadas na publicação brasileira Psicodinâmica das cores em Comunicação, que, embora sem o mesmo nível de detalhamento, descreve, especialmente nos capítulos “Cor: signo cultural e psicológico” e “A cor na Comunicação”, como cada cor, em virtude de suas qualidades intrínsecas e de sua significação sócio-cultural, “tem a capacidade de captar a atenção do comprador rapidamente e sob um domínio, em essência, emotivo” (FARINA et alii, 2011, p. 117).

Nesse sentido, partindo do pressuposto de que os signos cromáticos, como uma linguagem individual, não só condicionam o comportamento motor do aparelho óptico e o processamento neurológico da informação, como ainda exercem efeitos psicológicos, exploraremos a potencialidade de produzirem reflexos sensoriais, impressões, sensações e sentimentos.