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Tabela 11: Síntese dos movimentos do gênero chamada.

5. A CAPTAÇÃO: UM PRINCÍPIO CONSTITUTIVO DO ATO DE LINGUAGEM

5.1 S OBRE O CONCEITO DE “ CAPTAÇÃO ”

5.1.2 Sobre o fazer-crer

Se, conforme sublinha Charaudeau (2016b), a sedução vincula-se à questão de “Como tocar o outro, inserindo-o em um universo emocional condizente com o projeto de dizer do sujeito comunicante?”, a persuasão emerge como resposta ao questionamento de “Como organizar o dizer de tal modo que ele esteja a serviço do processo de influência do sujeito?”. Nesse sentido, ao lado da demonstração (o estabelecimento de uma verdade) e da explicação (a demonstração de uma verdade já estabelecida), a persuasão, como uma das três ordens da argumentação, volta-se para a adesão do sujeito interpretante à posição do comunicante, afastando-se, pois, da filiação à ideia platônica de “demonstração da verdade” (CHARAUDEAU, 2016b, p. 10).

Em sua proposta de abordagem da argumentação como uma prática social determinada por suas condições de enunciação, Charaudeau (2004a) refuta a concepção de que essa ação linguageira se limitaria a uma atividade cognitiva ou à sua manifestação explícita, isto é, ao emprego de determinadas expressões linguísticas e à estruturação textual. Correlativamente, defende que as formulações de que todo enunciado é, em sua essência, argumentativo ou narrativo, cunhadas desde a Antiguidade, são, na verdade, complementares, uma vez que, na atividade de argumentar, relatos sobre o mundo são utilizados como argumentos de uma cadeia de raciocínio e, na atividade de narrar, relações causais lógicas são tomadas como sustentação à descrição dos fatos. A propósito disso, o semiolinguista opõe as duas atitudes linguageiras da seguinte maneira: uma narração propõe ao interlocutor uma trama da qual ele pode fazer parte, sendo, portanto, uma atitude projetiva, isto é, que permite a identificação com as personagens apresentadas; uma argumentação, por seu turno, aponta uma explicação, obrigando o interlocutor a se incluir em dado esquema de verdade, sendo, por isso, uma atitude impositiva, ou seja, que impõe um modo de raciocínio e seus argumentos.

Considerando as condições semiolinguísticas de comunicação, o autor retoma a noção de contrato de comunicação, sublinhando a necessidade de que se compreenda a argumentação como um espaço preenchido por restrições e estratégias de manobra. Destaca, dessa forma, as condições enunciativas da atividade argumentativa, a saber: um sujeito argumentador, um sujeito-alvo e um propósito sobre o mundo. Nesses termos, cabe ao sujeito argumentador conduzir seu alvo ao compartilhamento de um quadro de referências, permitindo o julgamento das interpretações que impõe sobre o mundo.

Argumentar, segundo o autor (2004a), pressupõe uma tripla atividade:

i. problematizar: fazer-saber acerca não só da temática ou fato a ser discutido, mas também do quadro de questionamento em que se insere a argumentação, considerando asserções opostas às enunciadas e questionando as causas e consequências de tal oposição: consiste em propor-impor um quadro de questionamento no qual se opõem asserções sobre cuja validade o sujeito-alvo é forçado a se interrogar;

ii. elucidar: fazer-compreender as razões admitidas como hipótese, a fim de esclarecer as causas e as possíveis consequências das afirmações, seja na sucessão de fatos (causas imediatas), seja na explicação detalhada de elementos convergentes (causas profundas), operando, para isso, diferentes modos de raciocínio (como a dedução, a indução, a restrição e a associação);

iii. provar: fazer-crer na veracidade das asserções, fundamentando-as por meio de argumentos empíricos, experimentais ou estatísticos, segundo preceitos éticos e pragmáticos. Embora se possa distinguir, teoricamente, prova (asserção “irrefutável”, visto que se apoia sobre sua autenticidade ou sobre uma norma lógica absoluta) de argumento (asserção discutível, pois se apoia sobre um saber relativo), a prova, devendo ser interpretada, pode, igualmente, ser colocada em causa (CHARAUDEAU, 2016b, p. 19)

No que tange a tais atividades constituintes da argumentação, em publicação mais recente, como se destaca no quadro a seguir, Charaudeau (2016b) substitui o “elucidar” pelo “se posicionar”, compreendendo ser a explicitação do ponto de vista, isto é, o engajamento do sujeito comunicante o que opõe a argumentação da explicação, em que se assume uma posição de neutralidade.

Figura 107: Os processos argumentativos (CHARAUDEAU, 2016b, p. 16).

Dentro desse enquadre, o sujeito argumentador pode servir-se de diferentes estratégias, desenvolvidas em torno destes três elementos interdependentes (CHARAUDEAU, 2004a; 2006b): legitimação, sua posição de autoridade (institucional ou pessoal), construída sobre o enquadramento e reenquadramento temático segundo o que seria digno ou pertinente de ser discutido; credibilidade, sua posição de verdade, condizente ao modo como toma posição; e captação, a adesão do parceiro da troca comunicativa ao quadro argumentativo proposto pelo argumentador, segundo a força atribuída aos argumentos.

Conclui-se, pois, que, à luz da Teoria Semiolinguística, a argumentação é uma atividade linguageira e não uma tipologia ou fórmula textual. Sublinhamos, a esse respeito, que o modo de organização argumentativo não se iguala à argumentação tampouco à persuasão. De outro lado, a argumentação consiste no processo de influência sobre o interlocutor por meio da estruturação de um raciocínio lógico e verossímil orientado pela defesa de um ponto de vista. Como indica o quadro-síntese que se segue, argumentar exige: i) uma proposta que provoque em alguém algum questionamento, quanto à sua legitimidade; ii) um sujeito argumentante, que, a partir de sua intencionalidade, busque a aceitabilidade ou a legitimidade de sua proposta sobre o mundo; e iii) um sujeito alvo, que poderá aceitar ou refutar o ponto de vista de seu interlocutor.

Figura 108: A relação triangular constituinte da argumentação (CHARAUDEAU, 2009, p. 205).

O modo de organização argumentativo, por sua vez, constitui a mecânica responsável pela estruturação das argumentações. Compreende, como evidencia o quadro abaixo, uma asserção de partida (premissa), uma asserção de passagem (prova) e uma asserção de chegada (conclusão), sendo, dessa maneira, apenas umas das formas de se instaurar a atividade argumentativa.

Figura 109: A relação argumentativa (CHARAUDEAU, 2009, p. 210).

Assim, como demonstra Feres (2019), ao tratar das estratégias de persuasão e de sedução utilizadas em contos ilustrados com vistas à captação do leitor, também os textos narrativos podem infundir pontos de vista e disseminar de ideias e valores. Nessa “persuasão projetiva”, as estratégias de persuasão empregadas em uma narração “permitem tornar implícita a defesa de uma tese sob a roupagem de um enredo que não só capta a identificação do interlocutor em uma atitude projetiva, mas também o convence por causa dessa mesma identificação”. Isso porque, semelhante às capas de jornais (populares), a exposição dramática do que é representado contribui “para que o sujeito interpretante seja não somente afetado pela patemização programada na textualização, mas, indiretamente, convencido de uma ideia, ou ainda levado a agir de uma determinada maneira” (FERES, 2019, p. 21).

Aliando sedução e persuasão, como nos lembra Costa (2013, p. 114), o jornal (popular) busca contemplar o duplo interesse de seu público-consumidor: ter acesso à informação e, ao mesmo tempo, ser atingido, em seus valores e em seus afetos. Nesse intento, a instância midiática apropria-se de diferentes estratégias de captação, como as que descrevemos nas seções seguintes.