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A trajetória do cargo de Agente Socioeducativo no Distrito Federal

1. ESTADO, ADOLESCÊNCIA E INFRAÇÃO: CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1 Do Código de Menores ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

1.1.2 A trajetória do cargo de Agente Socioeducativo no Distrito Federal

O Projeto Político Pedagógico das Medidas Socioeducativas no DF, elaborado pela Secretaria da Criança (DISTRITO FEDERAL, 2013) inclui um breve histórico sobre o Sistema Socioeducativo, contribuindo de forma significativa com o resgate da trajetória profissional dos agentes socioeducativos aqui apresentado.

26 Em 2012, com a criação da Secretaria de Estado da Criança – SECriança, as unidades de internação tiveram sua nomenclatura alterada. CAJE, CIAGO e CIAP passaram a ser respectivamente: Unidade de Internação do Plano Piloto – UIPP, Unidade de Internação do Recanto das Emas – UNIRE e Unidade de Internação de Planaltina – UIP. As unidades criadas posteriormente seguiram a mesma estrutura nominal.

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O percurso histórico da categoria profissional se inicia em 1995, impulsionado pela criação das medidas socioeducativas presentes no ECA. Esse cargo à época integrava a política de assistência social27 e era, em sua origem, denominado como Atendente de Reintegração Social, cotidianamente abreviado como ATRS.

Entre 1998 e 2007, devido a constantes rebeliões e mortes ocorridas no CAJE, a Polícia Civil assumiu a direção das unidades em articulação com a Secretaria de Estado de Ação Social - SEAS. Neste período não houveram novos concursos para Atendentes de Reintegração Social, e as necessidades de pessoal foram supridas por meio de contratos temporários. O documento (DISTRITO FEDERAL, 2013) destaca também que ainda que as unidades de internação estivessem vinculadas à SEAS, a gestão era dirigida por agentes de polícia civil e delegados, servidores da Secretaria de Estado de Segurança Pública, por meio de convênio.

Em 2007 a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do DF é criada, por meio do Decreto Lei nº. 27.591, assumindo a responsabilidade e a execução das medidas socioeducativas na região. Em 2008, após uma década desde o último concurso público para o sistema socioeducativo28, a SEJUS realiza um novo certame29 específico para o cargo de Atendente de Reintegração Social. Devido ao enorme déficit de pessoal, rapidamente foi realizado outro concurso no ano de 2010.

O concurso público para ingresso na categoria é dividido em cinco fases eliminatórias: prova, teste de avaliação psicológica, teste de capacidade física, investigação social e curso de formação. Em ambos os concursos, o cargo ainda integrava a Carreira de Assistência Pública em Serviços Sociais, exigia apenas a conclusão do Ensino Médio, tinha uma jornada de trabalho de 40h semanais e apresentava as seguintes atribuições:

Executar tarefas relativas à guarda, à vigilância, ao acompanhamento e à

segurança dos adolescentes infratores; desenvolver atividades de nível

médio, cadastrando, selecionando e orientando a população atendida;

planejar, executar e avaliar atividades sócio-educativas a serem desenvolvidas com a clientela assistida pelas unidades de execução de medidas sócio-educativas; executar e desenvolver o atendimento nas

medidas sócio-educativas, previstas no artigo 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente. (DODF de 22 de janeiro de 2010, p. 31, grifos nosso)

27 O cargo era vinculado à recém criada Secretaria de Estado da Criança e Assistência Social do Distrito Federal. 28 O último concurso para o cargo havia ocorrido em 2007. (DISTRITO FEDERAL, 2013, p. 46)

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A ambiguidade das atribuições do agente socioeducativo é uma materialização da disputa constante entre o caráter punitivo e educativo da medida socioeducativa. Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente têm sido realizados inúmeros esforços para retirar das instituições socioeducativas o peso do caráter penal subjacente à prática de confinamento, com o objetivo de que elas deixem de ser vistas como espaços de punição e se tornem unidades educacionais. Neste intento, percebem-se ações no Distrito Federal que visam evidenciar a perspectiva educacional da medida socioeducativa como, por exemplo, a criação da Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude que, em 2011, assume a gestão do sistema socioeducativo até então vinculada à Secretaria de Justiça.

Nesse sentido, é importante destacar que a alternância entre as pastas - SEAS, SSP, SEJUS e SECriança - não se reduz a uma simples reorganização governamental. Mais que isso, evidencia a disputa das medidas socioeducativas entre um problema de polícia e uma ação socioeducativa. Tal contexto foi evidenciado na entrevista exploratória realizada com um agente socioeducativo, membro da diretoria do Sindicato dos Servidores da Carreira Socioeducativa - SINDSSE:

[...]O Sistema Socioeducativo ele vivia assim, uma hora ele estava na mão da assistência social, e aí só olhava assistencialismo, aí perdia-se, a gente chama de “perder a cadeia”. [...] Então o que acontecia, o Governo vinha e colocava a polícia, aí já era uma rigorosidade muito excessiva, aí depois saía a polícia e vinha algum assistente social, algum psicólogo. [...] Quando acabou esse cenário de trocas, o agente socioeducativo ficou sendo taxado de quem iria agir meramente como policial, aí houve uma negação da parte da segurança muito grande. (Murilo30, 36 anos de idade e 11 anos de serviço)

No ano de 2014, há um marco para a categoria: a criação da carreira socioeducativa do DF, por meio da lei distrital nº 5.531, fazendo com que os profissionais da socioeducação tivessem uma carreira própria. Essa mesma lei altera o cargo analisado no presente projeto, passando a “Atendente de Reintegração Socioeducativo”, bem como passa a exigir diploma de curso superior, reduz a carga horária para 30h semanais31 e altera as suas atribuições, passando a vigorar como:

I – executar atividades relacionadas a guarda, vigilância,

acompanhamento e segurança dos ado-lescentes em cumprimento de medidas socioeducativas previstas na Lei federal nº 8.069, de 1990, e na Lei

federal nº 12.594, de 2012, sob regime de privação de liberdade ou restrição de direitos;

30Utilizou-se um pseudônimo com o objetivo de manter o anonimato do participante.

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II – executar outras atividades da mesma natureza e nível de complexidade determinadas em legislação específica, observadas as peculiaridades do cargo. (Art. 9º, grifo nosso)

Por meio de uma breve análise comparativa entre estas atribuições e aquelas previstas na Carreira de Assistência Pública em Serviços Sociais, percebe-se que há um enfoque maior nas atividades relacionadas à Segurança, excluindo aquelas diretamente vinculadas à socioeducação. Entretanto, por meio da Portaria Conjunta SEGAD/SECRIANÇA nº 10, de julho de 2015, que dispõe de uma descrição detalhada dos cargos da Carreira Socioeducativa, o planejamento, a execução e a avaliação de atividades socioeducativas são retomados como as primeiras atribuições elencadas.

Recentemente, por meio da Lei nº 5.870, de 26 de maio de 2017, como resultado de inúmeras mobilizações da categoria, há outra alteração na nomenclatura, passando a denominar “Agentes Socioeducativos”. À época, o Secretário Adjunto de Relações Institucionais da Casa Civil do DF, Igor Tokarski, apresentou tal transformação como resultado da “busca pela valorização e motivação da categoria”32, e o Subsecretário do Sistema Socioeducativo, Paulo

Távora, também ressaltou o sentimento de pertencimento alcançado pelos profissionais através do novo termo. De forma semelhante, o membro da diretoria do SINDSSE, participante da entrevista exploratória, destacou a alteração como uma das principais conquistas da categoria, e ainda apontou que:

“o nome de Atendente de Reintegração Social era muito incompatível com a área de segurança. Houve um tempo que era moda negar a questão da Segurança na Socioeducação. [...] O termo era uma negação completa, a gente mudou para Agente Socioeducativo, mas o ideal seria ser Agente de Segurança Socioeducativo”. (Murilo)

No seio da disputa entre segurança e socioeducação, o sindicato tem se posicionado na afirmação e valorização do cargo como uma profissão de segurança pública, comparando-a constantemente com outras categorias de segurança como agentes penitenciários, policiais civis e militares. As referências a esses profissionais comumente são acompanhadas de adjetivos positivos como orgulho, reconhecimento e autoridade em contraposição à vivência dos agentes

32 O trecho foi extraído de matéria publicada pela Agência Brasília, site institucional do GDF, em junho de 2017. https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2017/06/01/trabalhadores-da-carreira-socioeducativa-ganham-status-de- agentes/ Acessado em 27 de abril de 2019.

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socioeducativos. O que se apresenta é uma categoria recente, ainda em construção, e que tem sido alvo de disputa entre segurança e educação.