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CAPÍTULO 1 – OS POLOS DE PRODUÇÃO DE FRUTAS FRESCAS E O MERCADO

1.2 A trajetória dos Polos de fruticultura irrigada do Nordeste

Como já abordado preliminarmente nesta tese, os Polos Petrolina-Juazeiro e Açú- Mossoró têm uma importância considerável na produção de frutas tropicais, o que levou o Brasil a se inserir de maneira sólida no mercado de algumas frutas, como o melão e manga, itens produzidos nestas duas áreas. A inserção brasileira no mercado internacional de frutas frescas tropicais tem como grande locomotiva a expansão destes polos. Deste modo, nesta seção serão destacados como se constituíram tais polos e quais as suas principais características.

Os polos de fruticultura irrigada do Nordeste, em foco nesta tese, já foram alvo de alguns estudos importantes. Em grande parte destes estudos os autores têm como consenso que sua constituição só foi viabilizada devido aos grandes investimentos realizados na região através de diversos programas de governo, principalmente da esfera Federal (SILVA, 2001; NUNES, 2009; CRUZ, 2014). Estes investimentos públicos iniciaram-se de maneira mais concreta em meados dos anos 70, a partir da constituição do Plano de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI), criado em 1974. Dentro do arcabouço deste plano existiram diversos projetos, que incluíam desde colonização à irrigação, que buscavam modernizar o setor agrícola do Nordeste e incentivar a formação de uma agroindústria (NUNES, 2009).

Deste modo, o PDRI era bastante amplo e constituído por diversos projetos de ação visando o desenvolvimento das áreas rurais do Nordeste. Um dos projetos importantes contemplados pelo PDRI era o projeto POLONORDESTE, que tinha como objetivo constituir

áreas produtoras dinâmicas integradas com a agroindústria e os mercados. No entanto, a implementação do POLONORDESTE dependia do sucesso das obras estruturantes na região, iniciadas no final da década de 1960, através do Programa Nacional de Integração Nacional (PIN). Esse tinha o objetivo de realizar uma série de obras hídricas a fim de solucionar o problema da irregularidade pluviométrica no Nordeste. Dada a complementariedade entre o sucesso do projeto POLONORDESTE e do PIN, este último foi incorporado pelo PDRI (HEINZE, 2002).

As obras hídricas foram imprescindíveis para a constituição dos Polos produtores do Nordeste. No Polo Açú-Mossoró, a obra central de estruturação foi a perenização do Rio Açú-Piranhas a partir da construção da barragem Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves3. Por sua vez, nos municípios limítrofes de Petrolina-Pernambuco e Juazeiro-Bahia, a estratégia foi a construção de vários canais que aproveitassem as águas do Rio São Francisco, as quais permitiram a irrigação de áreas nesta região do submédio do rio.

Os projetos de desenvolvimento dos polos estabeleciam que, depois de realizadas as obras hídricas, os perímetros irrigados seriam estruturados em três tipos de lotes, um primeiro destinado para pequenos produtores, que seriam assentados; o segundo tipo de lotes seria destinado a técnicos; por fim, o terceiro tipo de lotes seria destinado a empresas. Como demonstram Silva (2001), Nunes (2009) e Cruz (2014), este modelo de repartição entre colonos, técnicos e empresas não se sustentou, pois, como estes autores demonstram, a partir do momento em que estes polos começaram a prosperar, houve uma alta especulação em torno destas terras o que forçou a um arrebatamento das terras pelo capital empresarial em sua maioria4. Portanto, estas obras hídricas consolidaram uma estrutura viável para a produção. Este fato permitiu a constituição de diversos polos de produção na região semiárida do Brasil que engloba o norte de Minas Gerais e toda região Nordeste, com exceção do estado do Maranhão (BUANAIN & GARCIA, 2015), como ilustra a figura 1. Estes Polos têm suas gestões associadas a órgãos públicos, alguns são administrados pelo Departamento Nacional

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A barragem fica a 6 km da cidade de Açú e tem capacidade para o armazenamento de 2,4 milhões de m3 de água. A construção de tal obra teve início em 1979 e foi concluída em 1983 (DNOCS, 2015).

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Para maiores detalhes ver a tese de doutorado em economia defendida no Instituto de Economia da Unicamp por Pedro Silva (2001), que retrata, em maiores detalhes, o desenvolvimento dos perímetros irrigados do Polo Petrolina-Juazeiro. Por sua vez, Rogério Cruz (2014), na sua tese de doutorado, também defendida no Instituto de Economia da Unicamp, trata da especulação em torno das terras irrigadas no perímetro do Vale do Açú, demonstrando com maior detalhe como se deu a apropriação das terras e a evolução do Polo. Esta visão é corroborada na tese defendida no Programa de Desenvolvimento Rural da UFRGS, por Emanoel Nunes (2009), o qual ainda entra em detalhes do ambiente institucional que favoreceu os grupos empresarias em detrimento dos pequenos produtores.

de Obras Contra as Secas (DNOCS) e outros pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF).

Figura 1 - Polos de Irrigação Nordestinos administrados pelo DNOCS e Codevasf: 2013

Fonte: Buainain e Garcia (2015).

Na trajetória destes polos, constituídos na região semiárida brasileiras, cada qual se destacou em culturas específicas, como já mencionado. No entanto, alguns tiveram maior proeminência econômica, principalmente os que se especializaram na produção de frutas frescas destinadas ao mercado internacional, são os casos dos polos de Petrolina-Juazeiro e Açú-Mossoró. A Figura a seguir ilustra precisamente a localização desses dois polos.

Figura 2 – Polos Irrigados do Nordeste

A figura “a”, do lado esquerdo, representa a localização do Polo Petrolina-Juazeiro e as cidades que compõem-na. Enquanto a figura “b”, do lado direito, representa a localização do Polo Açú-Mossoró e seus municípios.

Fonte: Ortega e Sobel (2005); Nunes (2009).

Observa-se, na figura anterior, que o Polo Petrolina-Juazeiro engloba municípios dos estados de Pernambuco e Bahia que fazem fronteira na região do submédio rio São Francisco. Assim, o polo é composto por 8 municípios, 4 de cada estado, ocupando uma área de mais de 33 mil km2. Devido à localização geográfica da região, permitiu-se a construção de diversos canais que irrigaram esta enorme área. No entanto, esta área irrigada foi sendo incorporada por etapas, ou seja, por meio de diversos projetos de perímetros irrigados, como demonstra a tabela 2, a seguir.

Tabela 2 - Perímetros Irrigados do Polo Petrolina-Juazeiro

Perímetros Irrigados Município Área ocupada (ha) Implantação*

Bebedouro Petrolina (PE) 1.892 1968

Curaçá Juazeiro (BA) 4.204 1980

Fulgêncio Santa Maria da Boa Vista (PE) 4.716 1998

Mandacaru Juazeiro (BA) 450 1971

Maniçoba Juazeiro (BA) 4.160 1980

Salitre Juazeiro (BA) 5.099 1998

Senador Nilo Coelho Petrolina(PE)/Casa Nova(BA) 18.563 1984

Tourão Petrolina(PE) 14.237 1988

* Esta coluna indica o ano de funcionamento da obra completa, mas diversos destes períodos passaram a funcionar antes mesmo da finalização das obras por completo. Por exemplo, o perímetro Senador Nilo Coelho começou ainda em 1980.

Fonte: Codevasf (2015).

O Polo Açú-Mossoró, por sua vez, tinha uma menor capacidade de inundação da região do Vale do Açú e, por esse motivo foi feito o Projeto Irrigado Baixo-Açú (PIBA), depois denominado Distrito Irrigado Baixo-Açú (DIBA). O quadro 1, a seguir, resume algumas características geográficas e dimensionais dos dois polos. Percebe-se, portanto, que apesar do Polo Açú-Mossoró ter uma maior quantidade de municípios componentes sua área irrigável é bem inferior ao do polo Petrolina-Juazeiro. A ocupação desta área, bem como a estrutura fundiária destes dois polos, é bastante diferenciada. Este fato será explorado no capítulo 5, no qual será tratada a análise da organização dos polos.

Quadro 1 – Descrição dos Polos Açú-Mossoró e Petrolina/Juazeiro

Polo Municípios População* Área (Km2)

Açú- Mossoró

Açú, Alto do Rodrigues, Afonso Bezerra, Baraúna, Carnaubais, Ipanguaçu, Itajá, Mossoró, Serra do Mel, Pendências e Upanema.

427.634 8.025,70

Petrolina- Juazeiro

Lagoa Grande/PE, Petrolina/PE, Orocó/PE, Santa Maria da Boa Vista/PE, Casa Nova/BA, Curaçá/BA Juazeiro/BA e Sobradinho/BA.

686.410 33.432,30 *População estimada para o ano de 2010 de acordo com o Censo de 2010 publicado pelo IBGE Fonte: Elaboração Própria.

Na trajetória do Polo Petrolina-Juazeiro, como se observou na tabela 2, os primeiros perímetros foram finalizados entre os anos 1970 e 1980. O PDRI tinha como objetivo principal integrar a produção com a agroindústria e os mercados. E este processo seria viabilizado aproveitando-se de incentivos fiscais para a criação e instalação de empresas processadoras na região Nordeste. É neste cenário que se instala no Polo Petrolina a Cicanorte5 e, assim, articula uma forte produção de hortaliças, destacando-se o tomate e, em segundo plano, a cebola (SILVA, 2001). Do mesmo modo, o Polo Açú-Mossoró também se utilizou destes mecanismos de incentivos fiscais para a constituição do seu polo, ainda nos anos 1970. A primeira experiência da região se deu através da produção de caju, por meio da Mossoró Agroindústria S.A. (MAISA).

A instalação das agroindústrias do Nordeste, conforme delineava o PDRI, se deu no contexto de um Estado brasileiro ainda sob a ótica desenvolvimentista, o qual utilizava incentivos fiscais, bem como, a disponibilidade de crédito abundante para o financiamento dos diversos programas de integração da agroindústria, dentre eles o POLONORDESTE, que

5 A Cicanorte refere-se à Agroindústria de produção de polpa de tomate que se instalou no Polo Petrolina-

tinham tanto o objetivo de integrar os mercados, como também de promover as exportações. Estes programas buscavam modernizar a agricultura, sincronizando um arranjo entre os fornecedores de insumos e o setor a montante da agricultura financiado pelo Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) que também tinha vinculação com o Fundo Geral para Agricultura e Indústria (FUNAGRI) (BELIK, 1992). Um dos principais instrumentos utilizados para viabilizar a instalação de empresas na região Nordeste foi o FINOR6.

No entanto, como aponta Silva (2001), o grande ponto de inflexão nos perímetros irrigados se deu em meados dos anos 80, período em que a fruticultura irrigada começa a apresentar destaque. Esta inflexão, como detalha Silva (2001), é oriunda da crise da agricultura agroindustrial, que passa, à época, a sofrer com o fim dos incentivos fiscais, o qual teve como motivação a crise fiscal que o Estado começou a enfrentar na década de 1980. Esta crise também mudou a perspectiva de desenvolvimento, e o país agora necessitava de divisas para contrabalancear as contas externas, deficitárias, e, por isso, iniciou-se a promoção de uma produção voltada ao interesse do mercado internacional. Desse modo, o caminho encontrado foi a inserção de frutas tropicais para serem consumidas em natura. Essa transformação se deu face à transfiguração do SAM, brevemente sumarizadas até aqui, mas que serão alvo de uma abordagem detalhada no próximo capítulo.

Além dessa conjuntura nacional e internacional, Silva (2001) aponta para um aspecto local importante no Polo Petrolina-Juazeiro, o qual permitiu uma nova guinada na produção. Esse autor afirma que se consolidou, no desenvolvimento do Polo Petrolina- Juazeiro, a produção baseada na grande empresa produtora. Esse fato permitiu que se consolidasse uma governança privada através de associações, com maior destaque à Valexport7, a qual passou a representar os interesses destes grandes produtores instalados na região. Este processo também pode ser observado no Polo Açú-Mossoró, pois este também se consolidou apoiado na grande empresa produtora, como corrobora Nunes (2009). É sob o comando destes grandes empresários articulados, os quais, apesar de não terem constituído uma cooperativa, tal como no Polo Petrolina-Juazeiro, organizaram uma associação privada para coordenar os interesses destes produtores, que foi o Comitê Executivo de Fitossanidade do Rio Grande do Norte (COEX).

É diante desta conjuntura, nos primeiros anos da década de 1990, que os polos irrigados do Nordeste aqui destacados se consolidam como importantes produtores de frutas.

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Benefício fiscal concedido pelo Governo Federal, criado pelo Decreto-Lei nº 1.376, de 12/12/1974. Fundo de Investimentos do Nordeste – FINOR.

7 A Valexport foi criada em 1988 para representar os interesses dos produtores da região do Polo Petrolina-

Essa produção era sustentada pela presença de grandes empresas/fazendas produtoras especializadas na produção de frutas para o mercado internacional, como já evidenciado na seção anterior.

Portanto, a partir de então, o Polo Petrolina-Juazeiro se especializou na produção de uva de mesa e de manga, sendo responsável por mais de 90% da exportação nacional desses produtos, como já apresentado na seção anterior. Entretanto, o polo apresenta uma estrutura de comercialização diversificada, a qual abarca tanto o mercado internacional quanto o mercado interno (SOBEL, 2011; CAVALCANTI, 1999). No entanto, os grandes produtores destinam sua produção aos mercados externos e concentram sua produção em mangas e uvas, especialmente na variedade sem semente. Por sua vez, os pequenos produtores geralmente se limitam aos mercados locais, com uma produção mais diversificada e engloba, além da uva e da manga, acerola, banana, goiaba e coco (CASTRO, 2013).

O Polo Açú-Mossoró tem como principal característica a forte especialização na produção de melão, tendo cerca de 12 mil hectares cultivados desta cultura. Com relação à sua comercialização, observa-se uma forma de organização semelhante ao do Polo Petrolina- Juazeiro, no qual os pequenos produtores escoam suas produções para centrais de abastecimentos (CEASAS) e mercados locais, enquanto os grandes produtores exportam cerca de 80% de sua produção (OLIVEIRA, 2011). Deste total exportado, cerca de 70% tem como destino a Europa, sendo os principais países compradores o Reino Unido, que absorve entre 35% e 40% das exportações totais, e a Espanha, que adquire aproximadamente 30% do total exportado. Contudo, com a crise financeira mundial desencadeada em 2008, o setor sofreu uma perda entre 30% e 50% das exportações em relação ao período 2006/2007 (CRISTONI, 2013).

Esta organização dos mercados de fruticultura, que ocorre de maneira semelhante em ambos os polos, é evidenciada nos trabalhos de Velloso e Primo (2006), os quais investigaram a estrutura da cadeia produtiva da manga no Polo Petrolina-Juazeiro; como também no trabalho de Araújo e Campos (2011), os quais encontram a mesma forma de arranjo da cadeia logística do melão no Polo Açú-Mossoró. Esta estrutura é sintetizada na figura 2, a seguir, desenvolvida por Velloso e Primo (2006).

Figura 3 – Cadeia Produtiva da Fruticultura Irrigada dos Polos Irrigados do Nordeste

Fonte: Velloso; Primo, 2006.

Apesar da semelhança na estrutura da cadeia produtiva os polos Açú-Mossoró e Petrolina-Juazeiro, como mencionado anteriormente, as regiões apresentam diferenças importantes. Um primeiro fato refere-se aos tipos de cultura, o melão, especialidade do Polo Açú-Mossoró, é uma cultura temporária8, no Polo Petrolina-Juazeiro, por outro lado, a produção tanto da uva como da manga são culturas permanentes. Esta diferença tem impacto importante na lógica econômica, tanto na ótica de produção, como também no retorno do investimento. Em termos de investimento, a uva leva cerca de 3 anos para atingir uma produção estável, enquanto a manga leva entre 5 e 6 anos para conseguir atingir este estágio. No caso do melão, a maturação da planta tem ciclo inferior a um ano e alguns produtores chegam a colher seis safras por ano. Este fato implica importantes aspectos que diferenciam as culturas predominantes nos Polos, tais como: risco, rentabilidade do investimento e, principalmente, custos – considerando desde custos clássicos de produção (fixo e variáveis) e custos de oportunidade, como também custos de transação, o qual será mais bem explorando adiante.

As formas de coordenação e modo como os custos de transação impactam nas relações entre os agentes nos mercados dos dois polos será alvo de uma análise mais profunda no capítulo 5, no qual serão apresentados os dados da pesquisa de campo – realizada para esta tese – a respeito da coordenação dos mercados nos polos de fruticultura irrigadas do Nordeste.

Portanto, a respeito dos Polos de fruticultura irrigada do Nordeste destacados nesta seção, sua abordagem será compartimentada da seguinte forma na próxima seção, serão abordado os impactos das transformações do Sistema Agroalimentar Mundial sobre o conjunto dos FLV nos últimos 30 anos, como também serão abordados, individualmente, os mercados de melão e a inserção e comportamento do Polo Açú-Mossoró. Serão abordados, ainda, os mercados de manga e uva e a trajetória do Polo Petrolina-Juazeiro.