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CAPÍTULO 2 – ASPECTOS TEÓRICOS DA REORGANIZAÇÃO DO SAM E AS NOVAS

2.3 A coordenação dos mercados no novo SAM: algumas considerações sobre o capítulo

Neste capítulo, buscou-se esclarecer dois pontos teóricos importantes que sustentam este trabalho. Primeiramente, foram descritas, de maneira sistemática, as alterações nas configurações do sistema agroalimentar mundial e as suas consequências no comércio global. O segundo aspecto importante foi o da busca por uma teoria que permitisse entender a organização dos mercados e dos agentes que compõem tal sistema. A partir do esclarecimento destes dois pontos, será possível ter um marco teórico de análise para responder as questões de pesquisa levantadas na introdução desta tese.

A relação institucional entre agentes e o marco institucional é o ponto central da dinâmica que caracteriza o sistema econômico. No âmago desta dinâmica está centrada a íntima inter-relação entre as organizações e as instituições, pois os agentes estão sempre buscando melhorar suas habilidades e capacitações para adotarem estratégias que otimizem seus resultados, tendo em vista a matriz institucional. Diante disso, pode-se estabelecer como fator crucial a relação entre o ambiente institucional, levando em conta o embeddedness de algumas instituições com a governança dos agentes e a forma com que estes agentnes irão tomar suas decisões e alocar os seus recursos.

Observa-se que as mudanças no SAM levaram à alteração nas formas de coordenação das cadeias de produção agroalimentares, as formas híbridas passaram a ter um papel cada vez mais central (MÉNARD & KLEIN, 2004; MARTINEZ, 2002). As formas de governança híbridas envolvem um enorme espectro de formas de coordenação como redes,

joint-ventures, franquias, boards, alianças estratégicas, entre outras (MÉNARD, 2011). Estas

formas híbridas emergem no sistema agroalimentar devido a alterações que ocorrem no ambiente institucional que regem os diversos agentes que atuam nas cadeias alimentares globais. Assim, as formas de coordenação em rede – que envolvem contratos de cooperação – passam a se intensificar. Isso ocorre na medida em que há o aparecimento de grandes centros de distribuição que passam a agir de forma oligopolista na aquisição de produtos alimentares em combinação com produtores dispersos. Além do mais, a nova postura do consumidor, ao exigir produtos de qualidade, também tem um papel central no estabelecimento desta forma de governança (MÉNARD & KLEIN, 2004). Os contratos evitam os elevados custos de

integração vertical completa, bem como reduz as incertezas e os comportamentos oportunistas que podem emergir de formas de mercado mais descentralizadas.

Diante disso, observam-se diversas formas contratuais que emergem diante da complexidade envolvida nas transações no ambiente econômico. Como afirma Zylbersztanj (2005), as relações contratuais, sejam elas formais ou informais, se estabelecem ao redor dos agentes do meio rural (produtores, traders, firmas processadoras, supermercados, centrais de distribuição fornecedores de insumos). Desse modo, os diversos tipos de contratos podem ser compreendidos como explicitado no quadro 2.

Quadro 2 – Tipos de Contratos

Tipo de Contrato Definição Exemplos

Equipamentos Aluguel de equipamentos Tratores e máquinas

Trabalho

Contratação de serviços qualificados ou não qualificados com base em um período de tempo com preço estabelecido

Sistema de Parceria

Terra Aluguel de terra Arrendamento

Comercialização

Acordo entre duas partes para distribuição da produção de um determinado produto

Centrais de distribuição e Redes Varejistas

Produção

O produtor produz obedecendo a especificações atribuídas a ele pelo contratante

Comum na cadeia de aves e suínos

Serviços Contratam-se serviços especializados

para realizar uma determinada tarefa Terceirização Fonte: Adaptado de Allen e Lueck (2008).

Este amplo espectro de mecanismos de coordenação contratuais emerge da complexidade que envolve as transações e o ambiente institucional, como debatido na seção anterior. Ménard e Klein (2004) observaram diferentes estruturas de governança para produtos semelhantes. Eles demonstram que as formas de coordenação em rede avançaram mais na Europa do que nos Estados Unidos. Segundo os autores, na Europa, as regras enraizadas em tradições tiveram um papel importante na medida em que a propriedade da terra passa de forma geracional – mantendo-se nas mãos das famílias – bem como quando as regras informais baseadas em costumes e convenções dos consumidores passaram a exigir melhor qualidade e certificação dos produtos. As regras formais também tiveram influência

em tal processo, principalmente a partir da política agrícola europeia de dimensão ambiental, a qual abrandou a transição para a modernização da agricultura. Estas mudanças requereram uma forma de coordenação que possibilitasse atender as novas posturas dos consumidores e do comércio agroalimentar europeu e mundial sem onerar os agentes com altos custos de uma coordenação centralizada. Assim, percebe-se de maneira explícita o ganho de notoriedade das formas de coordenação em rede e através de contratos avançaram como mecanismos de coordenação de maneira explícita (MÉNARD & KLEIN, 2004).

Em outro estudo, Martinez (2002) reforça o papel da relação institucional na coordenação dos mercados ao analisar as cadeias produtivas de ovos, aves e suínos nos Estados Unidos. O autor demonstra que as formas híbridas se destacam como mecanismos de governança utilizados pelos agentes nas cadeias analisadas por ele. No entanto, essas formas híbridas de governança, nas cadeias por ele estudadas, apresentam diferenças importantes, principalmente na construção de seus contratos. Martinez (2002) divide os contratos em dois tipos: contratos de comercialização e contratos de produção. Nos contratos de comercialização, são definidos o esquema de fornecimento, metodologia de precificação e características do produto (de forma que o contratante interfere pouco na decisão de produção do contratado). Por sua vez, nos contratos de produção, o contratante interfere em várias decisões do produtor e detém posse de insumos importantes de produção.

Nos Estados Unidos, percebem-se diferenças importantes nas cadeias de produção de aves, suínos e ovos. Na produção de ovos e aves, os contratos de produção são mais utilizados. Na produção suína, os contratos de comercialização são mais comuns. Esta diferença se dá em parte devido à maior especificidade do ativo na produção das aves e ovos, os quais têm uma maior perecibilidade. Por outro lado, na cadeia de suínos, devido ao desenvolvimento de uma certificação de qualidade, permitiu-se uma coordenação menos centralizada. Esta certificação foi desenvolvida como National Pig Development hogs, que garante uma melhor qualidade na linhagem de porcos por ela fornecidos, a qual é utilizada amplamente pelos produtores de suínos (MARTINEZ, 2002). Por outro lado, na indústria de produção de porcos canadense optou-se por uma diferente forma de coordenação, adotou-se a estratégia de marketing boards, como destacam Royer, Ménard e Gouin (2012). Nesta forma de coordenação, os produtores de suínos da região de Québec tanto reduziram assimetria de informação ao longo da cadeia como conseguiram melhorar a qualidade da produção. Os autores classificam essa forma de coordenação como um modo de governança híbrida, constituída por um emaranhado de contratos.

Outra análise importante sobre os contratos nas cadeias agroindustriais está em Silveira et al. (2014), os quais destacam a existência de formas plurais na governança entre frigoríficos e pecuaristas na cadeia de carnes. Os autores destacam que existem empresas que combinam as formas de integração vertical com contratos de longo prazo e, até mesmo, contratos relacionais dependendo do ambiente institucional e do ambiente competitivo em que a firma está envolta. Este debate abre novos horizontes na discussão da coordenação econômica dentro do SAM.

Portanto, este capítulo explorou uma visão mais ampla do conceito de mercado, focando na centralidade dos indivíduos. Logo, para compreender as formas de organização dos agentes nos polos irrigados do Nordeste, alvos de estudo desta tese, é importante compreender o macro ambiente e as escolhas individuais. Assim, desenvolveram-se dois procedimentos metodológicos: o primeiro trata da análise de redes para descrever a evolução do cenário macro tendo em vista as transformações no SAM; e o segundo método constituiu- se de uma pesquisa de campo aplicada com questionários estruturados, através da qual se buscou observar as formas contratuais adotadas nos Polos. Estes métodos serão detalhados no próximo capítulo.