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CAPÍTULO 2 – ASPECTOS TEÓRICOS DA REORGANIZAÇÃO DO SAM E AS NOVAS

2.1 As Transformações do Sistema Agroalimentar Mundial

Diversos autores afirmam que o Sistema Agroalimentar Mundial passou por profundas transformações (FRIEDMAN, 1993; MARINOZZI, 2000; WILKINSON, 2008; BELIK, 2007). Tais mudanças foram consequências de uma gama de fatores que reestruturaram as características da oferta, assim como, também, de alguns elementos importantes que alteraram os padrões de demanda nas últimas décadas. Diante disso, esta seção pretende elucidar o que a literatura vem levantando sobre as transformações citadas – tanto pelo lado da oferta quanto da demanda – e o impacto causado na configuração do SAM. Este processo de reestruturação dos mercados agrícolas não é linear e com fatos diretamente atrelados uns aos outros, essas transformações foram ocorrendo concomitantemente. Sendo assim, a divisão adotada aqui é meramente didática e fruto de um esforço intelectual para a compreensão deste novo cenário. Portanto, analisar-se-á cada um destes pontos.

O processo de transformação do Sistema Agroalimentar mundial, de acordo com Friedmann (1993), iniciou-se no final dos anos 70, pois é a partir de então que se começa a desmantelar o modelo estabelecido no imediato pós-guerra (1946). Este modelo, consolidado após a II Guerra Mundial, caracterizava-se por um forte protecionismo dos Estados Nacionais ao setor agrícola, o que, de certa forma, colocava travas no desenvolvimento do comércio internacional, impedindo a ampliação e o aprofundamento da 2ª Revolução Agrícola e do padrão de alimentação hegemônico para todo o mundo. Todavia, a reforma do sistema internacional de comércio forçou uma forte integração entre os setores da economia e a difusão das modernas técnicas agrícolas de produção, possibilitando, com isso, a massificação

do consumo de alimentos como a carne bovina e o seu sistema de produção baseado nos grãos e oleaginosas (FRIEDMANN, 1993).

A derrocada deste antigo modelo, como já referido, iniciou-se a partir de mudanças nos padrões de consumo da população mundial e de transformações no mecanismo de oferta. Entretanto, Friedmann (1993) insere outro ponto importante a ser considerado, o qual traçaria um novo pano de fundo a partir da década de 1980, que seria o intenso embate entre os países a respeito da competição nos mercados agrícolas. Esse processo ocorre com a intensificação da globalização, que promoveu um acirramento da competição nos mercados de produtos agrícolas, os quais passam a ser um dos principais campos de embates entre as nações, com várias rodadas de negociações organizadas pelo GATT9 e depois pela OMC10 (BURFISCHER, 2000).

Como já mencionado, algumas alterações importantes aconteceram na demanda, nas últimas décadas. No imediato pós-guerra, a demanda por produtos alimentares se caracterizou por ter uma alta inelasticidade de renda da demanda, uma vez que, com a introdução de inovações tecnológicas na agricultura, processo denominado de revolução verde11, os preços dos produtos agrícolas tiverem queda, fazendo com que a população pudesse direcionar apenas uma pequena parte de sua renda para o consumo de alimentos de primeira necessidade (FRIEDMANN, 1993 REARDON & BARRET, 2000). Contudo, nas décadas finais do século XX, puderam ser observadas mudanças fundamentais no padrão de consumo da população em relação aos produtos agrícolas, como ressalta Milone (2009), aspectos ambientais, segurança e qualidade dos alimentos passaram a ter um papel importante para os consumidores. Com essas mudanças, as preferências dos consumidores sofreram sensíveis alterações e, a partir de então, novas exigências aos produtos passaram a ser impostas, tais como maior preocupação com as questões ambientais, qualidade nutricional e, mesmo, aspectos sociais que envolvem a produção (WILKINSON, 2008; RAUPP, 2010; BELIK, 2007).

Dessa forma, essas mudanças romperam com o padrão de consumo em massa que havia se estabelecido nos mercados agrícola. No antigo modelo do SAM, o perfil do consumo permitia um processo de commoditização dos produtos alimentares. Além disso, com a maior

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Sigla em inglês, que significa Acordo Geral de Tarifas e Comércio. É um documento que incorpora os acordos consolidados na OMC.

10 Organização Mundial do Comércio. É uma instância supranacional que tentam mediar as negociações entre os

países no comércio internacional.

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O termo Revolução Verde ficou conhecido por um processo de adoção tecnológica na agricultura, na segunda metade do século XX, e fez aumentar a oferta de alimentos, via ganhos de produtividade, através da incorporação de bens de capital na produção agrícola.

participação das mulheres no mercado de trabalho e a necessidade de reduzir o trabalho doméstico na preparação de alimentos, a indústria coloca no mercado alimentos com maior intensidade no processamento. Todavia, com uma maior preocupação com aspectos de saúde, os consumidores passam a mudar suas dietas para produtos que apresentem aspectos naturais e seguros, valorizando requisitos como o frescor do alimento consumido (REARDON & BARRET, 2000).

Como apontam Ménard e Valceschini (2005) os consumidores passaram a ser mais aversos ao risco, este fato ocorre na medida em que estes começaram a valorizar requisitos específicos nos alimentos. Diante disso, alguns autores desenvolveram estudos sobre as especificidades dos ativos em torno da qualidade criada/reconhecida pelos agentes, esta vertente de pesquisa é denominada Economia da Qualidade. Valceschini e Berthet (2005) apontam que, diante dessa nova atitude dos consumidores, houve o desenvolvimento de uma variedade de selos e certificações que passaram a indicar aos consumidores as características desejadas, garantindo, assim, os atributos ansiados. Esta alteração na demanda, cada vez mais ávida, por produtos com especificidades, implica transformações na estrutura de oferta do SAM. Para atender a esta nova demanda, as cadeias de produção têm uma maior necessidade de coordenação entre os elos produtivos. Além do mais, como apontam Valceschini e Berthet (2005), esta nova demanda, por ser mais específica, é mais pessoal e segmentada, o que exige uma reorganização da composição da oferta que, até então, estava focada no abastecimento de um mercado de massa homogêneo.

Diante disso, cabe agora entender os novos aspectos da oferta na reestruturação do SAM. Considerando isso, um ponto importante é o processo de maior internacionalização das economias, que passa a ocorrer no último quarto do século XX devido ao avanço do processo de globalização. Esse processo foi possibilitado por inovações tecnológicas que ocorrem nas tecnologias de informação e de comunicação (TIC’s), nos sistemas de transporte, mas, principalmente, em tecnologias de pós-colheita de produtos agrícolas. Tais inovações, em consonância com a abertura comercial dos países, possibilitaram a entrada de novos players no mercado agroalimentar mundial, conduzidos pelas trading companies. Novas potências surgiram no comércio mundial e os grandes exportadores ficaram conhecidos como Newly

Agricultural Countries (NAC’s).

Os NAC’s eram constituídos principalmente por países latino-americanos, destacando-se o Chile e o Brasil. Esse último sempre foi um grande exportador de produtos primários, mas sua nova inserção no comércio internacional se faz em novas bases, com novos produtos e com um sistema de distribuição atualizado. Esses países ampliaram a oferta

dos produtos comercializados, principalmente na época do inverno do hemisfério norte, período que a oferta dos países tradicionais na comercialização era reduzida. Este mecanismo é conhecido como oferta de contra-estação (GRAZIANO DA SILVA, 1998; SILVA, 2001).

Na realidade, o ganho de protagonismo dos países latino-americanos no mercado mundial é decorrente de um processo da inserção dos capitais transnacionais nos países que compõem a América Latina. Estes se concentraram no setor manufatureiro e no emergente complexo agroindustrial que se constituía em países como Brasil, Chile, Argentina e México. A sua inserção ocorreu tanto no ramo de insumos (fertilizantes, química, mecânica), como também no de empresas agroprocessadoras a montante e no setor de distribuição. Este processo permitiu o desenvolvimento do setor agroindustrial destes países, deixando para trás o estigma de “República das Bananas”, isto é, países “monocultores” que tinham sua pauta de exportação sustentada por um produto, seja café, banana, açúcar etc. É a partir desta intensificação dos capitais estrangeiros no continente que passaram a ocorrer ganhos de produtividade no setor, ampliando, assim, o poder de mercado das exportações desses países não só para os produtos tradicionais, como também para soja, frutas, vegetais e carne (BURBACH & FLYNN, 1980).

Desse modo, esta alteração no ramo da oferta de produtos agrícolas não se limitou somente à ampliação da quantidade ofertada no comércio mundial, houve também uma maior diversificação dos produtos comercializados, bem como na massificação de alguns produtos antes tido como exóticos, os quais eram comercializados em comércio de nichos e em pequena escala. Isso se deve ao fato de muitos desses NAC’s serem países latino-americanos, o que elevou a oferta de produtos característicos do clima de tal região. Esses novos produtos compõem principalmente o grupo de FLV (Frutas, Legumes e Verduras), os quais são comercializados, em grande parte, ainda frescos (WILKINSON, 2008; RAUPP, 2010; BELIK, 2007; FRIEDMANN, 1993; MARINOZZI, 2000).

Portanto, as mudanças no perfil da demanda pressionaram uma restruturação na oferta, saindo do modelo de consumo em massa para um modelo baseado no consumo diversificado apoiado em especificidade e qualidade dos produtos (MILONE, 2009). Burbach e Flynn (1980) apontam que esta mudança é percebida pelos capitais transnacionais, os quais, a partir de então, passaram a se apropriar dos canais de comercialização, se consolidado como grandes brokers, redes de supermercados, e, assim, estendendo seu raio de ação para os novos produtos (BURBACH & FLYNN, 1980).

Essa nova configuração internacional, estabelecida com a mudança do perfil da demanda em conjunto com estes novos agentes no mercado internacional, implicou no

aumento do volume de comercialização de frutas frescas, como visto no capítulo 1. Vale mencionar que a predominância do comércio mundial é de frutas de clima temperado. No entanto, a entrada dos países latino-americanos alavancou o comércio de frutas tropicais no Sistema Agroalimentar Mundial (FUNCKE et al., 2009).

Este crescimento na comercialização, em termos globais de novos produtos, se deu em grande medida devido a alterações no cenário político-econômico ocorrida em meados dos anos 70, principalmente devido a um novo posicionamento dos Estados Unidos sobre a sua política agrícola. Após um período virtuoso de grandes lucros obtidos pelos

farmers americanos, no imediato pós-guerra, devido à política protecionista ao setor e de

colocação de excedentes no mercado internacional, os EUA enfrentaram as consequências de sua postura de rejeitar qualquer acordo internacional sobre a agricultura e de suas medidas protecionistas.

Nesse período, o modelo americano de condução do setor agrícola doméstico era baseado na proteção de seu mercado interno, através do controle da importação de produtos agrícolas e manutenção dos preços altos via compras governamentais. Além do mais, existiam políticas de subsídio para os exportadores visando a inserção das commodities, principalmente de grãos, nos mercados internacionais. Assim, esse modelo foi implementado pelos demais países após o fim da II Guerra Mundial e consolidou-se na ordem econômica mundial como um forte protecionismo ao setor agrícola (BURBACH & FLYNN, 1980; FRIEDMANN, 1993).

Entretanto, o setor agrícola americano passou entrou em crise, em meados dos anos 1970, em decorrência de sua própria política de garantia de renda aos agricultores, os quais eram instigados, por exemplo, a aumentar a produção em função das compras governamentais (“set aside”) que sustentavam as rendas dos produtores. No entanto, tal medida gerava cada vez mais a necessidade de maiores gastos orçamentários do Governo Federal. A partir de então, o Estado estadunidense passou a defender o fim dos subsídios e a incentivar o livre comércio, isso com a intenção de expandir seus produtos agrícolas com maior impulsão do que havia feito na Europa e nos países do terceiro mundo, numa política comercial travestida de programa de ajuda (BURBACH & FLYNN, 1980; FRIEDMANN, 1993).

A partir de meados dos anos 80, houve um processo de intensificação da concorrência entre os países no mercado internacional. Esse fato está vinculado à mudança de rota da política agrícola dos EUA e, também, à inserção de novos países no cenário global da comercialização de alimentos. Com esta nova configuração política dos EUA, e com os novos

países em cena, passou a haver uma maior diversidade de oferta – tanto no que se chama de oferta de contra-estação, produtos vendidos na entressafra – como também permitiu a inserção de novos produtos. Alguns produtos, como já mencionado, antes considerados exóticos, passaram a ter uma maior inserção e, também, um forte apelo frente ao novo perfil da demanda, que estava cada vez mais saindo do mercado de massa para um modelo flexível e segmentado. Além do mais, os NAC’s como, por exemplo, o Brasil, obtiveram fortes ganhos de produtividade devido à absorção tecnológica e à consolidação de suas agroindústrias que passaram a competir fortemente no mercado de commodities tradicionais, como a soja, fazendo frente com os EUA, e isso fez aumentar ainda mais a competição em nível global (BURBACH & FLYNN, 1980; FRIEDMANN, 1993).

Diante disso, deflagraram-se, nos anos 80, disputas entre os países desenvolvidos que dominavam o comércio internacional e os países emergentes que adentraram no cenário com a globalização. No cerne deste embate, podem ser elencados dois pontos principais: i) a questão dos subsídios destinados à produção agrícola; ii) Aspectos de qualidade e segurança de alimentos e delimitação das barreiras sanitárias (BURFISHER, 2000; BUSCH & BAIN, 2004).

Estas disputas culminaram com várias rodadas de negociações através de órgãos supranacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Tais negociações se arrastaram por vários anos devido à relutância de alguns países, principalmente alguns europeus, que não aceitaram a maior abertura dos mercados decorrente da queda do protecionismo. Após um processo de várias rodadas de negociações – ocorridas inicialmente em meados dos anos 1980 e em 1995, na Rodada de Negociações da OMC, ocorrida no Uruguai – foram selados alguns acordos e, a partir de então, os países se comprometeram a diminuir os subsídios agrícolas e, na ocasião, foram estabelecidas regras sanitárias que compatibilizassem o comércio entre os países (BURFISHER, 2000; BUSCH & BAIN, 2004). Em relação às políticas de subsídios agrícolas, especificamente, decidiu-se, na Rodada do Uruguai, uma redução ampla que atingia todos os conjuntos de países, sendo que os países desenvolvidos deveriam cortar seus subsídios agrícolas numa média de 36% para todos os produtos, obedecendo a um corte mínimo de 15%, este corte deveria ter como base os valores do período 1986-1990. Por sua vez, os países em desenvolvimento deveriam fazer cortes de 24%, em média, em relação a todos os seus produtos, tendo com piso de corte mínimo o valor de 10% (THORSTENSEN, 2003).

No Brasil, estas novas diretrizes de comércio internacional culminaram em reformas, implicando o fim ou a redução drástica de algumas políticas de apoio à produção

agrícola, tais como: subsídios, garantia de preços e aquisição de estoques pelo governo. No entanto, no arcabouço do novo delineamento das políticas agrícolas brasileiras não houve apenas o fim de incentivos, os produtos destinados à exportação receberam um “auxílio” com a queda das tarifas de exportação. Este fato foi importante para a pujante inserção no comércio internacional de alguns produtos brasileiros, como já citados no capítulo 1 (BURFISHER, 2000).

Este novo cenário de menor protecionismo nos mercados agrícolas permitiu um avanço significativo no comércio mundial entre a segunda metade dos anos 90 e os anos 2000, como ficou evidenciado no capítulo 1. No entanto, esta introdução e ampliação do mercado para estes novos produtos só foi possível devido aos avanços tecnológicos nas técnicas de colheita e, principalmente, de pós-colheita, como o armazenamento, packing e resfriamento; pois grande parte destes produtos é destinada para o consumo in natura (WILKINSON, 2008; SILVA, 2001).

Se por um lado os mercados agrícolas passaram a se integrar mais, devido à maior integração dos mercados através da queda das políticas protecionistas, por outro lado, o outro debate a respeito das regras sanitárias ainda vem se desdobrando. Esse tema sobre a segurança alimentar emergiu a partir da nova postura do consumidor em busca de qualidade (RAUPP, 2010; BELIK, 2007; FRIEDMANN, 1993). A demanda por qualidade dos consumidores desembocou no surgimento de vários selos e certificados, visando atestar características peculiares dos produtos. Esse fenômeno impactou nas cadeias produtivas agroalimentares à medida que os produtores tiveram que reorganizar suas rotinas produtivas, adaptando-se às exigências de certificações (WILKINSON, 2008). A obtenção destas certificações passou a ser feita mediante o monitoramento das práticas agrícolas dos produtores e dos seus produtos. Esse processo passou a ser feito, em parte, por órgãos estatais, no entanto, rapidamente, organizações privadas passaram a ter um forte peso. Por exemplo, grandes centros distribuidores, supermercados e organismos que representam os varejistas globais passaram a disseminar suas próprias certificações que garantem determinados critérios de qualidade de determinado produto de acordo com suas regras, as quais nem sempre são homogêneas, e isso levou ao aparecimento de dezenas de selos e certificados (BUSCH & BAIN, 2004).

Percebe-se, portanto, que o SAM foi cada vez mais se distanciando do modelo antigo de produção em massa e se aproximando de um sistema de fornecimento flexível (demand pull) inspirado nos conceitos do modelo Just-in-time, em que os produtores passam a oferecer produtos diferenciados, respeitando especificidades demandadas (BELIK, 2007; WILKINSON, 2008). A emergência de um sistema similar à produção flexível industrial com

maiores exigências de qualidade por parte dos consumidores abriu espaço, no cenário global, para grandes redes varejistas de distribuição atuando como players na comercialização dos produtos (BELIK, 2007).

Essa mudança na constituição dos mercados tem impacto na coordenação dos mercados agroalimentares. As redes de supermercados, atacadistas, traders e brokers se consolidam como agentes centrais na arquitetura dos mercados agroalimentares globais. O novo modelo flexível que passou a vigorar faz com que estes agentes centrais utilizem novas formas de coordenação das transações, tais como as redes de distribuição e contratos flexíveis com agricultores (MÉNARD & KLEIN, 2004; BELIK & CHAIM, 1999; WILKINSON, 2008).

Os novos players se tornaram influentes no mercado agroalimentar a partir de um forte processo de concentração, tanto na Europa como nos Estados Unidos (SEXTON & LAVOIE, 2001). Sendo assim, o mercado se estruturou num oligopsônio em que algumas grandes redes detêm parcelas crescentes das vendas, e esta apropriação de grandes fatias dos mercados agroalimentares se deu mais fortemente a partir do processo de segmentação dos mercados impostos pelo novo modelo do SAM. Essa segmentação é causada pela nova conjuntura do SAM, que alinha as novas preferências dos consumidores e a ampliação da oferta em torno de um modelo flexível (VALCESCHINI & BERTHET, 2005).

Valceschini e Berthet (2007) também apontam para o processo de diferenciação de preço que esta segmentação de mercados produz, uma vez que os consumidores estão mais predispostos a consumir produtos com aspectos peculiares. Sendo assim, tais produtos passam a ter maior valor considerando a percepção de qualidade atribuída pelo consumidor, o que a literatura chama de quase-renda, que é um valor a mais que um produto recebe por apresentar alguma característica peculiar percebida pelos próprios agentes.

Observa-se, então, que o SAM, nessa sua nova fase, passa por um processo de

descommoditização dos produtos (SAES, 2007), antes homogeneizados para serem

consumidos em massa. O modelo flexível puxado pela demanda, como destaca Belik (2007), é, em grande medida, implementado pelos novos agentes centrais: redes de supermercados, grandes varejistas e atacadistas. Esse novo modelo tem sua nova dinâmica centrada na geração de quase-rendas, a qual é obtida através de investimento em ativos específicos (KLEIN et al., 1978).

Estas quase-rendas são alvo de disputa nos elos das cadeias, como destaca Saes (2007), desse modo, produtores, processadores, traders e redes de distribuição buscam a apropriação total (holdup) ou de, pelo menos, uma parte considerável deste valor gerado pela

especificidade intrínseca ao produto. Em vista disso, diante de um maior grau de especificidade incorporado aos produtos, as relações entre agentes passam a envolver custos transacionais. Portanto, os agentes devem buscar novas formas de organização que incorporem esses custos das transações, como abordou Coase (1937).

Na reestruturação dos mercados agroalimentares houve um ganho de protagonismo do ramo dos FLV para serem consumidos in natura. Por sua vez, esses