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CAPÍTULO 5 O PAPEL DOS CONTRATOS NOS MERCADOS DE FRUTICULTURA DO

5.2 Os mercados da ótica dos produtores do Polo Açú-Mossoró e Petrolina Juazeiro

Os mercados agrícolas, como aborda Tordjman (1998), podem se apresentar de maneiras distintas, mesmo em se tratando do mesmo produto. Assim, os produtores se defrontam com diversos mercados que obedecem algumas instituições/regras que lhes exigem características singulares. Os mercados agroalimentares passaram por profundas alterações, originadas a partir de mudanças estruturais do SAM, bem como de choques econômicos.

Diante disso, na última década, ocorreram eventos que modificaram a organização dos produtores. No âmbito externo, a crise econômica de 2008 fez com que os mercados internacionais tivessem uma baixa considerável na demanda, o que afetou o desempenho dos produtos nos polos, como já destacado na análise de redes no capítulo anterior. Esta queda de desempenho nos mercados internacionais de frutas parece ter sinalizado uma mudança nas estratégias dos produtores dos Polos analisados. A partir dos dados exibido no gráfico a seguir, é possível observar que no Polo Petrolina-Juazeiro os produtores passaram a concentrar uma grande parcela de suas produções para o mercado interno. Observa-se que 78% dos produtores de uva do Polo Petrolina-Juazeiro destinaram toda a sua produção para o mercado doméstico, enquanto apenas 2% dos produtores escoaram 100% da sua produção para exportação.

Gráfico 47 – Percentual da Produção de Uva Destinada pelos Produtores para Exportação e Mercado Interno

Fonte: Elaborado a partir dos dados da Pesquisa de Campo realizada em 2014.

No mercado de manga, a preponderância do mercado interno como destino da produção é maior em relação à da uva, como ilustra o gráfico a seguir, uma vez que mais de 90% dos produtores destinaram sua produção para o mercado doméstico, enquanto uma parcela de 3% dos produtores destinam 100% da sua produção para exportação.

Gráfico 48 – Percentual da Produção de Manga Destinada pelos Produtores para Exportação e Mercado Interno

Fonte: Elaborado a partir dos dados da Pesquisa de Campo realizada em 2014.

Assim, em relação de escoamento dos produtos nos mercados emerge outra diferença considerável entre os Polos Petrolina-Juazeiro e Açú-Mossoró. Como se observou

78,26 1,087 2,174 2,174 2,174 4,348 1,087 3,261 1,087 2,174 2,174 0 20 40 60 80 Po rce nt ag em D est in ad a a Exp ort açã o 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Porcentagem dos Produtores de Uva

91,74 0,8264 0,8264 0,8264 0,8264 0,8264 0,8264 3,306 0 20 40 60 80 1 0 0 Po rce nt ag em D est in ad a a Exp ort açã o 0 20 40 60 80 100

nos dois últimos gráficos, os dados da pesquisa de campo demonstram que há um claro direcionamento dos produtores de uva e manga de canalizarem grande parcela de sua produção para o mercado interno. Este fato não é tão forte em relação ao Polo Açú-Mossoró. Como ilustra o gráfico a seguir, apesar de o mercado interno ter uma participação relevante no canal de distribuição da produção do melão do Polo Açú-Mossoró, os produtores mantiveram o mercado internacional como um destino importante de escoamento da produção. Deste modo, no Polo Açú-Mossoró, mais de 50% dos produtores de melão destina 50%, ou mais, de sua produção para exportação, enquanto aqueles que negociam apenas no mercado interno representam 33%.

Gráfico 49 – Percentual da Produção de Melão Destinada pelos Produtores para Exportação e Mercado Interno

Fonte: Elaborado a partir dos dados da Pesquisa de Campo.

Esta diferença entre os dois Polos pode estar vinculada às disparidades tanto com relação às estruturas produtivas, como também aos formatos de mercados inseridos por cada um dos polos. Conforme analisando em parágrafos anteriores, o Polo Petrolina-Juazeiro, na produção de manga e uva, tem consideráveis sunk costs devido ao caráter permanente destas culturas. Portanto, uma vez instalada a capacidade produtiva de uma área de produção, tem-se pouca margem de manobra para se adaptar frente a choques exógenos nos mercados. Assim, após a crise internacional que arrefeceu os mercados internacionais, os produtores tiveram que redirecionar sua produção para o mercado interno, uma vez que a diminuição da quantidade produzida de forma drástica fica inviabilizada.

Por outro lado, a produção do melão pelo Polo Açú-Mossoró caracteriza-se por ser uma cultura temporária, e isso possibilita uma maior flexibilidade em termos de

33,33 8,333 8,333 25 8,333 8,333 8,333 0 10 20 30 40 Po rce nt ag em D est in ad a a Exp ort açã o 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

planejamento da produção a curto prazo. Desse modo, as estruturas de custos e de produção destes produtos impelem em estratégias e comportamentos diferentes frente às oscilações de mercados.

O desenvolvimento do mercado doméstico das frutas também está vinculado a um aspecto interno da economia brasileira, que é a mudança no perfil socioeconômico dos consumidores brasileiros. Como expõem Neri e Souza (2012), na década de 2000 a renda da população cresceu mais de 90% no acumulado entre os anos 2001 e 2011, sendo que os menores percentis apresentaram os maiores ganhos.

O aumento na renda, principalmente nos estratos sociais mais baixos, tem uma influência importante no consumo de frutas, pois, segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Agricultura - CNA (2011), estes gastam a maior proporção da sua renda com alimentação. Portanto, este estrato enfrenta uma maior restrição orçamentária na aquisição de frutas. Este fato é corroborado pelos estudos de Hoffmann (2007) e Hoffmann (2010), os quais avaliaram a elasticidade renda-despesa para o conjunto dos alimentos a partir dos dados das POF26’s 2002 e 2003, no primeiro estudo, e depois analisou para as POF’s de 2008 e 2009. Nesses estudos, o autor demonstrou que, de maneira geral, as frutas têm uma alta elasticidade renda-despesa nas famílias brasileiras em todos os estratos de renda. No entanto, são os menores estratos que a elasticidade renda-despesa é ainda maior.

Em relação às frutas produzidas pelos polos foco de estudo desta tese, o melão foi aquela que, nos dois estudos referidos, apresentou a maior elasticidade, com valores de 0,883 e 0,879, em relação às POF’s 2002-2003 e 2008-2009, respectivamente. A manga apresentou a menor elasticidade dentre estas furtas, com elasticidades nos valores de 0,491 e 0,598, em relação aos estudos de 2007 e 2010, respectivamente. Por fim, a uva apresentou um coeficiente de elasticidade de 0,751, para as POF 2002 e 2003, e de 0,795, nas POF de 2008 e 2009. Entre os estratos, a parcela de menor renda da população brasileira é aquela que tem maior coeficiente de elasticidade para esta última.

A pesquisa da CNA, em consonância com os achados de Hoffman, demonstra que são as classes mais baixas que destinam maior parte dos seus orçamentos para o consumo de frutas. Segundo esse estudo, as famílias brasileiras gastam, em média, 6,3% da sua renda na compra de FLV, sendo que a classe D gasta um pouco mais, cerca de 8%. Calculando estes percentuais sobre quanto, dos gastos com alimentação, é destinado para os FLV, obtém-se que é, em média, 22,3%, sendo que a classe C possui a maior proporção de gasto, com 22,7%

26 Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

frente 22,3%, 22,6% e 21,1% das classes A/B1, B2 e D, respectivamente. Além disso, mais de 30% dos entrevistados na pesquisa da CNA alegaram que a condição financeira é o principal fator para o consumo de frutas. Assim, o crescimento da renda no Brasil, nos últimos anos, também permitiu esta reorientação dos produtores para o mercado interno.

Outro aspecto que pode ter influenciado na maior participação do mercado doméstico no escoamento das frutas dos Polos analisados são os menores custos associados à sua comercialização. A exportação, normalmente, envolve seguros de carga no transporte, assim como possui um valor de frete bem mais elevado. Além disso, em termos de custos em transação, tem-se um maior grau de incerteza. Ademais, os mercados internacionais são mais exigentes em relação às certificações – principalmente os mercados europeu e estadunidense – as quais representam não só custos para adaptar a produção às exigências, mas, principalmente, a necessidade de contratação de empresas que atestem a certificação conjuntamente com o pagamento do selo em si.

Destarte, como já abordada em tabela anterior, no Polo Petrolina-Juazeiro, quase 80% dos produtores de uva e/ou manga não possuíam certificações. Por sua vez, no Polo Açú- Mossoró, apenas 25% dos produtores não possuíam certificações. Estes dados mostram que a reorientação do Polo Petrolina-Juazeiro para o mercado interno também tem como influência a minimização de custos. Nesse sentido, o mercado interno apresenta possibilidades de menores custos de comercialização e produção.

Os custos de transação mais elevados nas comercializações internacionais, devido a maior assimetria de informação e maiores chances de oportunismo faz com que se exijam as certificações e, assim, haja o aumento dos custos para realizá-las. Por esse motivo, alguns produtores têm preferido negociar nos mercados nacionais por terem menores custos associados. A tabela de múltipla entrada, a seguir, faz uma associação entre a utilização da certificação e a inserção nos mercados internacionais. Evidencia-se que o fato de não possuir certificação delimita o produtor a escoar o seu produto para o mercado interno. No polo Petrolina-Juazeiro, os produtores que não possuem certificação, ou seja, mais de 2/3, não negocia com o mercado internacional, enquanto apenas 3% consegue ainda alguma inserção internacional. No Polo Açú-Mossoró, este fato é ainda mais gritante, dos 25% dos agricultores que não possuem certificações, nenhum transacionam com o mercado externo, confrontando com aqueles que possuem certificação, quase 70%, e fazem negócios com agentes internacionais.

Tabela 5 – Certificação versus Exportação

Polo Não Negocia com o Mercado

Internacional

Negocia com o Mercado

Internacional Total P o lo Pet ro li na - Jua ze ir

o Certificação Não Possui 76.1% 3.3% 79.4%

Possui Certificação 8.9% 11.7% 20.6% P o lo A çú - Mos so

Certificação Não Possui 25% 0% 25%

Possui

Certificação 8.3% 66.7% 75%

Fonte: Elaborado a partir dos dados da Pesquisa de Campo.

Em suma, pode-se afirmar que os Polos direcionaram, recentemente, os seus produtos para o mercado nacional, sobretudo o polo Petrolina-Juazeiro. Esta configuração defronta-se com a tendência histórica dos polos que emergiram nos mercados de frutas, tendo os mercados internacionais como principal destino de suas produções, como mencionado em capítulos anteriores. Esta mudança estratégica pode ser sintetizada nos seguintes fatores, os choques externos, a crise internacional, o maior poder aquisitivo da população brasileira. Além do mais, de um ponto de vista mais teórico, percebe-se que os custos de transação associados aos mercados de fato parecem ter tido um peso relativamente importante na coordenação dos agentes frente aos mercados nacionais e internacionais, corroborando, assim, com as suposições enunciadas pela NEI.

Como analisado no capítulo teórico desta tese, a intensidade dos custos de transação implica em escolha de formas de governança que permitam minimizar estes custos associados na relação entre os agentes. Partindo da interrealção entre os agentes e o estabelecimento do modus operandi do mercado, Ménard e Klein (2004) abordam como os contratos passaram a ter um papel central nos mercados de produtos agrícolas. Para estes autores, a dispersão de produtores, em contraponto com a alta concentração de processadores e distribuidores, originaram uma mudança importante nos mecanismos de coordenação dos mercados agrícolas, saindo de estruturas de mercado puro (spot) para formas contratuais que alinham incentivos e delimitam padrões a serem obedecidos.

Wilkinson (2008) afirma que as formas contratuais têm sido as responsáveis pela coordenação dos mercados de frutas frescas nos polos irrigados do nordeste. Os contratos no setor agroalimentar emergem pela necessidade de coordenar e ajustar regras entre produtores e distribuidores/processadores, Em grande parte, estes contratos envolvem clausulas de

controle, monitoramento e qualidade (MÉNARD & KLEIN, 2004). As mudanças no SAM impuseram novas regras de interação, contudo estes contratos podem se manifestar de formas diversas, dependendo das características individuais e de como os agentes se relacionam na apropriação das quase-rendas, ou até mesmo se estas são reconhecidas pelos mercados.

Na próxima seção serão detalhados os contratos desenvolvidos pelos produtores de frutas frescas dos polos Açú-Mossoró e Petrolina-Juazeiro. Estes contratos apontarão evidências de como os agentes coordenam seus mercados e como lidam com os custos de transação envolvidos nas relações.