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Capítulo 1 Fundamentos Teóricos da Retórica

1.4 A trilogia retórica: Éthos, Páthos e Lógos

A trilogia retórica constitui o sistema elementar desta ciência e, dada esta importância, nesta seção o texto a seguir tem por objetivo a apresentação das características do éthos, páthos e lógos.

Nesse sentido, o éthos corresponde ao sujeito, ao orador e sua composição como tal diante de um auditório configurado pelo páthos. O orador tem por objetivo convencer ou persuadir, tal objetivo é operacionalizado através do lógos, que pode ser entendido como o objeto discursivo em questão na situação retórica.

Para Aristóteles (1998, p. 49), o éthos caracteriza-se por:

[...] persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé [...] é, porém, necessário que esta confiança seja resultado do discurso e não de uma opinião prévia sobre o caráter do orador.

O orador é simbolizado pelo éthos, sendo sua credibilidade totalmente vinculada ao seu caráter e, é esta premissa que permite ao enunciador obter a atenção e conquistar a credibilidade do auditório (enunciatário) a fim de atingi-lo e sensibilizá-lo por meio de suas preferências e emoções, conduzindo-o a um determinado prisma da matéria em questão, expondo seu ponto de vista particular com o intuito de conquistar a adesão do interlocutor.

Para Meyer (2007, p. 51), o éthos também pode ser compreendido da seguinte forma:

O éthos é uma excelência que não tem objeto próprio, mas se liga à pessoa, à imagem que o orador passa de si mesmo, e que o torna exemplar aos olhos do auditório, que então se dispõe a ouvi-lo e a segui-lo. As virtudes morais, a boa conduta, a confiança que tanto umas quanto as outras suscitam, conferem ao orador uma autoridade.

O autor (2007, p. 51) ainda apresenta uma distinção de fundamento diádico com relação ao éthos, caracterizando-o à luz das seguintes perspectivas: éthos imanente (projetivo), aquele cujo auditório (enunciatário) imagina de acordo com a atuação do orador (enunciador), estando relacionado à verossimilhança; e um éthos não imanente (efetivo), fundamentado na

verdade, na constituição real do orador (enunciador).

Ainda sobre o éthos, Eggs (2005, p. 30) diz que há dois campos semânticos opostos ligados ao termo: (I) um, de sentido moral (...), que engloba atitudes e virtudes como honestidade etc.; (II) outro, que está ligado à héxis corporal e reúne termos como hábitos, modos e costumes. Para Plebe (1978, p. 42), o éthos pode ser traduzido por “caráter” apenas de forma aproximada, pois éthos é, também, atitude, costume e moralidade.

Ainda aproximando a noção de éthos à de caráter, Barthes (1975, p. 203) afirma que os ethé são os traços de caráter que o tribuno deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para causar boa impressão, são suas aparências que realmente importam.

Neste sentido, Declercq (1992, p. 47) argumenta que o éthos deve, então, ser compreendido como uma condição técnica e intrínseca do processo de persuasão e não como uma qualidade moral e extrínseca que resulta da natureza do orador. É no discurso que se constrói a confiança – correlativamente a uma representação do mundo, o orador produz por meio de sua enunciação uma representação oratória de sua pessoa que molda o contexto e a argumentação.

Componente fundamental da retórica, o páthos, refere-se às paixões, às expectativas e às questões do auditório. Visto que o éthos faz menção às fontes das respostas, Aristóteles postula catorze grandes paixões: a cólera, a calma, o temor, a segurança, a inveja, a impudência, o amor, o ódio, a vergonha, a emulação, a compaixão, o favor (obsequiosidade), a indignação e o desprezo. Tais sentimentos (paixões) constituem o cerne de questões nas quais o orador se fundamenta na tarefa de convencer ou persuadir o auditório por meio do lógos.

Para Meyer (2007, p. 38), a paixão é um reservatório que auxilia na mobilização do auditório em favor de uma tese, reforçando a identidade de um determinado ponto de vista, ou a diferença em relação à tese que procuramos arredar. Sendo assim, encontrar e fazer uso das questões implicadas no páthos é tirar proveito dos valores do auditório, da hierarquia do preferível. Ainda de acordo com o autor:

É o que o enraivece, o que ele aprecia, o que ele detesta, o que ele despreza, ou contra o que se indigna, o que ele deseja, e assim por diante, que fazem do páthos do auditório a dimensão retórica do interlocutor. E todos esses interrogativos remetem a valores que dão conta daquilo que Descartes teria chamado de “movimentos da alma” (MEYER, 2007, p. 39).

Ainda em referência ao páthos, pode-se também diferenciar sob a ótica do orador, um auditório imanente (projetivo) e um auditório não imanente (efetivo). O primeiro diz respeito à

projeção que o orador faz de seu auditório e o segundo, à configuração real desse auditório. Desse modo, só há adesão às teses em questão, quando há alteridade constitutiva entre um éthos imanente e um páthos (auditório) imanente.

Com relação ao lógos, acrescenta-se a esse conceito a noção de Meyer (2007, p. 45), para quem tudo aquilo que está em questão na situação retórica não se refere apenas ao texto, mas ao discurso, ou seja, fatores subjacentes à superfície textual, à estrutura organizacional e seus elementos constitutivos; aquilo que o texto diz e as questões que responde a tudo aquilo que suscita ou que de alguma forma o trata.

Nessa perspectiva, “para que haja retórica, é preciso que uma questão seja levantada e permaneça a despeito do que soluciona, ou em razão da resposta que soluciona” (MEYER, 2007, p. 62).

Na figura a seguir é representada a sinergia retórica entre o éthos, páthos e lógos, de onde é possível depreender a ideia de uma trilogia, uma tríade em constante movimentação dentro de um processo de autoalimentação, em que a constituição, o engajamento e o desenvolvimento das partes representam a totalidade da ação retórica:

Figura 1.4.1 A Trilogia Retórica.

PÁTHOS LÓGOS

ÉTHOS

ACÃO RETÓRICA

Fonte: autoria.