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Ressemiotização, Multimodalidade e Multiletramentos

Capítulo 4 – O Discurso na Hipermídia

4.1 Ressemiotização, Multimodalidade e Multiletramentos

Conforme observa o New London Group (1996), o realismo econômico, as privatizações e as transformações das instituições públicas, bem como a escola e as universidades estão mudando de acordo com as lógicas de mercado. Isto denota, de alguma forma, o quanto os meios de produção pressionam o surgimento de diferentes práticas sociais. A estas mudanças na natureza do trabalho, e subsequentemente, nos meios de produção, atribui-se o nome de pós-Fordismo e/ou fast Capitalismo. Tal fenômeno se caracteriza pelo rompimento dos modelos hierárquicos das estruturas de fabricação em massa.

De modo que se observa, nesse novo contexto que redesenha a ordem, que é necessário possuir conhecimentos múltiplos, aprendendo por meio da colaboração entre comunidades de práticas, redes e outros. Os autores ainda afirmam que a chave do pós-modernismo está na liberação e destruição dos modelos hierárquicos, de modo a valorizar a diversidade.

Segundo Iedema (2003, p. 38), há uma nova reorganização dos tipos de materiais de natureza informacional - tais como revistas, jornais, dentre outros - nos quais as imagens começam a ocupar cada vez mais espaço junto ao texto a fim de lhe imprimir significado,

proporcionando ao leitor uma leitura menos linear e hierarquizada, uma vez que é possível ler apenas a(s) imagem(s), o(s) gráfico(s), e a partir dessas informações, construir representações semióticas, paralelamente ao texto escrito, fenômeno a qual atribui-se o nome de multimodalidade.

Nesse sentido, entendemos que a sociedade pós-moderna, ao passo que desenvolve cada vez mais novas tecnologias digitais, também sofre transformações decorrentes destas. O hipertexto digital, por sua essência multilinear e infinita constitui um universo incomensurável de significados em que os cânones e paradigmas comunicacionais são modificados por influência de diferentes recursos midiáticos que passam a ter espaço no corpo dos textos que transitam nas redes.

O hipertexto digital pode ser visto como meio e produto das práticas sociais discursivas, sendo constituído de diferentes gêneros emergentes deste contexto, (MARCUSCHI, 2005), cujas características estão pautadas na multimodalidade que enfatiza a natureza multissemiótica das representações e na ressemiotização que explora as dimensões materiais e historiadas das representações.

Para Bolter (2002, p. 27-37), com o advento do computador e o sucesso da web, os processos de escrita têm passado por profundas transformações. O uso de símbolos é cada vez mais comum e estes, por sua vez, possuem significado intrínseco e extrínseco que podem ser representados em palavras, desenhos, estruturas frasais etc., contudo, estruturas e palavras ainda coexiste de forma legíveis, visíveis e escritas em um mesmo espaço eletrônico.

Nesse sentido, o autor complementa que a escrita eletrônica se torna uma descrição verbal e visual onde leitores e escritores podem criar e examinar estruturas no computador, e que talvez não fosse tão fácil encontrar equivalência no discurso propriamente dito.

Assim, pode-se perceber a necessidade da escola institucionalizada como o locus de construção do conhecimento e de seus profissionais (professores, coordenadores, diretores, pesquisadores) estarem preparados para lidar com as novas tecnologias, especialmente, serem letrados digitalmente para que possam incluir, de forma coerente e significativa, recursos tecnológicos em sua prática docente. Como afirmam Sampaio e Leite (2000, p.73):

Na alfabetização tecnológica do professor a intenção deve ser a de tornar este cidadão um profissional atuante na sociedade, que contribui com um trabalho educativo significativo, mais próximo da realidade do aluno, conferindo-lhe, assim, sentido aos seus olhos e aos olhos da população.

É necessário considerar; pois, que desse cenário emergem novas formas de negociação e construção de significado, mediadas por múltiplas linguagens, rompendo com paradigmas linguísticos e culturais nos mais diversos ambientes da sociedade, promovendo uma multiplicidade de práticas e gêneros discursivos.

A necessidade de se pensar em multiletramentos insurge das limitações das abordagens tradicionais em compreender a forma como as múltiplas diferenças linguísticas e culturais em nossa sociedade é o cerne para a pragmática de produção (trabalho), cívica e da vida privada dos aprendizes:

Multiliteracies, according to the authors, overcomes the limitation of traditional approaches by emphasizing how negotiating the multiple linguistic and cultural differences in our society is central to the pragmatics of the working, civic, and private lives of students (NEW LONDON GROUP, 1996).

Considerando-se que as mudanças tecnológicas e organizacionais modificam os meios de produção e o acesso às diferentes estratificações socioeconômicas e culturais, tais transformações, ao passo que promovem avanços de toda natureza no interior da sociedade, também causam exclusão quando em desarmonia com os processos educativos que, por vezes, não se adéquam às exigências dessa nova realidade.

Para o New London Group (1996), transformações sociais dessa magnitude causam mudanças radicais na vida pública, econômica e em comunidades, gerando um senso de fragmentação do local e transformando comunidades em diversos grupos subculturalmente organizados.

A complexidade e a instabilidade dos gêneros emergentes presentes na sociedade digital, mostram-nos que há muito ainda a ser estudado para que se possa, cada vez mais, compreender de que forma as práticas de leitura e escrita têm se tornado práticas de ressemiotização, resultando no desenvolvimento de novos modelos de produção e sociabilização do conhecimento, ao ponto se considerar a possibilidade de diferentes modalidades de letramento digital para que se possa participar de forma inclusiva, consciente e crítica do novo modelo de organização social que atualmente se configura.

É desse contexto; pois, que emergem novas formas de negociação e construção de significado, cada vez mais, mediadas por múltiplas linguagens e rompendo com paradigmas linguísticos e culturais dos mais diversos ambientes da sociedade, promovendo uma multiplicidade de práticas e gêneros discursivos.

Frente a esse cenário, é possível encontrar na retórica e em seus desdobramentos (teoria da argumentação, pragmática) estudos que contemplem outras linguagens não exclusivamente verbais (pictóricas, fílmicas, etc.), fornecendo assim um amplo repertório teórico para a compreensão dos diferentes fenômenos linguísticos manifestados nas práticas discursivas do meio digital e possibilitando explicitar os valores ideológicos ali contidos.

De acordo com Mosca (1997, p. 21), o mundo da verdade constitui-se por sobre uma retórica verossímil, cujo lócus da opinião - doxa - é construído nas relações sociais, políticas e econômicas através de uma aparente verdade desenvolvida sobre um discurso sedutor, sensibilizador e fascinante, emergente do senso comum, que outrora era representado como uma verdade.

A autora argumenta que Aristóteles, ao desvincular a noção de verdade da retórica, aproximando-a da arte da persuasão, postula as bases dos estudos dessa disciplina na modernidade, onde o discurso convincente é aquele no qual o enunciatário, quando em contato com a mensagem, sente-se identificado com o enunciador pelo simples fato de comungar das mesmas representações e desdobramentos.

Posto assim, parte-se da premissa de que todo discurso persuasivo é uma construção retórica destinada a agir sobre os outros (Ibid., p. 22-23), envolvendo os participantes em um ato comunicativo por meio de diferentes recursos de organização textual, dos quais podem ser destacados três elementos: lógos (palavra e razão), que diz respeito à disposição que o enunciatário atribui ao enunciador éthos e à reação a ser causada no enunciatário páthos.

Valendo-se da premissa de que todo discurso denota uma visão de mundo e visa à adesão a este, pode-se afirmar que o gênero discursivo publicitário, para atingir seus fins, certamente vale-se de todo e qualquer recurso retórico para persuadir, visto que a linguagem não é apenas instrumento de informação, mas também de argumentação e convencimento, que se dá na comunicação e pela comunicação (Ibid., p. 27).

Nessa perspectiva, a teoria da argumentação configura-se como um significativo tentáculo da neo-retórica em harmonia com outras teorias como a da composição do discurso e da elocução, que juntas contribuem para qualquer tipo de estudo do discurso; sobretudo, pelo fato de considerarem que toda enunciação pressupõe um locutor, um ouvinte e a intenção de influenciar e persuadir o outro (Ibid., p. 44).

Deste modo, é mister que seja considerada a flexibilidade da neo-retórica em sua capacidade de dialogar com outras teorias como a pragmática linguística e a semiótica discursiva, abrindo espaço para o confronto e intercâmbio dialógico entre as Ciências Humanas e da linguagem, fecundando os questionamentos e promovendo a reflexão crítica.