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Capítulo 3 A contrarreforma do Estado: aprofundamento da condição

3.2 A política de educação superior em tempos de contrarreforma

3.2.2 A UNESCO e os documentos que inspiram o Estado brasileiro

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)

foi criada em 1945 na Conferência de Londres207, tendo a sua sede localizada em

Paris e não em Washington, como é o caso do BIRD. O seu surgimento resultou de um movimento liderado pelos países europeus atingidos pela 2ª Guerra Mundial que

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Este documento foi uma produção do banco realizada em conjunto com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) (SGUISSARDI, 2009).

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estavam interessados em reconstruírem os seus sistemas educacionais. Embora cada nação tivesse direito a um voto, os Estados Unidos acabaram obtendo supremacia política na medida em que era responsável por mais de 40% das verbas desta organização (LEHER, 2001a).

Com reconhecido prestígio nas atividades que desenvolve no campo cultural e dos direitos humanos, a UNESCO vivencia desde os anos de 1990, explicitamente, grandes contradições, pois, a rigor esta organização tem funcionado “como órgão auxiliar do Banco Mundial. Não surpreende, pois, que as suas linhas mestras sejam, no fundamental, iguais às do banco” (LEHER, 2001a, p. 53).

Um dos eventos que demonstram a justaposição das ideias da UNESCO e do Banco Mundial foi a Conferência Mundial sobre Educação para Todos ocorrida em Jomtien na Tailândia em 1990. Esse evento organizado pela UNESCO, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pelo Banco Mundial (BM) resultou nos documentos chamados Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem e Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (LIMA, 2007; UNESCO, 1990).

Embora estes documentos tenham como foco a educação básica interessa-nos ressaltar que suas proposições estão ligadas ao que se planeja para a educação de uma forma geral, ou seja, dissemina-se o discurso de que é necessário amenizar a pobreza via educação básica. Na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem a educação básica aparece como um instrumento para o combate a pobreza e enfatiza-se a responsabilidade da comunidade, da família e do Estado (que deve ser viabilizada por meio de parcerias entre governo e iniciativas privadas). Segundo Lima (2007, p. 56)

Esta articulação pode ser identificada a partir dos seguintes eixos analíticos: a) os organismos internacionais do capital necessitam desenvolver políticas de alívio das tensões sociais causadas pela crise do endividamento dos países periféricos e pela execução dos ajustes estruturais impostos ao longo da década (perdida) de 1980; b) as políticas focalizadas no alívio da pobreza estarão articuladas com a necessidade de governabilidade, ou seja, da conjugação de segurança e estabilidade econômica para pagamento das dívidas; c) a necessidade de ampliação de áreas de lucratividade para os investidores internacionais.

Outro acontecimento bastante comentado foi a Conferência Mundial sobre Educação Superior, organizada pela UNESCO em outubro de 1998 em Paris, que originou as seguintes publicações: Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação - 1998 e Quadro de ação prioritária para a mudança e desenvolvimento da educação superior. Estas declarações resgataram as mesmas discussões do documento do Banco Mundial O ensino superior: as lições derivadas da experiência de 1995 que apregoa a diversificação das fontes de financiamento e a diversificação das instituições de ensino (LIMA, 2007; NOGUEIRA, 2008).

Em 1999 a UNESCO divulgou outro documento nomeado Política de mudança e desenvolvimento no ensino superior cuja ideia central girava em torno da necessidade das parcerias público-privadas para o desenvolvimento das políticas de incentivo a pesquisa e para a melhoria da infraestrutura das IES. Neste material foi

fundamentada a ideia da educação como um bem público208, sendo o seu

financiamento reconhecido como dever de todos (LIMA, 2007).

As concepções subjacentes dos documentos do Banco Mundial e da UNESCO se expandiram de forma a penetrar as diretrizes da política educacional em âmbito mundial. No caso europeu podemos destacar o entrelaçamento da Declaração de

Sorbone209 e da Declaração de Bolonha com as indicações desses organismos

(LIMA, 2007; LIMA, AZEVEDO, CATANI, 2008).

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O termo bem público tem sido utilizado na perspectiva de que se algumas ações são para atender a todos, logo, ela deve ser de responsabilidade coletiva, tanto no financiamento quanto na prestação do serviço. O vocábulo serviço público apresenta na concepção neoliberal, esta mesma lógica. São serviços que devem ser regulados pelo Estado, mas, não precisam ser custeados com receita pública (CASSINI, ARAÚJO, 2013).

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Em 1998 os ministros da Educação da Alemanha, Itália, França e Reino Unido assinaram em Paris a Declaração de Sorbonne para a criação do Espaço Europeu do Ensino Superior. A internacionalização e a comercialização da educação superior ganharam a partir desse momento novos contornos nos países europeus rumo ao processo de reformulação da política de ensino desses países. As propostas dessa declaração foram retomadas em junho de 1999 quando 29 ministros europeus da educação formularam a Declaração de Bolonha, cujo objetivo central era uniformizar o sistema de ensino superior europeu, visando: "[...] à mobilidade e empregabilidade no espaço europeu, por meio das seguintes estratégias: adoção de um sistema de graus comparável e facilmente inteligível; adoção de um sistema baseado essencialmente em dois ciclos, pré e pós- graduado; promoção da mobilidade de estudantes, docentes e pesquisadores e garantia de uma dimensão européia ao ensino superior. Este protocolo é um marco importante da reforma da educação superior européia e está pautado na mesma fundamentação presente nos documentos do BM e da Unesco: a consideração de que a globalização econômica e a sociedade da informação – ou a 'Europa do conhecimento', como é identificada na Declaração de Bolonha – indicam um conjunto de reordenamentos no mercado de trabalho e, consequentemente, na formação e qualificação dos trabalhadores, exigindo a diversificação das instituições e dos cursos de nível superior. A educação

Ainda nesta direção destacamos a Segunda Reunião dos Parceiros da Educação

Superior conhecida também como "Paris +5" 210, que aconteceu em junho de 2003

na sede da UNESCO em Paris com o objetivo de avaliar o processo de implementação das decisões tomadas na Conferência Mundial sobre Educação Superior de 1998. Neste encontro a UNESCO reafirmou as linhas de ação da declaração de 1998 que previa o acesso e diversificação das instituições de ensino superior, vínculos da formação profissional com o mercado de trabalho, diversificação das fontes de financiamento da educação superior e cooperação internacional (LIMA, 2007; NOGUEIRA, 2008).

Essas são apenas algumas ações desenvolvidas pela UNESCO que demonstram o quanto esta organização também vem incorporando ao longo dos anos os discursos da política antiuniversitária disseminados em âmbito global.