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Capítulo 3 A contrarreforma do Estado: aprofundamento da condição

3.3 A condução da contrarreforma do Estado brasileiro

3.3.5 Oposição consentida: o governo de Dilma Rousseff

Para uma compreensão ainda que sucinta sobre o governo de Dilma Rousseff destacamos duas questões de relevo: primeiro, a elevada aprovação de Lula como presidente contribuiu para a vitória eleitoral do PT na figura de Dilma e do vice Michel Temer (PMDB). Segundo, ainda que o governo presidencial petista tenha sido inaugurado com a subida ao poder de um candidato de origem operária isso não significa que o governo agiu de acordo com os interesses do trabalho solapando os anseios do capital (MACIEL, s/d). Vejamos uma afirmação do ex-presidente Luís Inácio

Eu não tenho raiva deles [da oposição] e não guardo mágoas. O que eu guardo é o seguinte: eles nunca ganharam tanto dinheiro na vida como ganharam em meu governo. Nem as emissoras de televisão, que estavam quase todas quebradas; os jornais, quase todos quebrados quando eu assumi o governo. As empresas e os bancos também nunca ganharam tanto, mas os trabalhadores também ganharam (SILVA, 2013, p. 16).

É claro que a tentativa de conciliar dois pólos inconciliáveis (trabalho e capital) resulta em ganhos maiores para um dos dois lados. Diante dos dados e dos argumentos já apresentados não podemos desconsiderar que o capital foi mais uma

vez o maior beneficiado, sob os auspícios do PT. Em seu programa de governo276

para o período de 2011 e 2014 Dilma utilizou-se da mesma retórica expressa por meio da seguinte frase: O governo Dilma será de todos os brasileiros e brasileiras e dará atenção especial aos trabalhadores (ROUSSEFF, TEMER, 2010).

Entretanto, análises mais profundas desmontam essa assertiva com facilidade. Maciel (s/d) aponta que a disputa presidencial de 2010 ocorreu fundamentada nos marcos neoliberais, já que os candidatos que obtiveram o maior número de votos

são classificados pelo autor como variantes do projeto neoliberal277.

A vitória de Dilma Roussefff significou que havia por parte do eleitorado uma perspectiva de continuidade em relação à orientação moderada do neoliberalismo

276

Os 13 compromissos programáticos de Dilma Rousseff para debate na sociedade brasileira (ROUSSEFF, TEMER, 2010).

277

As eleições de 2010 foram disputadas em 1º turno pelos (as) candidatos (as): Dilma (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV), Plínio (PSOL), Eymael (PSDC), Zé Maria (PSTU), Levy Fidelix (PRTB), Ivan Pinheiro (PCB), Rui Costa Pimenta (PCO). Em segundo turno Dilma e José Serra, saindo vitoriosa a Dilma Rousseff com 56,05% dos votos válidos (RIBEIRO, CARREIRÃO, BORBA, 2011).

conduzido por Lula278. Maciel (s/d) conceitua a perspectiva moderada da seguinte forma

Sem romper com os fundamentos econômicos do programa neoliberal na periferia do capitalismo – superávit primário, regime de metas de inflação, taxas de juros elevadas, câmbio valorizado, abertura financeira e comercial – a versão moderada do neoliberalismo atenua ou mesmo reverte parcialmente diversas das características da versão extremada, ampliando as políticas sociais compensatórias; retomando a capacidade de financiamento do setor produtivo pelo Estado ou chegando mesmo a ampliar os serviços sociais públicos e o próprio quadro de pessoal do serviço público (MACIEL, s/d, p. 2).

De fato, sob a direção da presidenta os grandes beneficiários da política econômica foram: o capital financeiro (por meio dos bancos e investidores financeiros), as grandes empreiteiras e o agronegócio (LESBAUPIN, 2014). Dados sistematizados por Fattorelli e Ávila (s/d) corroboram as afirmações de Lesbaupin (2014). De todo o orçamento geral da União em 2014, 45,11% foram destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública (interna e externa) o que representou um gasto de R$ 978 bilhões. Esse valor “corresponde a 12 vezes o que foi destinado à educação, 11 vezes aos gastos com saúde, ou mais que o dobro dos gastos com a Previdência Social” (FATTORELLI, ÁVILA, s/d, p. 1). Em resumo, quase a metade do orçamento é destinada a pequena camada mais rica do país (recebedores dos juros da dívida) e aos credores externos. Enquanto isso em 2014, apenas 3,73% dos recursos foram para a educação (FATTORELLI, ÁVILA, s/d).

Outro setor privilegiado pelo governo foram as grandes empreiteiras como a Odebrecht, Camargo Correira, Andrade Gutierrez que estão envolvidas em quase todas as grandes obras de infraestrutura do país dentre as quais a usina hidrelétrica de Monte Belo (LESBAUPIN, 2014).

O agronegócio também tem se beneficiado da política econômica executada pelo governo na medida em que “para garantir a exportação de alguns produtos primários - elemento central de sua política econômica -, o governo mantém uma aliança com o agronegócio, razão pela qual não houve reforma agrária no país” (LESBAUPIN,

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De acordo com Maciel (s/d) todos os candidatos da eleição presidencial de 2010 compactuavam com a orientação neoliberal. Entretanto, havia variantes desse projeto sendo a vertente mais moderada representada por Dilma Rousseff, uma vez que, esperava-se desta candidata uma continuidade do governo Lula, e por outro lado a vertente mais extremada dirigida por José Serra.

2014, p. 4). A centralidade na exportação de produtos primários contribuiu para manter o país em condição subordinada e dependente no âmbito mundial.

Segundo Leher (2014) uma série de fatores ocorridos a partir de 2010, como a diminuição da taxa de expansão da economia chinesa, o enfraquecimento da economia europeia, e a frágil melhoria dos indicadores econômicos norte- americanos “interrompeu a tendência de valorização do preço das commodities, alterando os fundamentos econômicos que sustentou a coesão do bloco no poder" (LEHER, 2014, p. 3). Ou seja, a considerável coesão do bloco no poder entre 2004 e 2010 foi alterada quando o novo quadro econômico conduziu o capital a reclamar, “no plano macroeconômico, ajustes capazes de favorecer a retomada da taxa de lucro do capital e, na esfera da economia cotidiana, a intensificar a exploração do trabalho objetivando a retomada da taxa de lucros" (LEHER, 2014, p. 3).

Dessa forma, o acirramento da crise econômica mundial e seus rebatimentos na economia brasileira foram determinantes para a guinada ao neoliberalismo extremado, que é a marca do terceiro mandato presidencial do PT, conforme afirma David Maciel (s/d). Assim, a suposta transição do neoliberalismo moderado para o extremado ocorreu porque

[...] frente às dificuldades econômicas manifestas na piora das contas nacionais, no aumento da inflação, na redução do ritmo de crescimento do PIB e na queda da produção industrial, o governo reagiu cortando gastos, subindo juros, privatizando e aprofundando a simbiose entre acumulação privada e recursos públicos, acirrando o caráter neoliberal da política econômica e operacionalizando politicamente o encaminhamento de medidas antipopulares que o governo anterior não foi capaz de realizar. Exemplos disto são a nova reforma da previdência dos servidores públicos, o novo código florestal [...] (MACIEL, s/d, p. 4).

Nessa lógica, o projeto societário pautado na participação social, na distribuição de renda e na construção de condições dignas de vida para toda a população não foi encaminhado pelos mandatos petistas. Tendo como palco a crise econômica mundial e nacional o governo de Dilma retrocedeu "a aplicação nua e crua do receituário neoliberal" (MACIEL, s/d, p. 6).

Não obstante a manutenção e a implantação de programas sociais importantes o fato é que eles não são suficientes para a condução de mudanças radicais e

necessárias à sociedade brasileira. Além disso, estes programas sequer são prioridade quando ocorre a distribuição dos recursos públicos (LESBAUPIN, 2014).

Além de não priorizar as políticas sociais, já que o pagamento da dívida pública consome há tempos grande parte dos recursos do Estado, o governo retomou as privatizações (historicamente criticada pelo partido), seguiu com a contrarreforma, e reprimiu violentamente os movimentos sociais, atendendo ao apelo da elite preocupada com a acumulação de capital (COGGIOLA, s/d).

Às vésperas da Copa de 2014 e esperando pelas Olimpíadas de 2016 o governo recorreu à privatização dos aeroportos, com subsídios estatais e transferiu “à iniciativa privada a manutenção, construção e exploração de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias, sem contar com a incorporação de aeroportos e portos” (COGGIOLA, s/d, p. 15,16). Além disso, há de se mencionar que “o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiará 80% dos projetos" (COGGIOLA, s/d, p. 15,16).

Uma medida que também agradou a elite brasileira foi a contrarreforma da previdência social que impôs a parcelas dos servidores públicos o mesmo teto de benefícios válidos para os trabalhadores da iniciativa privada induzindo a adesão aos fundos de pensão (BRASIL, 2012b; BRASIL, 2012c). Essa seria nos dizeres de Maciel “a vitória final do rentismo e da especulação financeira sobre o sistema previdenciário" (MACIEL, s/d, p. 6).

Ao final do primeiro mandato da presidenta não houve dúvidas quanto ao direcionamento do Estado brasileiro que revelou o fio condutor de sua política: um misto de repressão e assistência. A crença de que é possível compatibilizar as necessidades do capital e do trabalho esvaneceu, ao menos para grupos mais atentos da população. Nas palavras de Sampaio Júnior (s/d, p. 5, 6)

A adesão incondicional ao imaginário da ordem global levou o governo petista a reforçar o colonialismo cultural, cuja expressão máxima é a exaltação da modernização dos padrões de consumo – a cópia dos estilos de vida e de consumo das economias centrais – como medida do sucesso da política econômica e do bem-estar da sociedade brasileira. A contrapartida necessária do reforço do colonialismo cultural foi a política deliberada, que atravessou todos os governos, de naturalização das

desigualdades sociais, cuja essência consiste na propaganda ostensiva de que as medidas assistencialistas de combate à pobreza teriam transformado o Brasil em um país de classe média, quando todos os condicionantes estruturais de pobreza permaneceram absolutamente incólumes: o latifúndio; a favela; a presença de um contingente, equivalente a mais de 1/3 da população economicamente ativa vivendo no subemprego ou simplesmente desempregado. Não por acaso, ignorando toda a tradição do pensamento crítico brasileiro, os governos petistas ressuscitaram o mito do crescimento econômico como solução para os problemas nacionais. Finalmente, em junho de 2013, quando a revolta popular eclode em São Paulo e se alastra pelo Brasil, fazendo emergir as terríveis condições de uma modernização fútil e de uma política econômica que ignora os interesses fundamentais da população, o governo do PT não hesitou em fechar fileira com a preservação da paz social e a defesa do status quo. O pânico com a presença do povo nas ruas selou a fusão definitiva do PT como um partido da ordem. [...] Posto contra a parede pela população enfurecida que repudiava o fato de ter sido relegada à última prioridade das políticas de Estado, a liderança petista esmerou-se em engambelar o povo, tranquilizar o grande capital e convencer o grande irmão do norte de que aqui nas terras do Brasil tudo continuará como dantes.

Nesse cenário, as ações que já estavam se desdobrando na área educacional, desde governos anteriores, prosseguiram. No que diz respeito ao ensino superior, devemos destacar que o PL nº 7.200/2006 foi arquivado em 2011 (OLIVEIRA, CASTIONI, 2014). Mas, ao final de 2014 ainda permanece o decreto nº 7.233/2010 que dispõe sobre procedimentos orçamentários e financeiros relacionados à autonomia universitária, e dá outras providências (BRASIL, 2010c). A promulgação do decreto nº 7.233/2010 sinaliza a tática que já vinha sendo adotada pelos governos de conduzir a contrarreforma da educação de forma fragmentada. Como abordamos em tópicos anteriores, as crescentes insatisfações quanto ao PL nº 7.200/2006 contribuíram para o seu arquivamento, mas, não desestimularam setores conservadores que buscam enfraquecer cada vez mais as instituições públicas revertendo os seus recursos para o mercado.

A avaliação da graduação ainda tem como base o SINAES; a LDB vigora em sua mais vasta expressão da mercadorização; a diversificação das instituições de ensino

e dos cursos continuam; o FIES279, o PROUNI e o REUNI permanecem como

políticas basilares da educação superior. O ENEM (embora mais democrático que o vestibular) atua cada vez mais como o selecionador por excelência consubstanciado

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A lei nº 12.513/2011 ampliou o FIES incluindo que o financiamento pode ser feito para estudantes da educação profissional e tecnológica, em caráter individual ou coletivo por meio das empresas. Além disso, a portaria normativa nº 15 de 1 de julho de 2014 expandiu o FIES para os cursos de mestrado, mestrado profissional e doutorado recomendado pela CAPES (BRASIL, 2011a; LIMA, 2015).

pelo SiSU. Também permaneceram como parte da política de educação: o Pibid; o PNAES; a lei de estágio; a lei de inovação tecnológica; o decreto nº 7.423/2010 e as parcerias entre o público e o privado.

Atualmente as políticas de educação estão fortemente inclinadas às parcerias público-privado. Além das leis que já existiam, uma medida "nova" foi sancionada: trata-se da lei nº 12.881/2013 que além de criar as universidades comunitárias instituiu as parcerias entre o governo federal e estas instituições, dando continuidade ao financiamento público de instituições particulares (BRASIL, 2013a).

Outra medida originária do governo Dilma, mas que já vinha sendo encaminhada antes foi à aprovação da lei nº 12.711/2012 que instituiu cotas nas universidades públicas federais e nos institutos técnicos federais (BRASIL, 2012a; GENTILI, OLIVEIRA, 2013). Entretanto, o aumento quantitativo dos estudantes nas IES não foi acompanhado por ampla adesão dos discentes aos cursos escolhidos, pois, mesmo diante dos avanços proporcionados pela assistência estudantil, ainda existe um número considerável de alunos que não conseguem terminar a graduação (SANTOS, FREITAS, 2014).

Como podemos observar o governo de Dilma Rousseff se serviu de algumas normatizações que já existiam mas, também implementou e criou condições favoráveis ao surgimento de outras estratégias que fazem parte de um mesmo projeto de sociabilidade burguesa. Em virtude da amplitude das ações passaremos a discutir as medidas que neste governo alcançaram ampla visibilidade: a emergência retardatária do PNE; a reserva dos recursos do pré-sal para a educação; a II CONAE; o surgimento da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e o Programa Ciência sem Fronteiras.

No mesmo ano em que foi realizada a I CONAE o governo federal apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL nº 8.035/2010) que aprovava o PNE 2011- 2020, mas, este projeto teve demorada tramitação, sendo sancionado apenas em 2014 se transformando na lei 13.005/2014 que estabeleceu o PNE 2014-2024, já capturado pela concepção privatista de educação (LIMA, 2015).

A vertente privatista está expressa no PNE por meio de diversas ações, que no caso do ensino superior podem ser retratadas pela: indicação de ampliação da oferta de vagas por meio do sistema Universidade Aberta do Brasil; elevação da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas para 90%; recomendação de expansão do financiamento estudantil através do FIES; ampliação do PROUNI; financiamento estudantil através do FIES para alunos no ensino à distância e cursos de pós-graduação stricto sensu; aperfeiçoamento do SINAES; expansão dos cursos de pós-graduação stricto sensu com utilização das tecnologias de educação à distância. Uma das polêmicas que mais atrasaram a aprovação do PNE foi o financiamento da política de educação. Embora grupos progressistas tenham se manifestado a favor do financiamento público para a educação pública, ao final o investimento público não foi exclusivamente destinado à educação pública (LIMA, 2015).

Nesse cenário, em que o foco das discussões centra-se na busca por recursos financeiros (tanto por parte das instituições públicas quanto privadas) emergiu a lei 12.351/2010 que aprova a destinação de uma parte dos recursos dos royalties do pré-sal para a educação (BRASIL, 2010f). Esta lei, ainda alvo de debates entre os especialistas, oculta interesses privatistas incapazes de solucionar o problema do financiamento na área educacional. Tal afirmação se sustenta a partir de vários fatores: a) porque os recursos advindos dos royalties não serão suficientes para alcançarem "10% do PIB para a educação já"; b) mesmo se os 10% fossem alcançados não seriam destinados exclusivamente à educação pública, pois, a destinação de recursos públicos para as instituições privadas é uma constante, sendo permitida de forma explícita no PNE (2014-2024); c) esses recursos não existirão para sempre, de forma que não podemos ficar reféns de uma commodity (FRANCA, 2013, AUDITORIA, s/d).

Esse palco de disputas foi cenário para a convocação da II CONAE realizada em novembro de 2014. Apesar da importância de mecanismos participativos como as conferências, ressaltamos que as deliberações desse espaço não conseguiram reverter à controvérsia quanto à destinação dos recursos públicos para o privado (SILVEIRA, TAVARES, 2014).

O entendimento de que os recursos públicos podem ser empregados em instituições privadas e os recursos privados podem ser investidos nos estabelecimentos públicos foi o pilar para a manutenção do REHUF e a promulgação da lei de criação da

EBSERH280, empresa pública de direito privado (SODRÉ, et al, 2013). Embora se

configurando como ente estatal a EBSERH é uma forma escamoteada de privatização porque “embora a EBSERH não possa ser considerada um mecanismo de privatização propriamente dito, implica em ampliar o espectro de penetração da lógica do mercado na gestão dos serviços do Sistema Único de Saúde” (SODRÉ, et al, 2013, p.374).

Por último, citamos o Programa Ciência sem Fronteiras281 que materializa a retórica

difundida sobre a internacionalização do ensino (BRASIL, 2011c; RIBEIRO, 2015). Neste programa a internacionalização aparece diretamente relacionada à inovação e a competitividade, o que se relaciona ao uso instrumental do conhecimento que para dar fôlego à reprodução ampliada do capital precisa das inovações, ou seja, da ciência diretamente aplicada para esses fins, menosprezando a "pesquisa livre e desinteressada". Também devemos mencionar a vinculação desse programa com as empresas, o que mais uma vez comprova a íntima afinidade da política de educação atual com as perspectivas empresariais. As empresas estão cada vez mais se apropriando do fundo público para o desenvolvimento de pesquisas que não são revertidas para a coletividade, mas, são apropriadas como mercadorias privadas. Não só as pesquisas estão se convertendo em mercadoria, mas também os seus resultados. Trata-se do uso privado de recursos públicos e de instituições públicas para benefícios individuais (RIBEIRO, 2015). Estas premissas também aparecem nos objetivos do programa, entre os quais citamos: “investir na formação de pessoal altamente qualificado nas competências e habilidades necessárias para o avanço da sociedade do conhecimento; [...] ampliar o conhecimento inovador de pessoal das indústrias tecnológicas” (BRASIL, s/d, s.n).

A ideia que aqui apresentamos quanto ao desprezo das áreas que não interessam imediatamente ao capital, em detrimento do interesse pelas áreas capazes de produzir um conhecimento totalmente interessado e necessário à reprodução

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Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011 que autorizou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH (BRASIL, 2011b; SODRÉ, et al, 2013).

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alargada do capital, pode ser confirmada quando verificamos que o decreto instituidor do Ciência sem Fronteiras estabelece que o programa visa atender as

áreas consideradas prioritárias. Em 2013 uma Portaria Interministerial282 divulgou as

áreas prioritárias para o programa:

Art. 1º Ficam instituídas as áreas e temas prioritários de atuação do Programa Ciência sem Fronteiras, indicados a seguir: I - engenharias e demais áreas tecnológicas; II - ciências exatas e da terra; III - biologia, ciências biomédicas e da saúde; IV - computação e tecnologias da informação; V - tecnologia aeroespacial; VI - fármacos; VII - produção agrícola sustentável; VIII - petróleo, gás e carvão mineral; IX - energias renováveis; X - tecnologia mineral; XI - biotecnologia; XII - nanotecnologia e novos materiais; XIII - tecnologias de prevenção e mitigação de desastres naturais; XIV - biodiversidade e bioprospecção; XV - ciências do mar; XVI - indústria criativa; XVII – novas tecnologias de engenharia construtiva; e XVIII - formação de tecnólogos. Parágrafo único. Caberá à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, vinculada ao Ministério da Educação, e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, definirem a pertinência das candidaturas às diversas áreas e temas, conforme o curso de origem dos candidatos (BRASIL, 2013b, p. 24).

Ora, seria ingenuidade acreditar que a escolha das chamadas áreas prioritárias se deve a um interesse pelo bem coletivo. Partir deste posicionamento significa não compreender a divisão e a divergência de interesses entre as classes sociais bem como, desconsiderar os diferentes papéis exercidos pelos países na divisão internacional do trabalho. As áreas selecionadas estão sendo convocadas à socorrerem o capital, que desde a crise de 1970 ainda não conseguiu se recuperar a passos largos. Diante da conjuntura ora explicitada a ciência tem força vital para o capital. Aos grandes monopólios importa o desenvolvimento de tecnologias capazes de serem aplicadas à produção para a obtenção de grandes lucros, não importando a satisfação das necessidades humanas (GONÇALVES, 2012; RIBEIRO, 2015). Ou seja, a possibilidade de que o conhecimento produzido por estas áreas do saber se revertam para a satisfação das necessidades do povo brasileiro, é pequena.

Estas colocações nos permitem afirmar que o governo de Dilma Rousseff em seu primeiro mandato seguiu a lógica que já estava em curso no país. Embora tenha expandido o número de vagas nas instituições públicas, isso não implicou em

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Portaria nº 1 de 9 de janeiro de 2013 (BRASIL, 2013b). Outra normatização importante é a Portaria nº 973 de 14 de novembro de 2014 que instituiu o Programa Idioma sem Fronteiras (BRASIL, 2014b).

redução das ofertas de vagas no privado. Apresentamos como características desse período a continuidade da privatização interna das universidades principalmente por meio das parcerias entre o público e o privado; a certificação em larga escala nos

dizeres de Lima (2015)283; a utilização de verbas públicas para o mercado privado

em educação; a aprovação do PNE sob bases privatistas; enfim, a imposição de uma condição preocupante para a política de educação brasileira.

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Capítulo 4 A parceria subordinada e a institucionalização da pós-graduação