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Capítulo 3 A contrarreforma do Estado: aprofundamento da condição

3.1 Jogos de poder para a superação do “entulho autoritário”

Segundo Fausto (2012) o processo de transição democrática no Brasil foi realizado de forma lenta, gradual e segura devido aos anseios da própria elite no poder. Tal fato produziu consequências graves para o país, pois, não rompeu com os interesses da classe burguesa, dificultando a emergência de um país realmente voltado para as necessidades de seu povo.

A abertura política foi iniciada com a posse de Geisel como presidente. Este subiu ao poder após uma emenda à Constituição de 1967 que previa a criação de um Colégio Eleitoral, composto de membros do Congresso e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados, sendo o primeiro governante escolhido por

este colegiado169 (FAUSTO, 2012).

168

Lima (s/d, p. 3) ao desenvolver seus estudos baseados nas obras de Florestan Fernandes, aponta que a categoria teórica imperialismo total “organiza a dominação externa a partir de dentro e em todos os níveis da ordem social, desde o controle da natalidade, da comunicação e o consumo de massa, até a importação maciça de tecnologia e de uma concepção de educação voltada para a formação da força de trabalho e para a conformação aos valores burgueses; (b) aprofunda as dificuldades para que os países latino-americanos garantam seu crescimento econômico em bases autônomas e, (c) estimula o fato de que nas economias periféricas, como ocorre com os interesses privados externos, os interesses privados internos estejam empenhados na exploração do subdesenvolvimento como estratégia para garantir sua lucratividade”.

169

O final dos anos de 1970 já anunciava o fim do chamado milagre econômico e as dificuldades econômicas expressas principalmente por meio das perdas salariais, atingiram diretamente o trabalhador. O sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), por exemplo, “iniciou uma campanha para a correção dos salários que abriu caminho para as grandes greves de 1978 e 1979, reunindo milhões de

trabalhadores170” (FAUSTO, 2012, p. 277).

Geisel foi sucedido pelo também general João Batista Figueiredo que “derrotou o

candidato do MDB171 na reunião do Colégio Eleitoral em 14 de outubro de 1978”

(FAUSTO, 2012, p. 277). Figueiredo tomou posse em março de 1979 e o seu governo “combinou dois traços que muitos consideravam de convivência impossível:

a ampliação da abertura política e o aprofundamento da crise econômica172”

(FAUSTO, 2012, p. 278).

A reforma eleitoral em 1979 marcou esta época, pois, permitiu a criação de diversos partidos e extinguiu a Arena e o MDB. O primeiro passou a denominar-se Partido Democrático Social (PDS) e o MDB transformou-se em PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Esta reforma manteve os partidos comunistas na clandestinidade, mas, fez emergir outros, como o Partido dos Trabalhadores (PT) (que surgiu de uma base popular) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) (que emergiu com a saída de Brizola do PMDB) (FAUSTO, 2012).

O calendário eleitoral previa eleições diretas para governador, senador, deputados, prefeitos e vereadores em 1982. A demora quanto à convocação das eleições

presidenciais, somadas às divergências políticas173 e econômicas174 provocaram

170

Luís Inácio Lula da Silva destacou-se por sua liderança como presidente deste sindicato (FAUSTO, 2012).

171

General Euler Bentes Monteiro (FAUSTO, 2012).

172

A crise econômica esteve relacionada às altas taxas dos juros internacionais, ao choque do petróleo em 1979, ao aumento da inflação e ao crescimento da dívida externa brasileira, o que fez o Brasil recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1983 (FAUSTO, 2012).

173

À medida que a abertura política foi se consolidando, as diferenças ideológicas e pessoais começaram a emergir de forma mais intensa, o que contribuiu para a criação de diversos partidos políticos (FAUSTO, 2012).

174

Devido à crise econômica de 1983 o ministro Delfim Netto anunciou que estavam sendo feitas negociações com o FMI, no qual o Brasil receberia empréstimos e em troca se comprometeria a atingir algumas metas como: a diminuição do déficit público e a execução do arrocho salarial. Segundo Nery (2010) as divergências quanto aos direcionamentos dados à economia provocou desentendimentos entre a elite e, o autor lança a tese de que foi o acirramento das disputas entre os

protestos populares e desentendimentos entre a fração burguesa viabilizando o movimento das Diretas Já. Embora reconheçamos a presença massiva da população nesta campanha e, inclusive dos partidos de origem popular como o PT, é possível também observar a participação da elite que se transformou em oposição ao regime vigente. Tal situação demarca que para parte da burguesia interessava conduzir o projeto político de transição da ditadura para a democracia sem que houvesse alteração nas estruturas sociais (NERY, 2010).

Sendo assim o ano de 1984 foi palco dos grandes comícios (como o da Praça da Sé em favor das eleições diretas) e das Caravanas das Diretas, organizada por Ulysses

Guimarães, Lula e Doutel de Andrade175 (BERTONCELO, 2009). O objetivo principal

da Campanha Diretas Já era a aprovação da Emenda Constitucional proposta pelo Deputado Federal Dante de Oliveira do PMDB, a qual previa eleições diretas para Presidente da República (NERY, 2010). Ocorre que, a emenda Dante de Oliveira (que reestabelecia as eleições diretas para Presidente da República) não foi aprovada, sendo eleito em 1985, de forma indireta, Tancredo Neves.

Em decorrência de problemas de saúde, Tancredo não assumiu a presidência, tomando posse Sarney. Com a morte de Tancredo, Sarney foi o primeiro presidente civil após o período ditatorial e governou de 1985 a 1990 (FAUSTO, 2012).

Os graves problemas vivenciados nesta conjuntura176 somados à experiência de

mobilização social em favor das Diretas Já contribuíram para a eclosão de movimentos que se empenharam para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Segundo Michiles et al (1989) a campanha das Diretas Já deu mais consistência à reivindicação em favor da democracia e contra a tradição autoritária da formação política do Brasil. Da vontade coletiva, em defesa de

setores burgueses que tornou factível o movimento das Diretas Já, pois, parte da elite descontente conduziu o movimento para subir ao poder em detrimento dos militares que ainda o ocupavam.

175

Presidentes do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT) respectivamente (BERTONCELO, 2009).

176

No plano econômico o problema da dívida externa e interna ainda era grave, bem como o da inflação, que atingiu os níveis de 223,8% em 1984 e 235,5% em 1985. A situação da economia levou o governo a anunciar em 1986 a substituição do cruzeiro pelo cruzado, houve o fim da correção monetária; o congelamento dos preços das mercadorias e o reajuste automático dos salários, sempre que a inflação atingisse 20%. O congelamento dos preços ocasionou o aumento do consumo contribuindo para o fracasso do Plano Cruzado. A crise das contas externas levou o Brasil a declarar uma moratória em 1987 (FAUSTO, 2012).

mudanças no país, surgiu “a necessidade de se romper com o entulho autoritário177

do Ancien Régime, expressa na palavra de ordem: Constituinte Já” (MICHILES et al,

1989, p. 19).

Um fator importante para a mobilização em favor da convocação de uma constituinte mencionado por Michiles et al (1989) foi a decisão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em apoiar a construção de uma nova constituição. Na década de 1980 esse assunto ganhou relevo nacional ocupando “as pautas de sindicatos, associações, movimentos de base” (MICHILES et al, 1989, p. 22). E com a reformulação partidária de 1979, a constituinte também passou a fazer parte das discussões dos novos partidos políticos (MICHILES et al, 1989).

A convocação da ANC foi proposta mediante emenda à Constituição enviada ao Congresso Nacional por José Sarney em 5 de julho de 1985. Nesta mesma época, o Presidente constituiu uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, presidida pelo jurista Afonso Arinos (MICHILES et al, 1989).

Após vários debates, em 27 de novembro de 1985 foi promulgada a emenda constitucional nº 26 que convocava a Assembleia Nacional Constituinte e dava outras providências. Nesse cenário a “composição do Congresso eleito era claramente desfavorável aos interesses populares. Tornava-se então extremamente importante lançar-se na batalha do regimento interno, para assegurar uma real participação popular nos trabalhos da constituinte” (MICHILES et al, 1989, p. 50).

As articulações em favor da participação popular na constituinte foram realizadas por meio dos plenários, comitês e movimentos pró-participação popular na constituinte. Ressaltam Michiles et al (1989) que essas iniciativas apareceram em todo o Brasil tendo “provavelmente duas matrizes principais: uma, no Rio de Janeiro, ao se criar o Movimento Nacional pela Constituinte; outra, quase ao mesmo tempo, em São Paulo, com o primeiro Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte” (MICHILES et al, 1989, p. 40).

177

Foi no âmbito dessas ações que se vinculou a ideia da incorporação da iniciativa popular ao regimento interno. Os movimentos em favor da participação popular passaram a lutar tanto pela participação social como um mecanismo integrante da futura Constituição, quanto para que ela acontecesse durante o processo de elaboração da Carta Magna. Essa ideia foi difundida por meio de cartazes, panfletos, entrevistas concedidas à imprensa, dentre outros. Assim, em uma das sessões da ANC foi apresentado o projeto de regimento interno, que recebeu várias propostas

de alterações178 e ao final incorporou a participação popular179. O regimento interno

exigia o mínimo de três entidades como responsáveis pelo encaminhamento de uma emenda popular. Também ficou estabelecido que a cada eleitor era permitido assinar no máximo três destas emendas. Afirmam Michiles et al (1989) que pela

primeira vez no Brasil utilizou-se da iniciativa popular através de emendas180 ao

projeto de Constituição.

Os trabalhos para a elaboração da Constituinte segundo o regimento interno deveriam ser organizados por meio de oito comissões temáticas (que seriam

aglutinadas em 24 subcomissões181); uma comissão de sistematização (CS);

178“O projeto inicial [do regimento interno] recebeu 949 emendas. Desse total, o relator acatou em

torno de 600 emendas e rejeitou não mais de 300, as restantes foram absorvidas no corpo do substitutivo” (LIMA, 2009, p. 134).

179

“Os plenários, movimentos e comitês pró-participação popular lançaram [...] uma campanha de pressão sobre o relator do Regimento Interno, senador Fernando Henrique Cardoso. Este chegou a receber, em pouco mais de uma semana, mais de mil telegramas de todo o país [...] A “iniciativa popular” foi, assim, incluída no Regimento Interno da Constituinte em seu artigo 24 [...] centenas de entidades deram início então ao processo de elaboração de emendas e de coleta de assinaturas [...] a “iniciativa popular”, rebatizada nesse processo, de “emenda popular”, passou assim a constituir um novo instrumento de mobilização social e de educação política” (MICHILES et al, 1989, p. 58, 59).

180

Michiles et al (1989) alertam que “embora as emendas populares tenham sido muito mais amplamente utilizadas pelos setores progressistas – e isto é natural uma vez que a batalha por sua introdução no Regimento Interno partiu dos plenários pró-participação popular na constituinte – elas, enquanto mecanismos formais de encaminhamento de ideias, foram igualmente apropriadas por entidades empresariais e patronais para vocalizar interesses conservadores” (MICHILES et al, 1989, p. 114).

181

As comissões e subcomissões foram as seguintes: 1. Comissão da soberania e dos direitos e garantias do homem e da mulher (subcomissões: a. da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais; b. dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e das Garantias; c. dos Direitos e Garantias Individuais). 2. Comissão da Organização do Estado (subcomissões: a. da União, Distrito Federal e Territórios; b. dos Estados; c.dos Municípios e Regiões). 3. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo (subcomissões: a. do Poder Legislativo; b. do Poder Executivo; c.do Poder Judiciário e do Ministério Público). 4. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições (subcomissões: a.do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos; b. de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança; c. de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas. 5. Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças (subcomissões: a. de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas; b. de Orçamento e Fiscalização Financeira; c. do Sistema Financeiro). 6. Comissão da Ordem Econômica (subcomissões: a. de Princípios Gerais, Intervenção do Estado,

sessões plenárias em dois turnos de votação nominais e uma comissão de redação. As oito comissões temáticas foram instaladas em 1º de abril de 1987 e as 24 subcomissões (três por cada comissão) foram formadas em 7 de abril do mesmo ano. As subcomissões recebiam sugestões de constituintes e também da sociedade civil por meio de reuniões e audiências públicas. Em 25 de maio de 1987 foram entregues os relatórios das 24 subcomissões aos relatores das oito comissões

temáticas e em 26 de junho de 1987 foram encaminhados sete relatórios parciais182

das comissões temáticas à comissão de sistematização que era

[...] responsável por organizar os relatórios, sem a introdução de novos conteúdos e propor um Anteprojeto de Constituição, que seria [...] encaminhado ao plenário da ANC para uma primeira rodada de recebimento de emendas e voltaria novamente à CS para receber parecer do relator ao projeto de Constituição (ou a um Substitutivo), o que ocorreu em 23 de agosto de 1987 [...] A proposição aprovada na CS seria, então, encaminhada à Mesa Diretora da ANC para discussão e votação em 1º turno, em plenário (FREITAS; MOURA; MEDEIROS, 2009, p. 13).

As forças políticas mais à direita ficaram insatisfeitas não somente com o projeto de

Constituição emergente183, mas, restavam ainda descontentamentos em relação ao

regimento interno. Desse modo, este grupo travou “incessante luta quanto à interpretação deste nas comissões e subcomissões e, enfim, conseguiram alterá-lo a

seu favor com a formação do grupo denominado ‘Centrão184’” (LIMA, 2009, p. 144).

Insatisfeitos com alguns itens do projeto de Constituição a mudança do regimento interno foi uma das alternativas encontradas para aumentar a possibilidade de reverter itens polêmicos como o tempo de duração do mandato de Sarney e o

Regime da Propriedade do Subsolo e da Atividade Econômica; b. da Questão Urbana e Transporte; c. da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária). 7. Comissão da Ordem Social (subcomissões: a. dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos; b. de Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente; c. dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias). 8. Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação (subcomissões: a. da Educação, Cultura e Esportes; b. da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, c. da Família, do Menor e do Idoso) (BRASIL, s/d).

182

Foram encaminhados sete relatórios ao invés de oito porque a Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação não conseguiu terminar o documento (FREITAS; MOURA; MEDEIROS, 2009).

183

Ao tomar ciência do projeto aprovado na Comissão de Sistematização Sarney afirmou que caso a Constituição fosse aprovada tal qual como o projeto previa o país seria ingovernável (LIMA, 2009).

184O “surgimento do Centrão foi a reação dos congressistas conservadores [...] para tentar conter,

diminuir ou extirpar do futuro texto constitucional as poucas conquistas aprovadas nas fases anteriores, em especial algumas que foram mantidas ou ampliadas pela comissão de sistematização” (LIMA, 2009, p. 275).

presidencialismo185. Há de se mencionar que segundo o primeiro regimento interno um item que tivesse sido aprovado “em uma subcomissão, ou mesmo na comissão de sistematização, por um pequeno número de constituintes, necessitaria de 280 votos para modificações em plenário” (GOMES, 2006, p. 205). Assim, em “uma das principais propostas de alteração do “Centrão” estava uma importante inversão: para que um texto destacado fosse mantido, seria necessária a formação de uma maioria absoluta” (MUNHOZ, 2011, p. 364).

A mudança do regimento interno (conforme a vontade do "Centrão") foi aprovada em 3 de dezembro de 1987 e implementada por meio da Resolução nº 3, de 5 de janeiro de 1988. Foi a partir destes confrontos que se deu a inclusão dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988. Este movimento, que não se deu sem ambiguidades, levou autores como Boris Fausto (2012) a declarar que a chamada Constituição Cidadã incorporou as pressões das distintas classes sociais, embora consideremos o seu caráter progressista.

Para discutirmos a inclusão da educação na Carta Magna importa-nos voltar um pouco o tempo histórico a fim de compreendermos alguns acontecimentos que influenciaram o momento da constituinte e a inclusão da autonomia universitária no artigo constitucional.

Uma das primeiras ações desenvolvidas no desenrolar da abertura política sobre a educação superior foi a criação, por iniciativa do Conselho Federal de Educação, em 1983, do Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU), que tinha como objetivo estudar a situação das Universidades públicas e apreender como a reforma universitária de 1968 havia sido implantada nestas instituições (BARREYRO; ROTHEN, 2008).

O PARU desenvolveu pesquisas no âmbito das Universidades e para a avaliação das instituições de ensino recorreu à avaliação institucional considerando a avaliação interna um procedimento privilegiado, o que concedeu ao programa o título de “precursor das experiências de avaliação posteriores no país” (BARREYRO;

185

A Comissão de Sistematização foi contra os 5 anos de governo para Sarney e o presidencialismo, mas o "Centrão" buscou reverter esse quadro (GOMES, 2006).

ROTHEN, 2008, p. 135). Entretanto, disputas internas no Ministério da Educação sobre a quem cabia fazer a avaliação da "reforma" universitária, levou ao encerramento do PARU um ano depois de ter começado (CUNHA, 1997).

Visando alterações na política de educação o Governo Sarney instituiu por

Decreto186 a Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior. O

trabalho desta comissão resultou no documento chamado Uma nova política para a

educação superior brasileira cujo relator foi Simon Schwartzman187. Em linhas

amplas o documento enfatizou que para ultrapassar a “crise da universidade brasileira, se deveria aumentar, significativamente, a autonomia universitária que seria acompanhada por um processo externo de avaliação baseado na valorização de mérito acadêmico” (BARREYRO; ROTHEN, 2008, p. 137). A autonomia seria efetivada mediante a permissão para que as instituições fizessem a sua própria gestão financeira. Os recursos “seriam repassados globalmente, e as instituições fariam a distribuição interna desses conforme as prioridades institucionais” (BARREYRO; ROTHEN, 2008, p. 140). Seguindo o viés meritocrático, as instituições receberiam recursos de acordo com os resultados das avaliações que sugestivamente seria atribuição do Conselho Federal de Educação (BARREYRO; ROTHEN, 2008).

O relatório desta Comissão188 foi o ponto de partida para o início das propostas do

Grupo Executivo da Reforma da Educação Superior (GERES). Este grupo foi criado em 1986 para elaborar uma proposta de Reforma Universitária (BARREYRO; ROTHEN, 2008) e originou um relatório com um texto introdutório, dois anexos e dois anteprojetos de lei. O primeiro anteprojeto previa a reformulação das Universidades públicas Federais tendo como foco o binômio autonomia/avaliação e

a diversificação das instituições189 e o segundo a reformulação das funções do

Conselho Federal de Educação. Contrariando a Comissão Nacional de

186

Decreto nº 91.177 de 29 de março de 1985 (BARREYRO; ROTHEN, 2008).

187

Em 1988 foi criado o Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior (NUPES) da USP. Este grupo foi composto por pesquisadores como José Goldemberg (seu mentor e ex-reitor da USP); Eunice Durham e Simon Schwartzman. Esses estudiosos foram incorporados a diversos cargos governamentais e auxiliaram na difusão da contrarreforma educacional brasileira (LEHER, 2004). Discutiremos esse assunto posteriormente.

188

Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior.

189

A diversificação das IES já era preconizada tanto pelos organismos internacionais (a exemplo do documento Financing education in developing countries – an exploration of policy options do Banco Mundial datado de 1986, ao qual retornaremos em breve) quanto por documentos brasileiros.

Reformulação da Educação Superior, o GERES afirmava que o Conselho não poderia tornar-se uma agência de avaliação. Essa função deveria ser atribuída à Secretaria da Educação Superior no âmbito do Ministério da Educação. Embora o trabalho realizado pelo GERES tenha sido engavetado sem ser votado no Congresso Nacional, Barreyro e Rothen (2008) apontam como eles influenciaram documentos e ações posteriores como a condução do processo de diversificação e avaliação institucional.

Como advertimos, a busca pela supressão do "entulho autoritário" no Brasil possibilitou, não sem divergências, a emergência da Assembleia Nacional Constituinte onde as diferenças ideológicas (provenientes desta conjuntura global de crise do capital) propiciaram a construção de um texto constitucional híbrido, ora atendendo às demandas populares, ora atendendo a elite, em que pese o caráter progressista da Carta Magna.

A inserção do tema educação na Constituição de 1988 ocorreu concomitantemente às grandes mobilizações que envolviam concepções diferenciadas e até mesmo antagônicas sobre o projeto de educação mais adequado à realidade do país. Destacou-se nesse cenário o Fórum da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito lançado na semana de instalação da Subcomissão da

Educação, Cultura e Esporte da Constituinte190 e que, posteriormente passou a ser

denominado Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública (FNDEP) (GOHN, 2012). Segundo Gohn (2012) este fórum se diferenciou dos movimentos surgidos nas

décadas de 1930191 e 1950192 por sua ligação à reivindicação de “um projeto para a

educação, como um todo e não apenas para a escola (embora esta, na modalidade

190

Na primeira fase da Assembleia Nacional Constituinte. Entretanto, esse Fórum foi lançado oficialmente no dia 9 de abril de 1987 em Brasília por meio da Campanha Nacional pela Escola Pública e Gratuita. De início, o Fórum era composto por 15 entidades: Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Educação (ANDE), ASSOCIAÇÃO Nacional de Profissionais de Administração da Educação (ANPAE), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Confederação dos Professores do Brasil (CPB), Centro de Estudos de Educação e Sociedade (CEDES), Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Central única dos Trabalhadores (CUT), Federação Nacional dos Orientadores Educacionais (FENOE), Federação das Associações dos Servidores das Universidades Brasileiras (FASUBRA), Ordem dos Advogados do