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A “universidade empreendedora”

No documento Spin-offs académicas em Portugal (páginas 43-46)

CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA

2. A produção de conhecimento e o ensino superior

2.3. A “universidade empreendedora”

foi cunhado por Etzkowitz (1993) para descrever uma série de mudanças que refletem o papel mais ativo da universidade na promoção da transferência de conhecimento, sublinhando as vantagens daí advenientes, principalmente o aumento da capacidade de autofinanciamento da própria atividade de investigação.

Esta denominada “terceira missão” das universidades e, em especial, o envolvimento direto em atividades comerciais não tem sido pacífica, tendo desencadeado um intenso debate no seio da academia. A controvérsia recai na denominada “privatização” e “mercantilização” da ciência que, segundo alguns autores parece não se coadunar com os princípios básicos de orientação livre da investigação científica. Argumentam que se assiste a uma substituição dos critérios de definição das prioridades científicas assentes nos interesses da ciência, por critérios assentes na possibilidade de obter lucros (Liebeskind, 2001; Owen-Smith, 2005; Cesaroni & Piccaluga, 2005), facto que no entender destes autores, desvirtuaria o papel das universidades, prejudicaria os avanços científicos e poderia criar tensões no seio das próprias instituições.

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Uma universidade empreendedora é qualquer universidade que desenvolve atividades empreendedoras ''com o objetivo de melhorar o desempenho económico regional ou nacional, bem como retirar vantagens financeiras para a universidade e o seu corpo docente'' (Etzkowitz et al., 2000, pp. 313).

Numa outra perspetiva autores como Etzkowitz e Leydesdorff (2000), Etzkowitz (2002) ou Lerner (2004), argumentam que esta terceira missão é compatível com a tradicional, podendo mesmo complementá-la, contribuindo para a inovação, a diversificação das fontes de financiamento, e estimulando o desenvolvimento regional e nacional. Em alinhamento com esta a posição a União Europeia (European Commission, 2012) tem encorajado, ativamente, as universidades europeias a adotarem uma postura empreendedora.

Persistindo a controvérsia, mesmo até no plano ético, segundo Rasmussen et al. (2006) o desafio para as universidades é triplo: (1) aumentar os esforços de comercialização; (2) contribuir para o desenvolvimento económico e social de forma explícita; e, (3) gerir o equilíbrio entre os esforços de comercialização e as atividades de produção de novo conhecimento que são essenciais e determinantes para que possa existir transferência ou conversão. No entanto, para que o empreendedorismo possa fazer parte integrante e natural da missão académica, há ainda um longo caminho a percorrer (Klofsten, 2008; Rasmusen et al., 2011), como por exemplo, a incorporação da formação para o empreendedorismo de forma sistematizada na estrutura académica, estimulando novas atitudes e comportamentos dos seus atores (Etzkowitz & Klofsten, 2005; Klofsten, 2008).

Segundo Klofsten e Jones-Evans (2000), as atividades empreendedoras que uma universidade pode desenvolver variam num espectro entre o que apelidam de atividades “hard” e atividades “soft”. As primeiras incluem o registo de patentes, negociação de licenças e a criação de spin-offs e são geralmente percebidos como as formas mais tangíveis (Rasmussen et al., 2006), normalmente mais associadas a universidades empreendedoras maduras (Klofsten & Jones-Evans, 2000). Estas atividades são frequentemente vistas como de natureza mais comercial e por essa razão tendem a ser menos compatíveis com o papel tradicional dos investigadores e professores, criando também mais resistências internas (Louis et al., 1989). Por outro lado as atividades “soft” tais como publicações académicas, investigação fundamental subsidiada e contratos de investigação, têm um alinhamento mais consonante com a cultura académica tradicional e que, em certos casos, podem portanto não ser consideradas como atividades empreendedoras por parte da comunidade académica em geral, embora sejam também parte importante da transferência/transmissão de conhecimento (Klofsten & Jones-Evans, 2000; Louis et al., 1989).

Há diversos exemplos de universidades, tanto nos EUA como na Europa que desenvolveram atividades consideradas empreendedoras e que representam arquétipos bem-sucedidos como por exemplo a Universidade de Stanford, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), as Universidades da Califórnia, de Columbia ou de Cambridge (Debackere, 2000; Etzkowitz et al., 2000; Mowery et al., 2004; Chiesa & Chiaroni, 2005). No entanto, segundo Philpott et al., (2011) estas universidades apresentam um enviesamento no que se refere á tipologia dessas atividades, visto que privilegiam de forma acentuada as atividades “hard”. Com efeito, muitas universidades americanas e europeias têm colocado o enfase na comercialização de conhecimento utilizando como métricas as patentes, licenças, investigação em consórcio e spin-offs

criados (Lockett et al., 2005). Todavia alguns autores consideram que estas métricas não deverão ser as únicas para caraterizar o conceito de “universidade empreendedora”, defendendo que há outras que poderiam refletir de forma mais abrangente e completa a transferência de conhecimento nomeadamente publicações, conferências, trocas de conhecimento informais, consultoria ou investigação fundamental subsidiada (Cohen et

al., 2002).

Por exemplo, Mowery et al. (2004) afirmam que para a grande maioria das universidades, a rentabilidade da atividade de patenteamento e licenciamento é limitada. Agrawal e Henderson (2002) constataram que a atividade de patenteamento representa apenas 6,6% do conhecimento transferido da universidade para o exterior, enquanto as publicações representam 18% e a consultoria cerca de 31%. Segundo estes autores, em média, apenas cerca de 10 a 20% dos docentes registam patentes num determinado ano, e quase metade do corpo docente nunca registou uma patente durante o período de 15 anos sob investigação. Em contraste, uma média de 60% do corpo docente publicou pelo menos um artigo num determinado ano e menos de 3% nunca publicou no mesmo período.

De acordo com Philpott et al. (2011), esta dicotomia de posições a favor e contra a denominada “universidade empreendedora” descrita no modelo “tripla hélice” 4 (Etzkowitz & Leydesdorff, 1996) pode ser ultrapassada se todas as partes envolvidas estiverem cientes dos desafios e dificuldades enfrentadas pelas universidades em adotar esta “missão empresarial” dentro da sua estrutura, e onde a par da vertente empreendedora, seja também promovida a contribuição da universidade para a sociedade nas áreas de educação e investigação básica. Consideram que é possível conciliar as três componentes da missão (educação altamente qualificada, produção de conhecimento de excelência e comercialização do conhecimento) desde que o processo de mudança seja alicerçado na alteração da cultura institucional e tenha em consideração o longo período que cada instituição precisa para encontrar o seu próprio equilíbrio, em vez de enveredar por arquétipos pré-definidos que resultaram num determinado contexto mas que não são replicáveis sem as devidas adaptações.

Este papel crescente das universidades na economia pode encarar-se como natural, acompanhando a evolução social, sendo parcialmente uma consequência de mudanças que foram ocorrendo nos modelos de desenvolvimento, cada vez mais assentes em conhecimento intensivo e onde os clusters de alta tecnologia desempenham um papel central (O'Shea et al., 2004). Especialmente nos países ocidentais, estas transições têm aumentado a importância das universidades e outras organizações de investigação públicas, dada a sua condição de atores importantes na produção de novo conhecimento

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O conceito do “Tripla Hélice” foi introduzido na década de 1990 por Etzkowitz e Leydesdorff (1996, 2001). Engloba elementos de obras precursoras de Lowe (1982) e Sábato e Mackenzi (1982) e interpreta a mudança de uma relação diádica dominante indústria-governo para uma crescente relação triádica entre universidade-indústria-governo na Sociedade do Conhecimento. Através de desenvolvimentos posteriores (por exemplo, Etzkowitz e Leydesdorff, 1996, 2000; Leydesdorff, 2006) o conceito tornou-se um marco conceptual para explorar a complexa dinâmica da sociedade do conhecimento e para informar os decisores políticos a nível nacional, regional e internacional.

e de disseminadores (spillovers) para outros agentes económicos e sociais (Conceição & Heitor, 1999; Nerkar & Shane, 2003; O’Gorman et al., 2008).

No entanto, a relação entre produção de conhecimento e a sua conversão em valor económico não é linear, automática e fácil de gerir e estimular registando-se níveis de eficácia diferentes entre países e regiões, nomeadamente, entre a Europa e os EUA (European Commission, 2004; Wright et al., 2007). Significa que, sendo a produção de conhecimento de elevada qualidade uma condição necessária, parece não ser suficiente para que a sua transformação em valor económico aconteça. E será neste campo que as universidades poderão desempenhar um papel central, não apenas como principais

players da produção científica mas simultaneamente como agentes de conversão e

transferência desse conhecimento para a sociedade.

Assim, no ponto seguinte iremos analisar os processos, mecanismos e estruturas de apoio à conversão do conhecimento gerado pelos cientistas nas universidades para o mercado, com especial enfoque na criação de spin-offs de base académica.

No documento Spin-offs académicas em Portugal (páginas 43-46)