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O que é tecnologia e transferência de tecnologia

No documento Spin-offs académicas em Portugal (páginas 46-50)

CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA

3. Transferência e exploração de conhecimento

3.1. O que é tecnologia e transferência de tecnologia

A primeira dificuldade relativamente ao conceito de transferência de tecnologia radica logo na própria definição de tecnologia. De acordo com Kumar et al. (1999), a tecnologia é constituída por dois componentes principais: (1) um componente físico que compreende itens tais como produtos, ferramentas, equipamentos, plantas, técnicas e processos e, (2) um componente informacional, que compreende know-how em gestão, marketing, produção, controlo de qualidade, confiabilidade e mão-de-obra qualificada, observando que o objeto de transferência (a tecnologia) depende de um conjunto de processos e de produtos. Nesta perspetiva, o conceito não está apenas relacionado com a tecnologia que está incorporada no produto (componente física e tangível), mas está também associado com o conhecimento diferenciado e os processos utilizados para o seu desenvolvimento (componente de conhecimento intangível) (Bozeman, 2000).

Partindo deste referencial, coloca-se então a questão do conceito de transferência de tecnologia e de conhecimento que, de forma similar a outros conceitos, é também objeto de interpretações diversificadas. Segundo Farhang (1997) a transferência de tecnologias, implica não apenas a transferência de produtos, materiais ou processos, mas também a transferência de know-how de engenharia de elevada especialização e de pessoal técnico. Este processo pode envolver a transferência de descobertas científicas ou tecnológicas de uma organização para outra (Chun, 2007), ou de uma universidade para a uma empresa (Solo & Rogers, 1972).

Segundo Wahab et al. (2012) a maioria dos estudos definiram a transferência de tecnologia, como um processo que envolve não só preocupação com a transmissão de conhecimentos (componente física mais conhecimento), mas também um processo onde ambos, emissor e recetor de conhecimento, desenvolvem uma aprendizagem mútua. Ou seja, a transferência de tecnologia deve ser um processo interativo de partilha, troca e conversão de conhecimento (explicito e tácito), onde os atores deverão estar comprometidos num processo cumulativo de aprendizagem mútua que deverá beneficiar as partes envolvidas.

Também diversas entidades internacionais têm adotado diferentes definições e nomenclaturas. Assim, a Comissão Europeia, utiliza o termo “transferência de conhecimento”, definindo-o como o conjunto de atividades de transmissão e disseminação de conhecimento, de uma instituição de origem para um destinatário que se responsabiliza pela sua transformação em resultados económicos integrando os processos de captação, recolha e partilha de conhecimento explícito e tácito e atividades comerciais e não comerciais tais como, colaborações em investigação, consultoria, licenciamento, criação de spin-off, a mobilidade dos investigadores, publicação, etc. (European Commission, 2007). Mais uma vez é reconhecido que os ativos que podem ser convertidos em resultados económicos não se limitam a tecnologia, mas também competências e capacidades.

A Association University Technology Management (AUTM, 2007) utiliza o conceito “transferência de tecnologia” que define como “o processo de transferência de descobertas científicas de uma organização para outra, com o propósito de desenvolvimento posterior ou comercialização” 5

. Este processo inclui, tipicamente, a identificação de novas tecnologias, a respetiva proteção através de modalidades de patentes e copyrights e estratégias de desenvolvimento e comercialização através do licenciamento ou a criação de novas empresas start-up baseadas na tecnologia.

Na revisão de literatura constatámos que os termos “transferência de conhecimento” e “transferência de tecnologia” têm vindo a ser utilizados por diversos autores e entidades sem que se perceba, de forma clara, o que os distingue, facto que nos remete para a questão de saber se são conceitos similares ou se incorporam algum tipo de diferenciação. Em termos históricos, a transferência de tecnologia está conotada com a transferência de conhecimento (tácito e explicito) associado a engenharia e tecnologia, deixando de fora outras áreas de conhecimento como ciências sociais, humanidades,

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artes, entre outras. Esta visão tem vindo a ser substituída por um olhar mais abrangente onde as diversas áreas de conhecimento ocupam um lugar próprio no processo de criação de riqueza económica e social gerado a partir do conhecimento produzido nessas áreas.

(Wahab et al., 2012) numa revisão extensiva da literatura sobre este tema, constataram que não existe uma preocupação evidente em diferenciar transferência de conhecimento de transferência de tecnologia. Muitos dos estudos não estabelecem uma linha clara entre os conceitos e a maioria dos estudos tem aplicado regularmente o termo indistintamente como tendo significados similares. Nestes mesmos estudos a maioria dos pesquisadores afirma que a transferência de tecnologia está intimamente associado com a transferência de informações, know-how, conhecimento técnico que está incorporado nos produtos, processos e na gestão. O argumento central para a utilização dos conceitos de forma indistinta é que o elemento crítico que está subjacente à transferência tecnologia é o conhecimento sugerindo que a tecnologia e conhecimento são inseparáveis (Gibson & Rogers, 1994).

Em síntese a tecnologia é na nossa perspetiva conhecimento teórico e prático, que está incorporado nos materiais, nas pessoas e nos processos físicos e que pode ser usado para desenvolver produtos e serviços, bem como a sua produção e sistemas de distribuição. Nesta ótica, tecnologia e o conhecimento são inseparáveis na medida em que quando um produto tecnológico é transferido, o conhecimento por detrás da sua composição também é transferido. Ou seja, a entidade física não poderá ser colocada em uso sem a existência de conhecimento que é inerente e não acessório.

A transferência de conhecimento é por nós entendida como um conjunto de atividades de transmissão e disseminação de conhecimento, de uma instituição de origem para um destinatário num processo interativo de captação, recolha e partilha de conhecimento explícito e tácito em que ambos, emissor e recetor de conhecimento, desenvolvem um processo de aprendizagem interativo e iterativo.

Clarificado o conceito de transferência de conhecimento interessa perceber quais as diferentes dimensões que lhe estão associadas. Numa perspetiva analítica é possível identificar dimensões relacionadas com as atividades, com as instituições produtoras de conhecimento, com o processo de transferência, com o tipo de conhecimento, ou com os atores. O World Bank (2005) identifica cinco dimensões associadas ao conceito de transferência de conhecimento que sintetiza da seguinte forma:

(1) A primeira dimensão refere-se ao tipo, ou seja, à natureza tácita ou codificada do conhecimento. O conhecimento codificado, ou explícito, é mais facilmente transferível mesmo que, como sugerem Jensen et al. (2007), não seja nunca automático e existam vários pré-requisitos para o sucesso. Já o conhecimento tácito é muito mais difícil de transferir, e pode exigir diferentes plataformas de transferência. Ao considerar o conhecimento apenas na sua forma explícita, corre-se o risco de subestimar o verdadeiro esforço necessário para o transferir. Aparentemente pode ser transferido de forma relativamente fácil por meio de uma variedade de formas impressas ou ferramentas eletrónicas. No entanto, a

plenitude do processo apenas poderá ser alcançada com a transferência associada à sua dimensão tácita, que tipicamente requer interação humana, proximidade física e desenvolvimento de laços de confiança e de aprendizagem entre os agentes envolvidos no processo. O conhecimento tácito não se transmite ou transfere sem aprendizagem por parte do recetor.

(2) A segunda dimensão refere-se à direção. É frequentemente aceite que o conhecimento circula de um emissor para um recetor, mas é importante ter em conta diferentes tipos de feedback, criando condições para aprender a partir das interações. O sucesso na adoção e implementação do conhecimento é muito dependente do fluxo bidirecional entre o prestador e o destinatário, onde uma comunicação eficaz nos dois sentidos deve permitir uma aprendizagem mútua e o fortalecimento das relações. Por estes dois motivos, a transferência de conhecimento não deve ser reduzida a uma transmissão linear de informação, mas envolve um processo de aprendizagem contínua de circulação e recirculação permanentes (Laranja, 2009).

(3) A terceira dimensão está associada à diversidade dos participantes no processo. Quanto mais heterogéneos os atores envolvidos maior o potencial para aprender uns com os outros mas, concomitantemente, mais problemática se torna a comunicação. É fundamental que os participantes interpretem o processo com uma mentalidade baseada na empatia, humildade, curiosidade e vontade de experimentar novas abordagens que podem estar “fora da caixa da sua sabedoria convencional".

(4) A quarta dimensão refere-se à segmentação. A transferência de conhecimento, em última instância envolve pessoas e instituições sendo a sua escolha uma parte muito importante do processo. Isto tem implicações na forma como as instituições fazem a disseminação do conhecimento e se a divulgação é eficaz na forma como consegue atrair as instituições e as pessoas certas no tempo e na forma adequadas.

(5) A dimensão final é a sequência das atividades de transferência. Após a identificação dos atores envolvidos para responder às necessidades do processo de transferência, as atividades devem ser organizadas de forma que este processo ocorra com fluidez. Para tal é necessário identificar a capacidade de compreensão e de conhecimento das instituições e das pessoas participantes. Essa informação deverá levar a trade-offs entre o que fazer (procedimentos de transferência) e quando fazer (sequenciamento das atividades) e como ligar os atores ao desenvolvimento do processo.

Esta última dimensão remete-nos para a questão do processo de transferência de conhecimento, aspeto que iremos abordar no ponto a seguir.

No documento Spin-offs académicas em Portugal (páginas 46-50)