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Outros corpos teóricos complementares

No documento Spin-offs académicas em Portugal (páginas 84-89)

CAPÍTULO III – EMPREENDEDORISMO ACADÉMICO

3. Outros corpos teóricos complementares

Em complemento dos dois corpos teóricos apresentados nos pontos anteriores iremos ainda abordar a teoria do empreendedorismo e a teoria do empreendedorismo pelo transbordamento do conhecimento devido à sua ligação à criação e desempenho de novas empresas.

A teoria do empreendedorismo (Casson 2005), sobre a qual parte dos argumentos deste trabalho são construídos, enfatiza que é o empresário que se especializa e tem responsabilidade na tomada de decisões relacionadas com a direção estratégica da empresa. Segundo este autor, existem diversas teorias da empresa, mas que apenas explicam aspetos particulares do comportamento das empresas, sendo por isso necessário sintetizá-las numa teoria abrangente, sendo que uma das razões que aponta para esta dificuldade seja o reduzido esforço dos investigadores para integrar o empreendedorismo na teoria da empresa. Atribui esta dificuldade ao facto de grande parte da literatura tradicional sobre o tema (por exemplo, Cantillon, 1755; Knight, 1921) ser de matriz económica e de natureza macro que desenvolve muito pouco os aspetos micro, relacionados com a gestão das empresas. Outro fator assinalado por Casson (2003) é que parte da literatura económica sobre o empreendedorismo é muito marcada por pressupostos psicológicos ligados ao perfil do empreendedor (Mclelland, 1961; Kirzner, 1973 e 1997).

A teoria do empreendedorismo desenvolvida por Casson (2005) tenta sintetizar num mesmo corpo teórico a perspetiva económica com a perspetiva de gestão. O empreendedorismo é visto como um processo fundamental para a economia de mercado, e pode ser analisado através do alargamento do modelo de ação racional da economia neoclássica para um contexto incerto em que o acesso diferenciado à

informação gera diferenças na perceção do ambiente de negócios entre diferentes grupos de pessoas (Casson, 2003). Segundo esta teoria os empreendedores tentam explorar essas diferenças de perceção para sua própria vantagem. O empreendedor é percebido como responsável pela síntese e análise da informação disponível e, em seguida, utilizando os resultados desta análise para tomar decisões importantes sobre os negócios. Estas decisões incluem a criação de novos produtos/serviços e a identificação de mercados adequados e em última análise, influenciam o desempenho, crescimento e sobrevivência de uma empresa (Casson, 2005).

A especialização na tomada de decisão com base no julgamento individual é tida como a característica definidora do empreendedor. Todas as outras características imputadas ao empreendedor são deduzidos a partir desta, introduzindo suposições específicas sobre o ambiente em que empreendedor opera (Casson, 2005).

Além disso, argumenta-se que os empreendedores de sucesso precisam de possuir habilidades organizacionais apropriadas que devem basear-se na aquisição de qualificação profissional e de experiência de trabalho adequada e, que são essas habilidades (capital humano) do empresário, que acabarão por definir o desempenho de uma empresa (Barney, 1991; Lockett et al., 2009).

Esta formulação da teoria do empreendedorismo de Casson (2005) revela ligações com a TBR. Esta, como já antes foi sublinhado, concentra-se na importância dos recursos de uma empresa e das circunstâncias em que estes podem ser uma fonte de vantagem competitiva sustentável (Barney, 1991). Os recursos em capital humano são considerados, de acordo com a TBR, e muito especialmente no âmbito do empreendedorismo académico, uma fonte de vantagem competitiva, (muitas vezes talvez a única) pois acredita-se que estes recursos são valiosos, heterogéneos e de difícil transferência (Zhuang & Lederer, 2006).

É também especificamente mencionado que a equipa de gestão da empresa é um componente importante, uma vez que é considerado um recurso com o potencial de gerar vantagem competitiva por meio da identificação e exploração de uma oportunidade de negócio (Barney, 1991; Caldeira & Ward, 2003). Existe, pois, também uma conexão forte entre TCH e da teoria do empreendedorismo. A TCH enfatiza a importância dos recursos humanos e destaca o papel dos gestores (Teece & Pisano, 1994), e a teoria do empreendedorismo argumenta que as capacidades empreendedoras são o principal de recurso de uma empresa, sublinhando que as capacidades dos cientistas e gestores de nível intermédio derivam das do empreendedor, uma vez que é ele que os seleciona e contrata (Casson, 2005; Porter & Ketels, 2003). No âmbito das ASO esta capacidade de julgamento da informação contextual e de escolha das equipas é considerada decisiva para o êxito das mesmas (Barney et al., 2001), razões que justificam a sua utilização no âmbito deste trabalho.

3.2. A teoria do empreendedorismo pelo transbordamento do conhecimento Outro dos desenvolvimentos teóricos na área do empreendedorismo em que este estudo se apoia é a denominada teoria do empreendedorismo pelo transbordamento do

conhecimento (The knowledge Spillover Theory of Entrepreneurship, KSTE, na sigla anglo-saxónica que utilizaremos doravante) (Audretsch, et al., 2005; Acs et al., 2009; Acs et al., 2013).

Segundo este ainda reduzido corpo teórico, as teorias de empreendedorismo anteriores giram em volta da capacidade dos indivíduos para reconhecer oportunidades e agir sobre elas, iniciando novos empreendimentos (Shane & Vankataramen, 2000), focando os esforços de investigação sobre as diferenças entre os indivíduos, ou sobre as características específicas dos indivíduos para explicar a capacidade de alguns descobrirem ou criarem oportunidades empresariais e de as explorar e outros não (Shane & Eckhardt, 2003), enquanto, implicitamente, consideram o contexto externo em que o indivíduo atua como um dado ou uma constante (Audretsh, et al., 2005; Acs et al., 2013).

Em contraste, a KSTE tem um ponto de partida alternativo, pois em vez de se focalizar na heterogeneidade dos indivíduos, focaliza-se na heterogeneidade dos contextos em que os indivíduos atuam. Consideram que o que distingue a KSTE das teorias anteriores é resposta que dão relativamente à questão da fonte ou origem das oportunidades, que o corpo teórico anterior não considerava nos seus postulados (Acs et al., 2009). Assim, considera que a fonte das oportunidades empreendedoras envolve os spillovers8 de conhecimento, ou seja a identificação de novos conhecimentos e ideias que não são totalmente comercializados pela organizações incumbentes e que podem gerar esse conhecimento, quer sejam grandes empresas, universidades, laboratórios de investigação ou outras organizações produtoras de conhecimento. De alguma forma esta teoria inverte os pressupostos, considerando as características individuais como um dado, enquanto parte da explicação para compreender as diferenças de comportamentos é colocada na dinâmica e diversidade dos contextos em que os empreendedores estão inseridos (Audretsch et al., 2005).

Desta forma, de acordo com este corpo teórico, é expectável que a atividade de ASO seja maior onde os investimentos em novos conhecimentos sejam relativamente elevados, uma vez que surgirão mais oportunidades que os empreendedores poderão explorar através dos spillovers das fontes de produção de conhecimento (as universidades, entre outras).

Num ambiente com relativamente baixos investimentos em novos conhecimentos, haverá menos oportunidades empresariais e, consequentemente menor atividade empreendedora e menor criação de riqueza. Ou seja, a questão de proximidade entre o novo empreendimento e a organização incumbente tem relevância no fenómeno do transbordamento do conhecimento podendo identificar-se pelo menos duas razões pelas quais a dimensão regional poderá ser relevante. Em primeiro lugar, porque o novo conhecimento não flui livremente através do espaço, mas tende a ser vinculado regionalmente (Asheim & Gertler, 2005; Boschma, 2005) e em segundo lugar, porque os fundadores mostram uma tendência pronunciada para localizar as suas empresas em

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estreita proximidade espacial com o seu antigo local de trabalho ou com o local onde residem (Dahl & Sorenson, 2009).

Fritsch e Amoucke (2013) num estudo realizado na Alemanha, constataram que a presença e o tamanho das instituições académicas públicas têm um maior efeito sobre a formação novos negócios inovadores do que a qualidade dessas instituições. Também constataram que os spillovers são fortes localmente mas fracos em termos inter- regionais.

Desta forma, o empreendedorismo é visto como um importante driver para a conversão do conhecimento em valor económico e social, agindo como um canal através do qual algum do conhecimento criado por organizações produtoras (empresas ou universidades, p.e.) transborda e leva alguns indivíduos a criar novas empresas que, em muitos casos, criam inovações radicais, rompendo com práticas de mercado instaladas e seguidas de forma incremental pelas empresas incumbentes, facto que lhes confere maior importância na sociedade (Acs et al., 2013).

Estas oportunidades são criadas quando as organizações existentes investem na produção de novo conhecimento, mas não têm interesse ou não conseguem explorá-lo comercialmente. Esta situação ocorre com muita frequência nas grandes empresas e nas universidades devido à incerteza quanto ao potencial do novo conhecimento ou à estrutura burocrática dessas organizações, o que não é o caso das pequenas empresas. De facto, Acs et al. (2004) sugerem que parte do conhecimento gerado pelas entidades produtoras não consegue ser absorvido nem explorado pelas mesmas, pelo que esses “resíduos” transbordam para todo o sector beneficiando assim a criação de novas empresas. No caso das grandes empresas e das universidades, acontece frequentemente que um colaborador, que na maior parte dos casos é um engenheiro ou cientista, tenha uma ideia que considere inovadora e capaz de revolucionar o mercado e proporcionar grandes retornos financeiros. Se a organização subestimar a ideia, é natural que o colaborador se decida a abrir a sua própria empresa a partir dessa ideia (Acs et al., 2013).

Em suma, a KSTE tem como principal propósito explicar o papel do empreendedorismo na exploração das oportunidades criadas pelo spillover do conhecimento, não exploradas pelas instituições incumbentes, num contexto em mudança permanente, pela capacidade que os empreendedores têm em ultrapassar as barreiras, motivados pelas expectativas do retorno financeiro ou de outra natureza (Audretsch et al., 2006). As ASO estão particularmente bem posicionadas para converter esse conhecimento em produtos comercializáveis a partir desses “resíduos” e, daí, a relevância desta perspetiva teórica nesta tese.

CAPÍTULO IV - POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS DE

No documento Spin-offs académicas em Portugal (páginas 84-89)