• Nenhum resultado encontrado

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS OBTIDOS

5.1 O PONTO DE PARTIDA: ORGANIZANDO OS PASSOS DA PESQUISA

5.1.1 A utilização da história oral na coleta de dados

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa com sujeitos que fazem uso ou indicam plantas com fins medicinais, a oralidade apresenta-se como uma característica marcante. Desta forma, constatamos que os conceitos e referências sobre história oral contribuiriam com o estudo, pois ressaltam a possibilidade de se captar a experiência dos sujeitos e de evidenciar suas tradições, mitos, narrativas, crenças e lendas (QUEIROZ, 1987).

História oral, como explica Queiroz (1987), é um termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar, buscando-se uma convergência de relatos sobre um mesmo acontecimento ou sobre um período de tempo de um só indivíduo ou de uma coletividade.

Para Meihy (2000, p. 25), ―é sempre uma história do tempo presente e também reconhecida como história viva‖, atestando sua capacidade de manter algo em estado atual. Além disso,

A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. [...] Propicia o contato – é, pois a compreensão - entre classes sociais e gerações. [...] Em suma, contribui para seres humanos mais completos. (THOMPSON, 1992, p. 44).

Meihy (2000, p. 08) diz que ―o movimento da história oral é dinâmico, contínuo e universal‖. Assim, podemos considerar que ―a evidência oral, transformando os ‗objetos‘ de estudo em ‗sujeitos‘, contribui para uma história, que não é só mais rica, mais viva e comovente, mas também mais verdadeira” (THOMPSON, 1992, p. 137, grifos do autor).

Para Queiroz (1987), o relato oral está na base da obtenção de toda informação, antecedendo outras técnicas de obtenção e conservação do saber. Por sua vez, a palavra é se não a primeira, uma das mais antigas técnicas utilizadas neste tipo de relato. A transmissão de saberes por meio da oralidade tanto pode fazer referência ao passado mais longínquo, trazendo as histórias dos antepassados, quanto ao tempo presente, revelando as experiências cotidianas em comunicações próximas no tempo. Ainda segundo a autora,

O relato oral constituirá sempre a maior fonte humana de conservação e difusão do saber, o que equivale a dizer, fora maior fonte de dados para as ciências em geral. Em todas as épocas, a educação humana (ao mesmo tempo formação de hábitos e transmissão de conhecimentos, ambos muito interligados) se baseara na narrativa, que encerra uma primeira transposição: a da experiência indizível que se procura traduzir em vocábulos. (QUEIROZ, 1987, p. 03).

A difusão da moderna história oral, como atividade organizada, surgiu no ano de 1948, na Universidade de Columbia, quando o professor Allan Neves organizou a Oral

History Research Office, para desenvolver os primeiros projetos em história oral em nível

acadêmico. Assim, oficializou-se o termo que, posteriormente, nos anos de 1950, viria a ser utilizado por sociólogos como W. I. Thomas (1863-1947) e F. Znaniecki (1882-1958) e por antropólogos, como Franz Vilas Boas (1858-1942). (CORRÊA, 1978; QUEIROZ, 1987; THOMPSON 1992; MEIHY 2000).

Mais adiante, nos anos de 1960, a história oral difundiu-se no plano internacional motivada pela contracultura e combinada com os avanços tecnológicos, centros de pesquisas e institutos, consolidando assim esse campo (MEIHY, 2000). Nesse processo de expansão, a história oral passou a ser utilizada por muitos estudiosos, particularmente sociólogos e antropólogos que não se consideraram historiadores orais (THOMPSON, 1992).

No Brasil, alguns fatores como a ausência de laços universitários com os acontecimentos locais e a cultura popular, a consequente falta de tradições institucionais não acadêmicas em desenvolver projetos com registros de histórias locais, por meio da oralidade, ainda influenciados pela forte tradição da cultura formal e escrita, fizeram com que a história oral tardasse a se desenvolver (MEIHY, 2000). Uma das primeiras experiências neste sentido ocorreu oficialmente no ano de 1971, em São Paulo, durante um evento realizado no Museu da Imagem e do Som (MIS). Outras experiências ocorreram em Londrina (1972) e na Universidade Federal de Santa Catarina com a implantação de um laboratório de história oral, em 1975. Porém, a experiência de maior destaque tem sido a do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), sediado na Fundação Getúlio

Vargas, no Rio de Janeiro. O texto mais conhecido desse período é Memória e Sociedade:

lembranças de velhos (1979), de Ecléia Bosi, um trabalho solitário, pioneiro e interdisciplinar.

A relevância da história oral é enfatizada por vários autores. Corrêa (1978) diz que esta é uma forma de construir, para o futuro, documentos que registrem memórias de pessoas vivas, impedindo que se percam definitivamente. Queiroz (1987) considera a história oral como sendo a maior fonte humana de conservação e difusão do saber. Thompson (1992) diz que a história oral contribui para formar seres humanos mais completos, quando propicia o contato entre classes sociais e entre gerações e a conquista de dignidade e confiança dos menos privilegiados.

Dado seu perfil multidisciplinar, o que se discute ainda hoje é se a história oral é uma técnica, um método ou uma ferramenta. Como ferramenta, a história oral equivale a simples depoimento; como técnica, as entrevistas não se compõem como objeto central, mas como um recurso a mais; como método, a história oral é a atenção dos estudos e sobre os quais os resultados serão efetivados (MEIHY, 2000).

Nesse sentido, a utilização da história oral como método de pesquisa tem o objetivo de identificar fragmentos do conhecimento popular que não se perderam, permanecendo na memória através das gerações. Para Le Goff (2003), é através da memória que reevocamos as coisas passadas, abraçamos as presentes e contemplamos as futuras com base no que passou. Bosi (1999, p. 03) afirma que ―a memória é um cabedal infinito, do qual só registramos um fragmento‖.

Conforme ressalta Thompson (1992, p. 195),

[...] todas as fontes históricas estão impregnadas de subjetividade desde o início, a presença viva das vozes subjetivas do passado também nos limitam em nossas interpretações e nos permitem, na verdade obrigam-nos, a testá-las em confronto com a opinião daqueles que sempre, de maneira fundamental, saberão mais do que nós.

Diante disso, a escolha da história oral como metodologia para este estudo foi feita com a intenção de coletar relatos pertinentes às histórias de vida das pessoas que cultivam, produzem e fazem uso de plantas para fins medicinais, tenham elas formação acadêmica ou não.