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2 PLANTAS MEDICINAIS EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE

2.4 PLANTAS MEDICINAIS E MEDICINA POPULAR

Sem a preocupação se tal uso é ou não popular, a mãe usa chazinhos na tentativa de amenizar uma cólica do filho, a avó indica dieta a neta que acabou de dar a luz, o raizeiro manipula raízes para os mais diferentes males (OLIVEIRA, 1985). Essas práticas, como a visita a uma curandeira ou benzedeira são lembranças que podem fazer parte da vida de muitas pessoas. A imagem que podemos resgatar é quase sempre de uma senhora simpática, misteriosa e capaz de transmitir uma sensação de paz inexplicável. Os métodos usados por

13 O conhecimento tradicional pode ser entendido como o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo

natural e sobrenatural, transmitido oralmente, de geração em geração e somente pode ser corretamente interpretado dentro do contexto cultural em que é gerado (DIEGUES et al., 2000).

elas são variados, desde banhos de ervas, chás, garrafadas até orações utilizando ramos e folhas de plantas medicinais.

Sabe-se que há muito tempo ocorre o uso medicinal das plantas e que a indústria farmacêutica pode-se valer destes conhecimentos na produção de medicamentos para serem comercializados. Como afirma Simões e Schenkel (2002), na área farmacêutica as plantas e os extrativos vegetais foram e continuam sendo de grande relevância, tendo em vista a utilização das substâncias ativas como protótipos para o desenvolvimento de fármacos.

Argenta et al. (2011) salienta que essas espécies utilizadas na sabedoria popular têm se tornado objeto de estudo em muitos países é uma fonte importante de produtos naturais biologicamente ativos, que podem resultar na descoberta de novos fármacos, para as mais diversas doenças. Para Barbosa et al. (2004, p.38), ―a Medicina Popular representa um importante elemento cultural de uma sociedade e, apesar dos grandes avanços alcançados pela ciência na área da saúde, continua recebendo créditos significativos por parte de seus praticantes‖.

Também é fato, que o homem vem buscando na natureza elementos necessários para sua sobrevivência desde os tempos mais remotos. Por isso, não é possível separar a história das plantas, incluindo as plantas com poder curativo, conhecidas como plantas medicinais, da história do homem, pois estas parecem entrelaçadas. Como afirma Barbosa et al. (2004), não se sabe a data precisa do início da utilização das plantas sob a forma medicinal, pois sua história se entrelaça diretamente à própria história do homem, acumulando um conhecimento de milhares de anos.

Como constatamos nas palavras de Di Stasi (1996, p. 10):

O uso de espécies vegetais, com fins de tratamento e cura de doenças e sintomas, remonta ao início da civilização, desde o momento em que o homem despertou para a consciência e começou um longo percurso de manuseio, adaptação e modificação dos recursos naturais para seu beneficio próprio. Esta prática milenar, atividade humana por excelência, ultrapassou todas as barreiras e obstáculos durante o processo evolutivo e chegou até os dias atuais, sendo amplamente utilizada por grande parte da população mundial como fonte de recurso terapêutico eficaz.

Embora de maneira empírica ou até mesmo intuitiva, a sabedoria popular ensina que as plantas podem ser excelentes remédios. Não há dúvida de que as populações com suas tradições culturais, mesmo que de modo ‗inconsciente‘, contribuíram ao longo dos séculos na identificação, seleção e utilização destas plantas (DIAMOND, 2012). Isto ocorreu na tentativa de amenizar as dores e tratar as enfermidades que acometiam as pessoas. Com isso, esta prática considerada essencial se propagou a fim de proporcionar qualidade de vida às pessoas,

sendo passada de geração a geração, geralmente através da oralidade, se perpetuando até os dias atuais. Nesse sentido, ocorre a transmissão de valores adquiridos pela experiência de determinados grupos humanos, representantes de culturas próprias. Pois, ―a cultura não é algo dado, uma simples herança que se possa transmitir de geração a geração. Ela é uma produção histórica, como parte das relações entre os grupos sociais‖ (PELEGRINI; FUNARI, 2008, p.19).

Para Quintana (1999) é interessante observar como a procura por procedimentos de cura, normalmente considerados mágicos, é sempre referida ao outro, um conhecido ou amigo. Ainda, segundo o mesmo autor, não poderíamos agir de maneira diferente, pois, no mundo racional em que vivemos acreditar e levar a sério práticas que não sejam devidamente comprovadas podem nos colocar sob o risco de sermos ridicularizados. Segundo Oliveira (1985), é grande o conjunto de pessoas que, em diferentes ocasiões de diversas concepções, opiniões e valores sobre a Medicina Popular, faz uso das técnicas, conhecimentos ou práticas que ela encerra.

Essa busca, talvez esteja atrelada à curiosidade pelo oculto, que nos instiga, nos fascina e nos remete à busca pelo desconhecido. Nos leva a querer e, ao mesmo tempo, temer adentrar neste mundo a que pertencem às pessoas que realizam estas práticas, como parte da dimensão do sagrado. Delegamos aqueles que detêm papel de mediador a possibilidade da obtenção do sucesso, sendo às vezes esse o único recurso disponível em uma comunidade.

A busca pelo oculto e, até mesmo pela magia, é motivada pelo fascínio por um tipo de poder que julgamos não possuir. Pois, diante de tais poderes já não seríamos seres tão indefesos. Todavia, essa comunicação com o sagrado só pode ser realizada por pessoas consideradas especiais, possuidoras de uma sabedoria acerca do mundo visível e invisível que lhes concede prestígio e poder. Para Oliveira (1985), a Medicina Popular possui concepções de vida e valores com significado forte e verdadeiro para aqueles que a utilizam, devolvendo a possibilidade de uma relação pessoal e humana de cura.

A percepção sobre o poder curativo de algumas plantas, observada em diferentes culturas, é uma das muitas formas de relação entre populações humanas e plantas. Essa riqueza biológica torna-se ainda mais importante porque está aliada à sociodiversidade que envolve vários povos e comunidades, com visões, saberes e práticas culturais próprias. Na questão do uso terapêutico das plantas, esses saberes e práticas estão intrinsecamente relacionados aos territórios e seus recursos naturais, como parte integrante da reprodução sociocultural e econômica desses povos e comunidades. Neste sentido, é imprescindível promover o resgate, o reconhecimento e a valorização das práticas tradicionais e populares de

uso de plantas medicinais e remédios caseiros, como elementos para a promoção da saúde, conforme preconiza a OMS (BRASIL, 2009).

Sendo esta prática de fundamental importância, o conhecimento adquirido no dia a dia foi sendo repassado através dos tempos e das gerações, chegando aos dias atuais. Cabe ressaltar, no entanto, que por vários períodos da história, o uso de plantas medicinais foi bastante desacreditado, principalmente pela ciência, como forma medicamentosa. Estratégias modernas na descoberta de novos fármacos na década de 80, baseada no mecanismo de ação e modelagem molecular, fizeram com que o estudo com plantas medicinais pelo meio científico, indústria farmacêutica e órgãos de fomento, ficasse em segundo plano, embora grande parte da população dos países em desenvolvimento continuasse usando plantas ou seus derivados nos cuidados básicos de saúde (ARGENTA et al., 2011).

Essa descrença muitas vezes foi reforçada pelos meios de comunicação, já que a pessoa se constrói na e pela comunicação (MAFFESOLI, 1996). Porém, nos dias atuais, tem- se observado um entusiasmo sem precedentes na imprensa brasileira quanto às potencialidades de exploração dos recursos naturais. Jornais de grande circulação chamam a atenção para o valor da biodiversidade; revistas apresentam chamadas de capa; reportagens são apresentadas em horários de destaque na TV, entre outros exemplos, todos divulgando a importância da utilização destas plantas pela população, como também com destaques aos estudos realizados pela ciência na busca de confirmação deste conhecimento empírico ou popular (SIMÕES; SCHENKEL, 2002), que, segundo Maffesolli (2007), é um ‗conhecimento‘ empírico cotidiano que não pode ser dispensado, já que representa o ‗saber- fazer‘, ‗saber-dizer‘ ‗saber-viver‘.

Segundo Oliveira (1985), não se avalia o quanto a Medicina Popular é importante, já que rotineiramente é praticada no contexto familiar, na casa dos amigos, parentes, vizinhos, nas cidades onde está incorporada nos atos cotidianamente vividos, cristalizados em hábitos, costumes e tradições.

Nas últimas décadas, se tem assistido a um aumento significativo do interesse da população mundial na busca por uma medicina mais natural, inclusive ocorrendo a adesão de muitos profissionais das áreas da saúde à utilização das plantas medicinais e os fitoterápicos. Neste sentido, o uso das plantas medicinais passou a ter destaque nacional e internacional, incitando, inclusive, sua utilização pelas camadas sociais que até então não utilizavam esses produtos (PEIXOTO NETO; CAETANO, 2005). Esse interesse, segundo Simões et al. (1995), pode estar atrelado à crise econômica, ao alto custo de medicamentos industrializados, à difícil acessibilidade à assistência médica e farmacêutica, à tendência dos consumidores em

utilizar produtos de origem natural que agridem menos o organismo. Esse dado influenciou tanto o cenário político como o econômico, ocorrendo o traçado de várias políticas de normatização para esta prática.

Para Barbosa et al.(2004), a razão do uso de práticas baseadas no saber popular não se encontra apenas na falta de esclarecimento ou de recursos financeiros por parte da população, pois mesmo em grandes centros urbanos e em classes socialmente mais elevadas, crenças e práticas baseadas no saber popular e em experiências empíricas são adotadas como recursos destinados à manutenção da saúde ou cura de doenças. Esta também é a reflexão da OMS, quando afirma que:

En muchos países desarrollados el popular uso de la MCA está propulsado por la preocupación sobre los efectos adversos de los fármacos químicos hechos por el hombre, cuestionando los enfoques y las suposiciones de la medicina alopática y por el mayor acceso del público a información sanitária. (OMS, 2002, p.02).

Estima-se que pelo menos 25% de todos os medicamentos modernos são derivados diretamente ou indiretamente de plantas medicinais, obtidos principalmente por meio da aplicação de tecnologias modernas ao conhecimento tradicional (BRASIL, 2005). As potencialidades de uso das plantas medicinais encontram-se longe de estar esgotadas.

Neste sentido, compreende-se que o Brasil, com seu amplo patrimônio genético e sua diversidade cultural, possui inúmeras vantagens e oportunidades para o desenvolvimento dessa terapêutica, como as maiores variedades vegetais do mundo, ampla sociodiversidade, o uso de plantas medicinais vinculado ao conhecimento tradicional e tecnologia para validar cientificamente este conhecimento (BRASIL, 2005).

Desse modo, ainda que a alopatia permaneça hegemônica reconhecida como científica e de prerrogativa médica torna-se inconcebível, que uma prática que se perpetuou na história não tenha ainda, o merecido reconhecimento da ciência e daqueles que a executam (ALVIM et al., 2006; DI STASI, 1996).