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1.2 METODOLOGIA

1.2.1 A vertente epistemológica do Construcionismo Social e as

Nas Ciências Humanas (Ciências Sociais e Psicologia Social), é cada vez mais comum encontrar trabalhos que rompem com a prática tradicional/positivista de se fazer ciência (SPINK, 2003). Perante a perspectiva que compreende a realidade como construção social, cabe ao pesquisador encontrar meios de re-contar ou re-narrar histórias socialmente construídas, dando visibilidade ao(s) sentido(s) que se encontra(m) oculto(s) no(s) registro(s). Para Spink (2003, p. 38) "o re-narrar acadêmico é o escrito do narrar oral, da conversa, da visita, do material, da materialidade, dos achados e perdidos" (SPINK, 2003, p. 38).

Deste modo, com esta tese, não compartilho com as perspectivas subjetivista (narrativa como invenção pessoal ou individual) e positivista (descrição objetiva das coisas). Proponho um trabalho que coloca a pesquisa no movimento da construção social de realidades por meio de narrativas auferidas a partir de diferentes vozes e registros que contam as pequenas e específicas histórias, bem como a história principal, a qual é construída a partir de todas as outras para responder o problema que dá sustentação à tese.

As narrativas são construídas a partir do diálogo entre as histórias sobre o vivido ou o praticado e a literatura sobre o tema abordado. Mais precisamente, o diálogo se estabelece entre os pontos de fissuras e de conflitos presentes nas histórias, nos registros e na literatura.

Foi na pós-modernidade, com a emergência do movimento do construcionismo social (dentre outros pós-estruturalistas), que a narrativa começou a ser entendida como um modo de produção de sentidos que constrói uma realidade (GERGEN, 1997, 2009, 2009a; GERGEN; GERGEN, 2007). Em outras palavras, a realidade podia ser compreendida por meio da construção de narrativas a partir de diferentes perspectivas (BRUNER, 1997, 1997a).

O estudo da narrativa por meio do construcionismo social teve início na década de 1980, no momento que as ciências humanas se apropriaram das histórias orais e escritas, como um parâmetro linguístico, filosófico, cultural e psicológico para explicar a construção social da realidade (BAKHTIN, 1981, 1986; BAUMAN, 1986; BRITTON; PELLEGRINI, 1990; MITCHELL, 1981; NELSON, 1989; RICOEUR, 1984, 1985; SARBIN, 1986; SCHAFER, 1989).

Para que uma pesquisa seja considerada construcionista, Iñiguez (2002) argumenta que ela precisa possuir algumas das seguintes características: 1) questionar as verdades acatadas e as formas que nos ensinaram a nos compreender (enquanto sociedade); 2) conceber o conhecimento como dotado de uma história e de uma cultura específica e particular; 3)

compreender que o conhecimento resulta de uma construção coletiva e; 4) ter como princípio que o conhecimento é inseparável da ação social.

São seis aspectos que diferenciam o construcionismo do modo tradicional de se fazer ciência, inclusive no que diz respeito à escrita, quais sejam: 1) o antiessencialismo; 2) o antirrealismo; 3) a especificidade histórica e cultural do conhecimento; 4) a linguagem como condição prévia ao pensamento; 5) a linguagem como forma de ação social; 6) a importância que se dá à interação entre as práticas sociais e a importância dada aos processos (IÑIGUEZ, 2002).

Esta vertente epistemológica sempre se encontra em movimento, haja vista que o que é significado, a partir da interação entre o coletivo e a linguagem (narrativa), encontra-se em construção (IÑIGUEZ, 2002).

A crítica à filosofia positivista tem permitido novas possibilidades para as investigações interpretativas que se concentram nas formas de vida social, discursiva e cultural, em oposição à busca por leis do comportamento humano ou social.

Neste sentido, os estudos com base em narrativas têm como propósito investigar a criação de um texto e não o de buscar relações de causa e efeito, como a prática tradicional da ciência positivista: “Narrating is organizing, and although organizing is more than narrating,

even that part of it that is non-narrative can become topic of a narration. One cannot repair a machine by telling how it was done but one can always tell a story about the repair” (CZARNIAWSKA, 2000, p. 4).

Apesar de o estudo da narrativa, a partir do construcionismo, ter se caracterizado como uma abordagem metodológica pós-moderna, o primeiro estudo remonta ao ano de 335 a.C, realizado por Aristóteles, sobre a tragédia. Porém, quem desenvolveu as técnicas de narratologia foi Vladimir Propp (1928), ao analisar contos de fadas russos (VIEIRA, 2001). No entanto, até a modernidade, o que os estudos de narrativas realizavam era compreender os elementos e as estruturas que compõem o texto como narrativa, sem problematizar a relação que esta narrativa tinha com uma suposta realidade existente fora dela.

Já, pela inteligibilidade pós-construcionista (ou seja, a partir do Construcionismo Social), as narrativas são histórias que resultam de um processo híbrido de construção e reconstrução da vida/realidade em movimento, a partir da experiência humana. Ela “funciona como uma estrutura aberta e maleável, que nos permite conceber uma realidade em constante transformação e constante reconstrução, à medida que a experiência humana e os seus significados se transformam” (BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 532-3). Isso se deve à

centralidade que as narrativas exercem nas relações sociais, sobretudo para a produção e reconhecimento de sentidos (BROCKMEIER E HARRÉ, 2003).

Em uma narrativa, existem várias vozes. A história e as palavras que compõem uma narrativa são polifônicas, por constituírem significados construídos a partir de diferentes contextos quando foram empregadas. Neste sentido, as narrativas são construídas a partir do princípio dialógico, por meio do movimento de interindividualidade (traços de vários sujeitos, da coletividade, envolvendo ordens morais locais) inscrito em cada texto, história e palavra (BAKTHIN, 1982, 1986). O processo de reconhecimento de sentido envolve o diálogo que a narrativa trava com diversas convenções culturais (BROCKMEIER E HARRÉ, 2003).

São consideradas narrativas, textos em forma de contos, histórias reais e de ficção, textos históricos, documentos, textos religiosos, filosóficos e científicos, peças de teatro, músicas, filmes, óperas, etc., construídos por meio da elaboração de sentidos inscritos nas próprias histórias, memórias, intenções, identidades pessoais e padrões culturais.

No entanto, é importante ponderar que nem todos os documentos são narrativas (BROCKMEIER; HARRÉ, 2003). O que faz de uma ata uma narrativa e de uma portaria não, é o fato de a primeira revelar-se como um discurso marcado pela temporalidade, pelo encadeamento de eventos críticos e pela presença de uma trama, enquanto a segunda se constitui como um texto prescritivo (ALVES; BLINKSTEIN, 2006).

Deste modo, compreendo que a narrativa se constrói a partir da produção de sentidos em um texto organizado por meio da relação lógico-semântica entre funções e atores. Além disso, os fatos que estruturam uma história precisam configurar movimento cronológico (o que não quer dizer linear) e lógico, bem como apresentar transformações (VIEIRA, 2001).