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1.2 METODOLOGIA

1.2.2 O percurso da tese

O percurso que realizei para escrever esta tese teve início com o pensar sobre as minhas inquietações, percepções e relativas compreensões sobre gestão metropolitana, a partir do conhecimento prévio que construí por meio das experiências que vivi até o momento das primeiras palavras que aqui foram escritas. Ainda como versão de projeto a submeti à seleção para o doutorado no Programa de Administração Pública e Governo, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.

Antes de ingressar no doutorado, desde 2002, eu já trabalhava com o tema “gestão metropolitana”, na condição de pesquisador do Observatório das Metrópoles, Núcleo de Maringá, o qual tem a sua sede na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Quando

integrei o Observatório das Metrópoles, eu estava realizando o curso de mestrado em Geografia, na UEM.

Em um segundo momento, entre 2004 e 2007, já como professor da União de Faculdades Metropolitanas de Maringá (UNIFAMMA), continuei neste campo-tema por meio da pesquisa intitulada “Como andam as metrópoles?”, a qual realizei junto ao Observatório, por meio de um termo de Cooperação firmado entre esta instituição e a UNIFAMMA.

Em um momento posterior, na ocasião, como Professor Temporário no Curso de Administração da UEM, nos anos de 2007 e 2008, meu vínculo com o Observatório das Metrópoles continuou por meio da pesquisa “Arranjos Institucionais para a Gestão Metropolitana”, na qual participei como pesquisador e membro do grupo executivo para a elaboração do produto final.

Atualmente, encontro-me como pesquisador do Observatório das Metrópoles, na condição de Professor Efetivo da disciplina “Administração Pública”, no Departamento de Administração, na UEM, atuando na linha “Governança urbana, cidadania e gestão das metrópoles”, realizando a segunda fase da pesquisa “Pactos Socioterritoriais, financiamento e gestão metropolitana”.

Dando continuidade à leitura sobre o desenvolvimento deste trabalho, além destas experiências que tiveram início antes do meu vínculo com o doutorado, integraram este processo, leituras sobre administração pública, políticas públicas, governo, democracia, Estado, descentralização, sociedade civil, (neo)institucionalismo, métodos, dentre outras e, no campo mais específico, sobre governança e gestão metropolitanas (RIBEIRO, 2000, 2004; RIBEIRO; SANTOS JUNIOR, 2007; GOUVEIA, 2005; AZEVEDO, 2006; GARSON, 2009; MACHADO, 2009; KLINK, 2010, 2010a; MAGALHÃES, 2010, bem como artigos da Revista Metrópoles e publicados nos Anais da ANPUR, foram os principais), todas realizadas no curso de doutorado ou em função da minha curiosidade de maior compreensão do campo- tema, com o objetivo de realizar uma revisão da literatura sobre o tema em questão ou ao menos afeto ao problema de pesquisa.

A minha inserção no referido campo-tema ocorreu, inicialmente, por meio da literatura sobre gestão e governança metropolitanas e, em um segundo momento, através de documentos públicos referentes ao Conselho Gestor dos Mananciais e ao CONRESOL, bem como por meio de conversas com atores envolvidos com estas experiências.

O que chamo de campo-tema se alinha com as ideias de Kurt Lewin (1952 apud SPINK, 2003). Para este autor o campo não se refere à delimitação físico-territorial, mas se constitui a partir da comunicação, de documentos e de registros diversos em diálogo,

estabelecido em um movimento para compreensão de um evento no tempo, ou seja, não o reduzindo a uma fotografia.

Esta inteligibilidade avançou ainda mais com a discussão construcionista sobre linguagem e ação, o que contribuiu para a construção de um olhar para os horizontes e lugares como produtos sociais e não como realidades independentes. O campo passou a ser percebido como a situação atual de um assunto (justaposição de sua materialidade e sociabilidade) e não mais como um lugar específico (LAW; MOR, 1995, apud SPINK, 2003). De acordo com Spink (2003), “nesta ótica, não é o campo que tem o assunto, mas – seguindo Bourdieu (ORTIZ, 1983) – é o assunto que tem um campo”.

A passagem sobre as bonecas contadoras de história, destacada por Spink (2003), exemplifica bem como que se estabelece a inserção no campo.

Não há um campo independente das bonecas contadoras de história porque estamos sempre potencialmente no campo das bonecas contadoras de história, mesmo que nossa presença seja quase impossível de detectar; estando nós longe do Novo México, longe dos textos, longe do dia a dia das ceramistas e longe de tudo. Ao contar esta pequena história, uma das muitas que podem ser contadas sobre as bonecas contadoras de histórias, podemos ver como a minha relação com as bonecas contadoras de história mudou, de quase inexistente pra não tão inexistente. De olhe lá, eu já li algo sobre estas figuras para estes são os lugares, livros, pessoas que serão necessários contatar pra aprender mais, pra escutar mais, pra pensar mais, para discutir mais. Ao relatar, ao conversar, ao buscar mais detalhes também formamos parte do campo; parte do processo e de seus eventos no tempo (SPINK, 2003, p. 24-5).

Como relatei, no momento em que eu comecei o doutorado, em 2009, a minha inserção no campo-tema de discussão sobre gestão metropolitana já havia se dado, sobretudo em função da curiosidade de conhecer seus limites e possibilidades no Brasil. Os principais espaços de diálogos que eu acessei desde então foram o Observatório das Metrópoles e as disciplinas que cursei no doutorado, sendo elas: Políticas Sociais e Descentralização e Formulação e Avaliação de Políticas Públicas, ambas com a Profa. Dra. Marta Ferreira Santos Farah; Gestão Pública em Perspectiva Comparada com o Prof. Dr. Peter Kevin Spink e Governança e Regiões Metropolitanas nas Américas com o Prof. Dr. Robert H. Wilson. Além disso, o Grupo de Estudo sobre Gestão Metropolitana, criado em 2009, por alunos do doutorado e do mestrado em Administração Pública e Governo, na EAESP-FGV, que se encontravam desenvolvendo teses ou dissertações sobre governança metropolitana ou consórcios intermunicipais, com apoio e participação dos professores Peter Spink e Marta Farah, foi muito útil ao proporcionar trocas muito ricas entre os integrantes.

A partir da sistematização das leituras que realizei sobre o tema gestão metropolitana, peguei-me aflito para identificar um problema de pesquisa. Neste momento eu já havia abandonado o objetivo do projeto inicial (de entrada no doutorado), qual seja: Analisar a administração metropolitana no âmbito da formulação e implementação de políticas públicas por meio dos instrumentos de planejamento municipal (Plano Diretor e Plano Plurianual), nas regiões metropolitanas de Curitiba e Maringá. Este abandono se deu por eu perceber que se tratava de um objetivo muito amplo e, posteriormente, considerando apenas as políticas metropolitanas, nada havia inscrito nos instrumentos de planejamento municipal.

A partir deste lugar, apoiei-me na ideia de entender como novas práticas de gestão metropolitana se institucionalizavam, já que isto não se dava por meio dos instrumentos de planejamento municipal.

Avançando nesta frente, cheguei a selecionar algumas experiências, a saber: 1) RM de Belo Horizonte (pelo protagonismo do estado de Minas Gerais na condução do processo de construção de práticas de gestão e de governança metropolitanas mais democráticas); 2) RM de Curitiba (por se tratar de uma RM conduzida pelo governo do estado, de modo centralizador e tecnocrático convivendo com novas experiências de governança); 3) RM de Maringá (pela experiência do Consórcio Público de Saúde, dotado de personalidade jurídica de direito privado) e o Consórcio Público do ABC Paulista (por se tratar da experiência mais exitosa no Brasil no que se refere à gestão compartilhada entre municípios, sendo esta constituída com personalidade de direito público).

No entanto, ao ler sobre essas e outras experiências, observei que não havia em nenhuma RM brasileira a consolidação de uma prática de gestão metropolitana, enquanto um conjunto de ações coordenadas e estruturadas, promovendo a transversalidade ou a intersetorialidade de políticas. Por este motivo, não acreditando mais na referida proposta, por não mais reconhecer a existência de práticas de gestão metropolitana institucionalizadas de fato (e não somente de direito), a pergunta que me assaltou foi: o que existe de sentido metropolitano inscrito nas regiões metropolitanas? Para reformular o projeto, com vistas à qualificação, fiquei convencido de que seria relevante e instigante apreender o sentido de gestão metropolitana por meio das histórias contadas pelos atores envolvidos na construção das ações coletivas em territórios metropolitanos. Eu acreditava que o resultado disso poderia deixar evidente o que justifica a falta de legitimidade e de institucionalidade (de fato) do processo de “gestão metropolitana”.

Porém, após a qualificação, percebi que seria mais útil e coerente compreender se as experiências de associativismo territorial têm auxiliado na construção de práticas de gestão

metropolitana ao invés de apenas verificar se nas ações estão inscritos sentidos de gestão metropolitana. Este salto eu só consegui dar, a partir do momento que eu acessei o campo- tema a partir das experiências, as quais me oportunizaram perceber que a melhor pergunta sairia da própria experiência. Foi o que aconteceu!

Além do contato com a experiência, consegui delimitar o objetivo geral da tese a partir das ótimas contribuições que tive oportunidade de auferir com a banca de qualificação, composta pela professora Dra. Marta Ferreira Santos Farah (Presidente), e pelos professores Dr. Peter Kevin Spink (convidado) e Dr. Mário Aquino Alves (convidado), bem como por meio das inteligentes perguntas e excelentes sugestões que acessei nas aulas de Judith Tendler, sobre métodos qualitativos, que cursei na Fundação Getúlio Vargas (EAESP), em 2011.

Deixando-me envolver pelo campo-tema, sobretudo pelas leituras que realizei, direta e indiretamente a respeito dos limites e as possibilidades da gestão metropolitana no Brasil, apreendi que os diálogos estão em muitos e diferentes lugares, os quais se estabelecem no espaço acadêmico, no Estado, na tecnoburocracia e também na sociedade civil, por meio dos Conselhos Gestores, Fóruns e Conferências, e sustentados por diferentes compreensões, quais sejam: 1) que não existe cooperação devido a grande desigualdade entre os municípios ao que se refere às condições orçamentárias e ausência de incentivos por parte do estado membro ou da União para a promoção da gestão compartilhada de serviços públicos intermunicipais; 2) que a desigualdade pode auxiliar a constituição de políticas compensatórias; 3) que os consórcios podem auxiliar no processo de gestão metropolitana; 4) que os consórcios existem pela ausência de instrumentos de gestão e políticas metropolitanas, dentre outras.

Inserido no campo de variadas possibilidades, “mergulhado” em uma dinâmica coletiva, o contador de uma história trabalha a partir da sua curiosidade, a qual se estabelece no indivíduo como “uma característica social ubíqua do dia a dia e (...) uma das pedras fundamentais da noção coletiva de mudança; do pressuposto que as coisas podem ser diferentes” (SPINK, 2003, p.25).

Considerando as diferentes, excludentes e complementares leituras, eu pude alcançar a formulação de um problema de pesquisa, o qual me colocou curioso para entender como se deu a construção de algumas experiências de associativismo territorial para, a partir delas, compreender, por meio dos indícios, se existe um movimento de construção de práticas de gestão metropolitana na nona maior metrópole brasileira, Curitiba (IBGE, 2008, 2010).

Desse modo, o objetivo desta tese se assentou no responder a seguinte pergunta:

têm contribuído com a construção de práticas de gestão metropolitana? Como? Por quê?

A partir do momento que eu delimitei a pesquisa e passei a ter um objetivo geral, o campo-tema ficou mais específico, passando a ter um foco, ao mesmo tempo em que se ampliou ao estabelecer diálogos com outros campos-tema ou outros argumentos.

Ao mesmo tempo em que o processo de diálogo acontece por meio de uma pesquisa de doutorado, por exemplo, o autor da suposta tese faz este campo-tema transitar dentro de outros campos-tema, seja via grupo de estudos, atuação em sala de aula, eventos científicos, etc. Com isso, a construção da inteligibilidade de um fenômeno não se estabelece somente por meio do campo-tema restrito em si, mas também envolvendo a sua expansão que ocorre quando um campo-tema entra em contato com outros. Ao promover a imbricação de campos- tema, passa-se a construir práticas que legitimam o mérito de se estudar algo, por exemplo: quando um grupo de estudos sobre “políticas públicas no contexto subnacional” (campo-tema 1) passa a considerar relevante o tema “novas práticas de governança metropolitana” (campo- tema 2), estudado por um de seus integrantes, os dois campos se expandem.

No entanto, de antemão, parto da compreensão de que qualquer inserção em um campo-tema encontra restrições de acesso, o que faz com que o processo de envolvimento com ele se estabeleça por meio de negociações. Porém, por maiores que sejam as restrições para acessar os espaços de decisão ou de debates, quando o campo-tema promove diálogos entre narrativas, registros e documentos, seja totalmente integrado no processo ou em uma posição periférica, isso denota que o pesquisador já se encontra no campo-tema.

Nas palavras de Spink (2003, p. 28):

[...] campo, entendido como campo-tema, não é um universo ‘distante’, ‘separado’, ‘não relacionado’, ‘um universo empírico’ ou um ‘lugar para fazer observações’. Todas estas expressões não somente naturalizam, mas também escondem o campo; distanciando os pesquisadores das questões do dia a dia. Podemos, sim, negociar acesso às partes mais densas do campo e em conseqüência ter um senso de estar mais presente na sua processualidade. Mas isso não quer dizer que não estamos no campo em outros momentos; uma posição periférica pode ser periférica, mas continua sendo uma posição.

Imerso no campo-tema, de acordo com Spink (2003), é fundamental conseguir responder as seguintes perguntas: o que é que nós estamos fazendo, como e aonde? O que temos a ver com o campo-tema? O que estamos fazendo ali? Qual é a nossa contribuição, a nossa parte neste processo?

O propósito do diálogo com um campo-tema por meio da elaboração de uma tese de doutorado é o de ser útil no sentido de apoiar o debate, auxiliando-o na sua construção, fazendo-o (conhecimentos e ideias) transitar pelo coletivo de atores afetos às questões envolvidas pelo campo-tema, bem como envolver novos interlocutores, inclusive com outros argumentos e posições (LATOUR, 1987; SPINK, 2003). “A contribuição que nós temos para oferecer é provavelmente diferente em casos diferentes e dificilmente os seus limites e alcances estarão claros para nós. Mas é muito importante que não nos esqueçamos de perguntar: ‘E daí? Por que isto é importante?’, ‘Por que estou aqui?’”(SPINK, 2003, p. 27).

Atento a estas perguntas, cabe ao pesquisador buscar ao menos o acesso suficiente para que as inquietações que sustentam sua inserção sejam respondidas.