• Nenhum resultado encontrado

2.2 MUDANÇAS NO PACTO FEDERATIVO E DE SISTEMA DE

2.4.2 Consórcios intermunicipais e o contexto brasileiro

Melo (1996) observa que, devido ao fato de a cultura política municipalista ter preponderado na década de 1980, um ciclo virtuoso de inovações na seara da administração pública instaurou-se no campo das políticas sociais. Segundo o autor, “as grandes iniciativas nesse plano são os mecanismos institucionais criados para a participação popular (são exemplos os conselhos gestores, da seção anterior), além de novas práticas de gestão”, tais como aquelas que se expressam por meio de consórcios intermunicipais (MELO, 1996, p. 15). Cruz (2002) observa que o processo de descentralização de políticas públicas, ocorrido na década de 1990 por meio de um aparato de diversas leis complementares à Constituição, potencializou o processo de debates e efetivação da constituição de novos arranjos institucionais com o objetivo de racionalizar os recursos e modelos de gestão na escala subnacional (relação intermunicipal e regional). “Nesse contexto de reforma do Estado e de incentivos à descentralização das políticas públicas, é que os consórcios intermunicipais têm sido difundidos no Brasil e passam a representar parcerias entre governos locais” (CRUZ, 2002, p. 199). Não se trata de um receituário, mas sim de arranjos que são desenhados no local, pelo local.

Como se verifica, para solucionar problemas em escala regional e metropolitana, os municípios, têm firmado pactos ou constituído consórcios como sociedade civil sem fins lucrativos, bem como criado agências e fóruns de cooperação, inserindo-se em redes ou integrado associações intermunicipais.

De acordo com Cunha (2004), apesar de os municípios brasileiros terem conseguido o

status de ente federativo somente com a Constituição de 1988, desde o final do século XIX existia a possibilidade legal de atuação associada entre municípios conforme o panorama histórico apresentado no quadro n° 11, a seguir.

Ano / período Forma de legitimação da associação intermunicipal

1891 A Constituição paulista de 1891, por exemplo, em seu art. 56, dispunha sobre o tema da associação de municípios: “As municipalidades poderão associar-se para a realização de quaisquer melhoramentos, que julguem de comum interesse, dependendo, porém, de aprovação do Congresso do estado das resoluções que nesse caso tomarem” (São Paulo, 2004).

1937 O artigo 29 da Constituição de 1937 apresenta que: “Os municípios da mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins”. No entanto, naquele momento o país vivia sob o Estado Novo e, apesar do dispositivo, nada se efetivou.

1946 Com o advento da Constituição de 1946, a questão de cooperação federativa foi retomada.

Tratou-se da proposta de regulamentação de Consórcios Públicos, formatada pelo Governo Federal, com a criação do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), instituído pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná como autarquia interestadual, que objetiva o desenvolvimento da Região Sul do Brasil. O BRDE é, portanto, um instrumento de cooperação entre estados e constituiu-se em pessoa jurídica de direito público que integra a administração indireta de mais de um ente federativo.

Décadas de

1960 a 1980

As primeiras experiências de consorciamento de municípios aconteceram no estado de São Paulo. Na década de 1960, foi criado o Consórcio de Promoção Social da região de Bauru e, na década de 1970, o Consórcio de Desenvolvimento do Vale do Paraíba. Também em São Paulo foi constituído o consórcio intermunicipal de saúde, que posteriormente serviu de inspiração para um conjunto de outros municípios brasileiros – o Consórcio de Penápolis – organizado em 1986.

Quadro 13: Consórcios intermunicipais no Brasil Fonte: CUNHA (2004, p. 13-4).

A questão de cooperação intermunicipal ou intergovernamental esteve presente em alguns momentos da história do Estado brasileiro, mesmo em períodos de forte centralização. Porém, a partir de 1988, percebe-se uma maior proliferação de consórcios intermunicipais no Brasil, alguns incentivados pelos governos dos estados (top-down) e outros como iniciativas dos próprios municípios (bottom-up). Em 1999, já existiam dois mil setecentos e noventa e dois (2792) municípios organizados em consórcios (BREMAEKER, 2001). Farah (2006) observa que os consórcios se apresentam como a modalidade de cooperação intermunicipal mais difundida no Brasil, abarcando recortes regional e microrregional. E, conforme observamos na Figura n° 1, eles se distribuem em diferentes setores.

Figura 1 - Número de municípios em consórcios públicos no Brasil. Fonte: IBGE, 2005

A esse respeito, independente da modalidade, quando se considera as áreas de atuação, verifica-se que no Brasil os municípios têm se integrado mais em consórcios nos setores de saúde (35,4%), limpeza e coleta de lixo (13,2%), máquinas e equipamentos (12%), educação (4,3%), Serviço de abastecimento de água (2,9%), processamento de dados (1,6%), esgoto sanitário (1,6%) e habitação (1,2%) (IBGE, 2001). Cabe lembrar que muitas destas áreas possuem normas específicas que delimitam a sua constituição e atuação50.

50Pelo programa Gestão Pública e Cidadania, identificam-se 18 experiências de consórcios, distribuídos

regionalmente e por setores conforme o quadro que segue.

Estado N° de consórcios SETOR N° de Consórcios

São Paulo 6 Resíduos Sólidos e Meio Ambiente 5

Rio Grande do Sul 4 Saúde 5

Santa Catarina 3 Resíduos Hídricos 3

Considerando o universo de consórcios no Brasil, identificam-se duas diferentes formas de constituição, todas com o propósito de cooperação intergovernamentais:

1. Consórcio como Pacto: não há personalidade jurídica específica (Participantes devem ser da mesma esfera de governo);

2. Consórcio com Personalidade jurídica de Direito Público ou de Direito Privado –

Consórcios Públicos – (Participantes podem ser de diferentes esferas de governo).

A modalidade “Pacto” ou Administrativo, constitui-se como um acordo entre municípios, desprovido de personalidade jurídica. A formalização se estabelece por meio da assinatura de um acordo consorcial. Meirelles (1993) esclarece que na condição de pacto, o consórcio encontra-se desprovido de personalidade jurídica. Assim, ele não possui capacidade de exercer direitos e assumir obrigações em nome próprio, bem como fica impossibilitado de contratar pessoal, comprar e vender bens, contrair empréstimos nacionais ou estrangeiros.

De acordo com Cruz (2002, p. 201), os consórcios constituídos como sociedade civil sem fins lucrativos resultam de “acordos firmados entre entidades estatais, autárquicas, fundacionais ou paraestatais, sempre da mesma espécie (como já pontuado), para realização de objetivos de interesse comum dos participantes, mediante a utilização de recursos materiais e humanos que cada um dispõe”. Trata-se de “uma parceria baseada numa relação de igualdade jurídica, na qual todos os participantes – municípios – têm a mesma importância”. Nesse sentido, como argumenta a autora, os consórcios possibilitam a territorialização do tratamento dado aos problemas.

A referida territorialização ocorre via a institucionalização de um arranjo de parceria local que potencializa o processo de descentralização das políticas estaduais e nacionais, bem como parcerias entre os setores público e privado (CRUZ, 2002). De acordo com Santos (2000, p. 2), os consórcios “se diferenciam dos convênios na medida em que nestes podem associar-se pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado”. Por mais que nos

Ceará 1 Desenvolvimento Regional 1

Maranhão 1 Informática 1

Minas Gerais 1 Produção e Abastecimento 1

Paraíba 1

Total 18 TOTAL 18

Quadro 14 - Distribuição dos consórcios por estado

Fonte: Organizado pelo autor com base nos registros do CEAPG (Centro de Estudos de Administração Pública e Governo), 2009.

consórcios não possam se associar pessoas físicas, estes podem firmar parcerias com universidades, sindicatos, secretarias estaduais ou municipais, bem como com a sociedade civil organizada, dentre outros.

Por meio da Lei 11.107, de 06 de abril de 2005, houve a instituição da modalidade de Consórcios Públicos. No entanto, a regulamentação desta Lei somente ocorreu no início de 2007 e ainda gera polêmica51.

Conforme elucida o texto Constitucional, tais consórcios podem ser constituídos por dois ou mais entes, seja de nível federal, estadual ou municipal, com o intuito de alcançar objetivos comuns. Eles se vinculam, em cada município, como integrantes da administração indireta, como as autarquias e as fundações de direito público.

É importante destacar que, apesar de haver diferença entre Consórcio Público e os consórcios tradicionais firmados por entes públicos antes do advento da Lei Federal n° 11.107/05, ambos os tipos têm como natureza a cooperação dos negócios públicos celebrados, ou seja, visam trabalhar interesses comuns (compartilhados entre entes federativos), por meio do regime de parceria (CARVALHO FILHO, 2009).

O que os diferenciam está relacionado à natureza e ao regime jurídico. Nos consórcios administrativos clássicos, o regime jurídico é o mesmo aplicado aos convênios em geral (sociedade civil), o que significa que basta haver interesse entre as partes em firmar parceria sem a constituição de personalidade jurídica (CARVALHO FILHO, 2009).

Já os Consórcios Públicos se constituem como personalidade jurídica de Direito Público ou de Direito Privado. Diferentemente dos consórcios tradicionais (associações civis constituídas entre entes da mesma espécie – exemplo: somente municípios), os consórcios públicos, na condição de associações públicas, podem se constituir por meio da participação de diferentes espécies de entes federativos (União, estados e municípios). Caso exista interesse de constituição de consórcio público entre União e municípios, esta só se realiza havendo a integração do(s) estado(s) membro(s), no(s) qual(is) se localizam os municípios, haja vista que com esta regra busca-se evitar a ausência da esfera estadual (a exclusão do estado) (CARVALHO FILHO, 2009).

Além dos entes federativos, as demais entidades de Estado, tais como as autarquias, fundações e empresas públicas, podem integrar o consórcio por meio de convênio administrativo (CARVALHO FILHO, 2009).

51 Devido ao receio de perda de poder político por parte dos prefeitos, por não constar em Lei o detalhamento do

conceito de consórcio público, pelas dificuldades que partem de um minucioso processo para sua constituição e também pela Lei dos Consórcios Públicos não prever a participação popular.

Apesar de ainda ser legítima a constituição de consórcios administrativos, foi instituído, por meio do art. 39 e do Decreto n° 6.017/07, que “a partir de 1° de janeiro de 2008, a União só celebrará convênios com consórcios constituídos sob a forma de associação pública” ou dotado de personalidade jurídica, conforme instrui a Lei n° 11.107/05 (CARVALHO FILHO, 2009, p. 21).

Para estabelecer o contrato de Consórcio Público, faz-se necessário, primeiro, formalizar o protocolo de intenções e, segundo, firmar os contratos de programa e de rateio. O protocolo de intenções diz respeito “ao ajuste de natureza preliminar pelo qual os pactuantes expressam o conteúdo básico e os objetivos do contrato de consórcio”. O contrato de programa se refere às obrigações que os entes federativos envolvidos assuem como interesse comum, ou seja, trata-se de formalizar que “pretendem a gestão associada na prestação de serviços públicos ou na transferência de encargos, serviços, pessoal ou bens necessários à comunidade dos serviços transferidos”. Por fim, o contrato de rateio se refere a “disciplinar a relação entre os entes consorciados no que concerne às obrigações econômicas e financeiras que assumam perante o consórcio, sobretudo quando este for destinatário de recursos” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 23).

Grande parte dos consórcios dotados de personalidade jurídica são organizações que se estruturam por meio de Conselhos de Prefeitos, Municípios, Deliberativo e Fiscal, além de uma Secretaria Executiva e uma Coordenadoria. Iniciativas como constituição de câmaras técnicas, plenária de entidades, grupo de trabalhos temáticos, conselhos compostos de secretários municipais da área vinculada ao consórcio etc., geralmente participam dos arranjos que se constituem como espaços de governança no entorno dos consórcios.

Esta abordagem sobre consórcios públicos foi aqui desenvolvida para esclarecer aspectos conceituais, históricos e estruturais a respeito desta modalidade de associativismo territorial – consórcio público – e, nestes sentidos, dar sustentação a história contada, no Capítulo 3, sobre o Consórcio Intermunicipal para a Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (CONRESOL), na Região Metropolitana de Curitiba, a qual é construída com o intuito de compreender se esta experiência e, por sua vez, a modalidade consórcio público tem contribuído para a construção de práticas de gestão metropolitana na RMC.

CAPÍTULO 3

A GESTÃO METROPOLITANA NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E AS HISTÓRIAS DAS EXPERIÊNCIAS DO CONSELHO GESTOR DOS MANANCIAIS E DO CONRESOL

A cidade na natureza, elemento(s) em construção!

Neste capítulo conto as histórias das experiências do Conselho Gestor dos Mananciais (CGM) e do Consórcio Intermunicipal para a Gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (CONRESOL), ambos inscritos na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

Quando entrei em contato com essas experiências, pela primeira vez, eu estava trabalhando com a discussão sobre gestão e governança metropolitana no Observatório das Metrópoles. Foi início de 2009, momento em que realizei uma pesquisa sobre arranjos institucionais e governança metropolitana, ocupando-me do caso da Região Metropolitana de Maringá. Na ocasião, integrei a equipe que elaborou o relatório final desta pesquisa, o que me permitiu leituras sobre as principais experiências de cooperação intermunicipal em território metropolitano no Brasil, dentre elas, as da RM de Curitiba.

Como justifiquei no capítulo um (1) deste trabalho, escolhi contar as histórias do CGM e do CONRESOL à luz da abordagem sobre a análise de política pública, a partir dos escritos de Farah (2012 e prelo)52, Radin (2000) e Bardach (2006). E assim procedi, por acreditar que as leituras realizadas pelas lentes do processo de mobilização e geração de conhecimento para a definição do problema, a entrada deste na agenda, a elaboração de alternativas e para a formulação da política (solução), deixariam em evidência elementos centrais para uma melhor

compreensão sobre como e por que tais experiências têm auxiliado (ou não) a construção de práticas de gestão metropolitana.

Com o intuito de localizar institucionalmente e historicamente o CGM e o CONRESOL, inicio este capítulo apresentando uma leitura sobre a gestão da RMC e seu arranjo institucional. Contar esta história envolveu realizar, em diferentes momentos, a (re)leitura de uma instituição ou de um contexto. Nesse sentido, quando eu retomo a abordagem sobre uma parte da história já contada, o propósito está em aprofundar a leitura e dar visibilidade, por exemplo, às relações específicas entre uma dada instituição e a experiência em questão.

Como este capítulo se constitui de enredos construídos a partir de diálogos entre entrevistas, registros, literatura e ilustrações, escrevi-o na primeira pessoa do plural. O objetivo foi o de deixar mais evidente a voz coletiva, ou seja, o “Nós”.

3.1 ARRANJO INSTITUCIONAL E A GESTÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE