• Nenhum resultado encontrado

1.3 PRECEITOS TEÓRICOS

1.3.1 Políticas Públicas: a questão da agenda

O conceito de política pública (policy) que adotei para o desenvolvimento desta tese abarca a característica de ser uma ação dinâmica, de caráter propositivo, podendo envolver o exercício de planejamento em busca de uma decisão intencional, dotado de sentido, mesmo que este seja o de “não fazer nada”. Porém, não se trata somente de um processo de racionalidade instrumental linear, mas também de dialógicos, permeados pela racionalidade substantiva e pelo exercício da ética absoluta (RAMOS, 1983, 1989), à medida que diferentes atores, interesses e recursos se estabelecem na arena política (politics), constrangidos pelo sistema político (polity), atuando a partir de compreensões diferenciadas a respeito do problema público, no exercício de uma racionalidade limitada, para formular alternativas e tomar decisões (SIMON, 1965; MARCH; OLSON, 2008; SCOTT, 2001; SCOKPOL, 1985; HALL; TAYLOR, 1996; IMMERGUT, 2006; CONDÉ, 2006; SECCHI, 2012; FREY, 2000).

A ação governamental pautada na política pública, no Brasil, teve início na década de 1990, em decorrência de mudança de sistema de governo (consolidado com a Constituição de 1988) e por influência de mudanças de base tecnológica e produtiva. Primeiramente, no Brasil, a flexibilização e a descentralização dos processos de produção, viabilizadas pelas novas tecnologias, ocorreram nas organizações privadas, retratando a passagem do Fordismo para o Toyotismo. Essa transição deveu-se ao esgotamento da lógica do planejamento (mais rígida), que teve início no pós-Segunda Guerra e se sustentou até a década de 1970, nos países centrais, mas se instalou no Brasil somente na década de 1990. Em um segundo momento, a flexibilização e a descentralização ocorrem no setor público, nos países centrais, a partir da década de 1980 e no Brasil a partir de meados da década de 1990, sob influência do que ocorrera no setor privado, mas também decorrente da crise do Estado Keynesiano (nos países centrais) e do Estado Nacional-Desenvolvimentista (nos países da América Latina, dentre eles

o Brasil), que se revelaram pouco eficientes com o emprego de uma conduta centralizadora, pautada no planejamento (SARAVIA, 2006).

Nesse sentido, como argumenta Saravia (2006, p. 24), o contexto das ações estatais passou a ser mais dinâmico. “A interação entre indivíduos, empresas e outras organizações nacionais e internacionais, bem como entre Estados, tem-se intensificado como consequência da globalização das finanças e do comércio, facilitada pela evolução das comunicações e da informática”. Essas interações exigiram adequações das estruturas organizacionais perante uma dinâmica socioeconômica e política condicionadas por novas e modificadas variáveis.

A condução governamental via política pública, na atualidade, mostrou-se melhor para lidar com as incertezas provocadas pela instabilidade ambiental e pelas rápidas mudanças. Essa nova prática governamental foi inicialmente adotada por alguns países europeus, pelo Japão, pelos Estados Unidos e também pelo Canadá, com o intuito de responder as demandas sociais com maior eficiência (SARAVIA, 2006) e posteriormente, foi aplicada no Brasil de modo muito particular, haja vista a complexa relação intergovernamental nesta federação dotada de três níveis de entes federativos. As experiências de políticas públicas, trabalhadas por mim nesta tese, auxiliam esta compreensão.

O conceito de Política Pública pode ser significado como decisão do governo ou como processo. Como decisão, Villanueva (2006, p. 48-9) argumenta que o aspecto institucional precisa estar presente, pois “se trata de la decisión de una autoridad legítima, adoptada dentro de su campo legítimo de jurisdicción y conforme a procedimientos legalmente establecidos, vinculante por todos los ciudadanos de la asociación, y que se expresa en varias formas: leyes, sentencias, actos administrativos”.

Além do aspecto legal, o conceito de políticas públicas como decisão também abarca a característica de ser uma ação dinâmica, de caráter propositivo, que pode envolver planejamento, ao passo que pode se limitar à opção de “não se fazer nada”.

En primer lugar, una política es un comportamiento propositivo, intencional, planeado, no simplemente reactivo, casual. Se pone en movimiento con la decisión de alcanzar ciertos objetivos a través de ciertos medios: es una acción con sentido. Aun en el caso de inacción, se ha decidido deliberadamente no actuar frente a un problema público, considerando que el dejar hacer o cerrar los ojos es la mejor estrategia frente a una cuestión. Por su carácter propositivo, referido a la realización de objetivos, la política denota las intenciones de las fuerzas políticas, particularmente las intenciones de los gobernantes, y las consecuencias de sus actos (ROSE, 1969, p. IX-X; HECLO, 1972, p. 84-6; PRESSMAN; WILDAVSKY, 1973, p. XI-XII), aunque en su uso normal tienda a significar intenciones más que

consecuencias, situaciones que se desean alcanzar más que resultados de hecho (VILLANUEVA, 2006, p. 51).

Em síntese, a política pública se apresenta como decisões públicas com vistas “às ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos” (SARAVIA, 2006, p. 28-9).

Na perspectiva de processo, para Saravia (2006), o ciclo de políticas públicas envolve constituição de agenda, elaboração, formulação, implementação, execução, acompanhamento e avaliação de uma dada política. Já, para Secchi (2012), corroborando a mesma lógica, o ciclo de políticas públicas compreende identificar o problema, formar agenda, formular alternativas, tomar decisões sobre como instituir a política, implementá-la, avaliá-la e extingui-la. No entanto, independente da quantidade de elementos e terminologias empregadas para configurar o ciclo de políticas públicas (o processo), estas interpretações são empregadas com fins didático-explicativos, configurando uma sucessão de etapas que, na realidade, não se colocam como um movimento linear e puramente racional (SARAVIA, 2006).

Kingdon (2006), Fuks (2000), Saravia (2006), Viana (1996) e Cobb e Elder (1995), consideram a agenda como o primeiro momento do processo de política pública, com o intuito de conduzir os fatos sociais para o status de “problema público”. Para Kingdon (2006, p. 222), a agenda se expressa como uma “lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento, de séria atenção, tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas de fora do governo, mas estreitamente associadas às autoridades”.

Como um segundo momento do processo de política pública, a elaboração visa identificar e delimitar um problema atual ou potencial de uma dada comunidade, bem como decidir sobre possíveis alternativas para a solução destes e avaliar os respectivos custos e prioridades. Já a formulação inclui a seleção e especificação da alternativa, seguida pela declaração, com o intuito de explicitar a decisão tomada, ao passo que define os objetivos e seu marco jurídico, administrativo e financeiro (SARAVIA, 2006, p. 33).

Kingdon (2006) observa que a formulação de políticas públicas se ocupa de um conjunto de processos que envolvem, ao menos, o estabelecimento de agenda, a especificação das alternativas para a futura possibilidade de escolha, a escolha final entre as alternativas

realizada por meio de votação no Legislativo ou decisão presidencial e, por fim, a implementação da decisão.

Quanto à implementação, Saravia (2006) a considera como um esforço de planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos. Trata-se da preparação para pôr em prática a política pública, a elaboração de todos os planos, programas e projetos que permitirão executá-la. Embora a execução possa ser interpretada como implementação, para o referido autor a execução se configura como um conjunto de ações com a finalidade de alcançar objetivos estabelecidos pela política, justamente por colocá-la em prática.

No momento seguinte, com a finalidade de acompanhamento, tem-se o processo sistemático de supervisão da execução de uma atividade, com o objetivo de fornecer a informação necessária para introduzir eventuais correções que assegurem a consecução dos objetivos estabelecidos.

Por fim, a avaliação cumpre o propósito de mensurar e analisar, a posteriori, os efeitos produzidos na sociedade pelas políticas públicas, especialmente o que diz respeito às realizações obtidas e às consequências previstas e não previstas (SARAVIA, 2006). Esta etapa encontra-se imbricada com a sustentação de um tema na agenda governamental, pois a agenda se coloca como o espaço que expressa os interesses e as prioridades do Estado e também da sociedade.