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1.2 METODOLOGIA

1.2.3 O contato com as experiências e as prazerosas conversas

A minha inserção nos campos-tema mais específicos, constituídos pelos diálogos que envolvem as experiências do Conselho Gestor dos Mananciais na RMC e o CONRESOL, pelos quais busquei respostas para a pergunta principal desta tese, teve início na Coordenadoria da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC).

Quando visitei a COMEC, pela primeira vez em 2010, ainda no segundo ano do doutorado (em função de conhecer melhor esta coordenadoria, já que eu tinha como objetivo estudar a RMC), sem ainda ter alcançado a delimitação desta tese, tive a oportunidade de conversar com o ATOR A, uma das Urbanistas da Coordenadoria da RMC. O contato foi extremamente exitoso, pois percebi que se tratava de um lugar onde se encontravam profissionais competentes e com muita disposição para falar sobre gestão metropolitana. No caso do ATOR A, ao mesmo tempo em que seus olhos brilhavam e suas palavras fluíam com entusiasmo ao contar histórias da COMEC e ao construir argumentos sobre o tema, envolvendo a RMC é claro, era nítida a frustração que há anos ela e seus colegas sustentavam pelo fato de a COMEC não deter mais poder suficiente para fazer prevalecer o conhecimento técnico sobre as decisões permeadas por interesses políticos e econômicos. O ambiente expressava o abandono... Enquanto as pessoas gostavam da demanda do contato e sabiam que eram (são) importantes! Eu, em pensamento, “dizia”: são profissionais apaixonados pelo urbanismo!

Nesta primeira visita, conversei despretensiosamente com o ATOR A, que me apresentou à COMEC e também à biblioteca da instituição, na qual aproveitei para passar uma tarde separando e lendo materiais que eu já julgava pertinentes. Dentre eles, separei os

Planos de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Curitiba de 1978 e de 2006 e logo solicitei uma cópia para mim.

Como eu já havia feito o primeiro contato e passado uma agradável tarde na COMEC (o que me possibilitou conhecer seus servidores), quando eu retornei em março de 2011, percebi um ambiente amistoso, mais próximo e mais propício para iniciar o processo de entrevistas. Naquele momento eu já estava com o problema de tese formulado e o que eu buscava ali era conhecer as histórias do Conselho Gestor dos Mananciais e do CONRESOL, os quais já tinham sido apresentados a mim, pelo próprio ATOR A, quando da primeira entrevista que realizei com ela, na minha primeira visita à COMEC.

O CONRESOL ganhou destaque na narrativa do ATOR A como a primeira (e naquele momento a única) prática de Consórcio Público na RMC. No entanto, foi ao Conselho Gestor dos Mananciais que o ATOR A deu maior visibilidade, ao contar a história da COMEC e da RMC, reconhecendo-o como o principal e novo espaço de governança metropolitana na Região Metropolitana de Curitiba.

Pois bem, lá estava eu, sempre com (e somente com) um caderno de anotações que denominei de “Caderno de Tese” (cheguei a ocupar três), uma caneta e com a primeira demanda formulada na cabeça: Conte-me a história desta experiência! Assim começaram todas as conversas (as quais envolviam outras perguntas espontâneas), sempre significadas como entrevistas por mim e pelo interlocutor.

Dois dias foram suficientes para conversar com os atores vinculados à COMEC (um total de três), os quais foram aparecendo nas histórias contadas por eles mesmos. Além dos profissionais que atuavam na COMEC, outros também apareceram nas narrativas, o que me permitiu ter a dimensão da amplitude de atores (mais sete) que eu ainda teria que entrevistar para compreender a história, primeiramente, do Conselho Gestor dos Mananciais. Além disso, este segundo contato com a COMEC, também me permitiu acessar documentos importantes sobre a própria Coordenadoria da RMC tais como projetos de Leis que envolvem a reforma da COMEC e a Lei de Criação do CGM.

Apesar de os Urbanistas da COMEC terem aceitado conversar comigo e terem me concedido entrevistas, o então Diretor-Presidente Gil Fernando Bueno Polidoro manteve-se irredutível em não concedê-la. O argumento sempre apresentado tinha como justificativa não haver espaço na agenda, mas era nítido que se tratava de uma resistência por outro motivo.

Para que fosse possível desvendar os mistérios inscritos nas histórias, constatei a necessidade de entrevistar diferentes agentes (no esforço de ouvir e envolver todos), bem como de me inserir nos núcleos gestores a partir dos atores presentes no campo-tema

(identificados pelas narrativas), considerando, inclusive, a leitura de diferentes registros e documentos.

Precisamos aprender que ser parte do campo-tema não é um fim de semana de pesquisa participante e muito menos uma relação de levantamento de dados conduzidos num lugar exótico, mas, antes de mais nada, a convicção moral de que [...] estamos nesta questão, no campo-tema, porque pensamos que podemos ser úteis. Ser útil pode ser algo como o apoio ao debate ou, dado que nenhuma teoria ou argumento viaja por conta própria, ajudar os saberes e conhecimentos presentes a viajar para que outros possam conectá- los com outras ideias e possibilidades dentro do processo de coletivização. Pode ser também a contribuição de trazer outras vozes para o debate, de mostrar outras posições e outros argumentos (SPINK, 2003, p. 27).

A incursão no campo-tema ganhava intensidade ao passo em que eu realizava as conversas com os atores que contribuíram para a construção da experiência do CGM. É importante lembrar que foram nomes que apareceram (foram indicados ou citados) nas narrativas contadas por eles mesmos.

Percorrendo a trajetória da “bola de neve”19, acessei professores, urbanistas e engenheiros da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), do Instituto das Águas do Paraná, do Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e o Procurador do Ministério Público do Meio Ambiente.

Em um segundo momento, iniciei o trabalho de entrevistar os atores centrais do processo de construção da experiência do CONRESOL, os quais começaram a aparecer na primeira história, contada pela Coordenadora de Planejamento da COMEC, realizada na primeira visita que fiz à COMEC. Além das entrevistas com o Ministério Público e com um professor da PUC-PR, outras quatro foram realizadas com os gestores e técnicos vinculados ao CONRESOL. O contar a história sobre o CONRESOL também envolveu promover diálogos entre as narrativas auferidas no trajeto demarcado pela “bola de neve”.

Estas conversas tiveram como objetivo conhecer as histórias do CGM e do CONRESOL. Para tanto, além das entrevistas, considerei as narrativas presentes em atas e outros documentos (os quais, mais a frente, encontram-se relacionados), referentes às duas experiências de associativismo territorial na RMC.

Considerando todas as narrativas, muitas entidades estão ou estiveram envolvidas com o campo-tema, conforme consta nos Capítulos 3 e 4. Suas contribuições com a construção das experiências se estabelecem de modo variado, seja mais central ou de modo periférico, porém, de alguma forma (independente de que lugar e com qual argumento) todos os agentes

19 O entrevistado indica possíveis outros. A saturação ocorre quando os novos entrevistados começam a repetir o

compartilham da construção social da realidade. Como bem alerta Spink (2003, p.36), “Não se trata de uma arena gentil onde cada um fala por vez; ao contrário, é um tumulto conflituoso de argumentos parciais, de artefatos e materialidades”.

O campo-tema se constrói por meio de diálogos, que acontecem em hora marcada ou espontaneamente, realizados por meio de conversas em diferentes lugares (balcão de padaria, filas de ônibus, no metrô e no campus universitário, utilizando blocos de anotações ou gravadores, e como narrativas construídas oralmente, transmitidas diretamente ao interlocutor, por meio do rádio, da televisão ou que seja através de textos impressos em jornais ou revistas e também via documentos), mais centrais e mais conhecidos ou menos centrais e menos conhecidos enquanto espaços de encontros e de decisões (SPINK, 2003). Todos estes lugares ou elementos representam a materialidade da dinâmica da rede onde se constrói o(s) argumento(s), na qual o social é produzido pela rede ao passo que produz simultaneamente as redes de materiais heterogêneos, segundo a teoria actor-network20 (LAW; HETHERINGTON, 2001).

Para SPINK (2003), o campo-tema se estabelece como complexo de redes de sentidos que se interconectam. Ao citar Lefebvre (1991, apud SPINK, 2003), o referido autor escreve que o campo-tema é um espaço criado, herdado ou incorporado pelo(a) pesquisador(a) e também negociado quando este(a) procura se inserir nas suas teias de ação. E, neste sentido, mesmo quando o campo-tema é herdado, precisa haver uma busca para uma maior inserção. “Campo, portanto, é o argumento no qual estamos inseridos” o qual pode estar presente em diferentes lugares. “Os lugares fazem parte do campo tanto quanto as conversas” (RIBEIRO, 2003; apud SPINK, 2003, p. 28).

Em síntese, sob as lentes do pós-construcionismo social, minha intenção foi a de auferir os sentidos por meio das narrativas. Com efeito, para apreender os sentidos, foi necessário interpretar as narrativas e não somente descrevê-las. Desse modo, coloquei-me no processo interpretativo como um inquiridor, identificando e buscando desvendar os mistérios (PIORE, 2004).

20

“A teoria actor-network (rede-ator) foi elaborada inicialmente a partir dos trabalhos de Latour e Woolgar sobre o fazer da ciência, sobre a produção e disseminação de conhecimento e os processos em que pedaços diferentes do social, do técnico, do conceitual e do textual são juntados e convertidos em produtos científicos. Posteriormente a noção central de uma multiplicidade de pessoas, máquinas, animais, textos, em interação foi aplicado a outras instituições e redes de sentidos como as organizações, famílias e a economia, utilizando o argumento construcionista de que afinal ciência nada mais é de que um outro processo social. A discussão da simultaneidade de construção da socialidade e materialidade se aproxima, em parte, à teoria de estruturação de Giddens (1979). (Ver: LATOUR B.; WOOLGAR, S. 1979, LATOUR, B. 1987 E LAW, J. ; HASSARD J. 1999)” (SPINK, 2003, p. 29).