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A visão anarco-sindicalista

No documento Tese final (páginas 147-150)

Capítulo 3 O 18 de Janeiro de 1934

14. A visão anarco-sindicalista

Conhecida que é a posição da CGT relativamente ao fracasso do movimento nos meses que se seguiram à efeméride, atirando as culpas para a CIS e PCP, vamos verificar como é que os anarco-sindicalistas noticiaram o movimento em liberdade através do seu órgão oficial,

A Batalha.

Em 4 de janeiro de 1975, o jornal anarco-sindicalista questiona: “onde estás, liberdade?”. Os libertários, filosofia política que tem a liberdade como seu principal objetivo, nunca se conformaram com a apropriação comunista da ação insurrecional. Na edição de 18 de janeiro de 1975, em mais de três páginas (1, 3, 6 e 7), com o título «18 de Janeiro de 1934» escrito em cima de alguns textos de jornal, a imitar uma parede ensanguentada, não são ignorados os longos “silêncios” do PCP e muito menos a “pirueta” dada a partir das comemorações com Cunhal na Marinha Grande, “de forma festiva e triunfal”.

Vasconcelos (2002, p. 249) lembra que a Marinha Grande foi “uma espécie de tabú para os anarquistas, da mesma forma que assim foi para os comunistas a partir do VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935”, e até ao 25 de Abril, “salvo raras excepções”. Estas raras exceções são as que se identificaram em algumas edições do Avante anteriormente mencionadas.

Os anarco-sindicalistas, tal como em 1934, não esmorecem nas divergências relativamente aos rivais comunistas e contribuem, também eles, para a polémica em torno do

18 de Janeiro e para os mitos e as contradições. Sob o título «Jornada Memorável dos

Trabalhadores Contra a Fascização dos Sindicatos», A Batalha reconhece que a greve geral foi “esmagada e vencida”, mas ficou sempre como “um marco imperecível e eloquente na luta contra o fascismo, a mais significativa luta, a dos trabalhadores ligados na Confederação Geral do Trabalho”.

Na mesma linha do PCP, os libertários referem que a 25 de abril de 1974, “a alma que se erguera em 18 de Janeiro de 1934 (…), irrompe e proclama de novo que os sindicatos seriam livres de qualquer tutela”.

No mesmo artigo, não perdem a oportunidade de considerar “absolutamente aberrativo que seja agora a Intersindical que se torne a glosa solicitante duma lei estranguladora da liberdade sindical”. Acrescenta-se que a liberdade sindical só pode ser desejada pelos trabalhadores, “mas incómoda para as cúpulas que pretendem transformar o sindicalismo em

coutadas de caça política. O jornal “sindicalista revolucionário”, liderado por Emídio Santana, não pode ser mais claro no ataque aos comunistas:

“Do mesmo modo que o P.C., acomodado então ao manejo reformista dum triunfalismo soviético, apelidou o 18 de Janeiro de ‘anarqueirada’, agora, e só agora, pretende festejá- lo como uma das suas lutas, como uma das suas jornadas”.

No artigo fica clara a tentativa de desvalorizar a participação comunista no 18 de

Janeiro de 1934 e exultar o trabalho da CGT e dos anarco-sindicalistas.

Tal como tinha sucedido 41 anos antes, comunistas e anarquistas voltam a confrontar-se de forma aberta, cada um chamando a si a autoria do movimento e, paralelamente, ignorando a participação do outro.

Invariavelmente, os anarquistas voltaram ao assunto em tempo de aniversário da ação insurrecional, considerando-a “imperecível” e uma luta que continua “actual”. O PCP está no centro das críticas anarquistas.

Em 1 de fevereiro de 1975 pode ler-se «Ainda o 18 de Janeiro», com a garantia de que “os trabalhadores lutaram pelo seu e autêntico sindicalismo revolucionário”.

Na edição de 1 de fevereiro de 1975, A Batalha publica um texto assinado por quatro anarquistas, ataca Bento Gonçalves e «Duas Palavras», considerando-o um “livrinho” em que o autor “já não estaria no completo uso das suas faculdades mentais”.

No artigo voltam a ser ressuscitadas “as contra-ordens do PCP”, autênticos travões para que a ação tivesse êxito. É ainda denunciado que foi a CIS que esteve por detrás dos adiamentos, dos avanços e recuos da operação.

Finalmente, os anarquistas, através do “antigo órgão da Confederação Geral do Trabalho”, acusam os comunistas de “deslealdade no cumprimento dos acordos”, reafirmam que foi a CGT que lançou o movimento e que “passados quarenta anos são os militantes libertários que podem reivindicar com verdade, toda a glória que possa haver nele”. Relativamente à dita glória, denunciam que o que no passado foi considerado uma «anarqueirada» é, alguns anos mais tarde, considerada uma gloriosa jornada revolucionária do PCP, “nessa data quase inexistente” (Vasconcelos, 2002, p. 250).

O destaque ao movimento esmorece em 1976 no jornal liderado por Emídio Santana mas regressa em fevereiro do ano seguinte, com o título: «18 de Janeiro de 1934 - um objectivo a atingir”.

O jornal acrescenta: “combatentes do 18 de Janeiro, mortos dessa jornada! Estão na ordem do dia os motivos que vos empolgaram. O 18 de Janeiro não pode ser deturpado como tem sido. É preciso continuá-lo”.

Em 1978, na primeira edição do ano, no canto inferior direito da primeira página, uma pequena notícia onde se volta a referir que “passados 43 anos novas unicidades se tentam, e o objectivo do 18 de Janeiro ainda não foi alcançado”.

No ano de 1979, o jornal anarco-sindicalista prossegue a mesma narrativa: “permanecem os seus objectivos”.

Na edição de janeiro de 1980, o jornal anarco-sindicalista escreve que o 18 de Janeiro continua a ser “uma luta actual”, lembrando que “a CGT era a única força que recusava todos os compromissos de ordem capitalista”. Remata garantindo que “de algum modo se entende que os comunistas tivessem conscientemente traído o 18 de Janeiro”, logo o movimento “está de pé”.

Um ano depois, A Batalha garante que “o 18 de Janeiro está por fazer” e, mais à frente, frisa que foi a CGT a propor a todos os setores sindicais “a organização de uma acção comum”. A consulta de outra imprensa anarquista segue a mesma orientação editorial, sendo o alvo o PCP e a apropriação que fez do movimento a partir de 1975149.

Relativamente à Marinha Grande, a iniciativa é atribuída à CGT, mostrando orgulho na ação e não identificando outras tendências na base da greve geral. Porém, há anarco- sindicalistas que confirmam a importância comunista na revolta marinhense, vila onde o PCP estaria mais organizado e ativo politicamente que a CGT150. Se o PCP se apropriou do

movimento, os anarquistas mostram contradições óbvias já que ora chamam a si a ação no seu todo, ignorando comunistas, socialistas e autónomos, ora o partilham com o partido de Bento Gonçalves. Há posições para todos os gostos, incluindo a atribuição do predomínio na Marinha Grande ao PCP.

Observada a visão anarco-sindicalista sobre o 18 de Janeiro de 1934, bastante heterogénea e contundente, apesar de defender que os ideais continuam por concretizar, importa agora apresentar a metodologia da investigação e analisar a imprensa regional e local do distrito de Leiria sobre a qual se baseará esta investigação.

149 Cf. A Voz Anarquista de janeiro de 1976. 150 Cf. Vasconcelos (2002, p. 251).

No documento Tese final (páginas 147-150)