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A Imprensa do Distrito de Leiria

No documento Tese final (páginas 155-161)

Capítulo 4 Análise de Conteúdo e Caracterização da Imprensa Regional de Leiria

2. A Imprensa do Distrito de Leiria

A imprensa regional em Leiria dá os primeiros passos no século XIX, acompanhando a tendência do país. Até então, só Lisboa e Porto apresentam atividade editorial, designadamente a capital portuguesa, apesar da primeira fábrica de papel se ter instalado precisamente em Leiria, no ano de 1411156. Em 1492 abre a primeira tipografia na cidade do

Lis. Mas é apenas em meados do século XIX que surge o primeiro jornal publicado em Leiria, “acompanhando a tendência sentida no País” (Almeida, 2008, p. 25). Aconteceu em 1854, no dia 1 de julho157.

O Leiriense apresenta-se aos leitores como um periódico administrativo e noticioso e

era distribuído às quartas e aos sábados. Apresentava quatro páginas e tinha um custo de 30 reis. Tinha como administrador Miguel Leitão, correspondente no periódico Ecco dos

Operários. O título tinha como intuito elevar o distrito, um jornal aberto a todos os credos.

Tal como outros jornais da época, O Leiriense dedicava-se a temas locais, mas não só. A componente nacional, religiosa e política faziam parte do alinhamento, tal como os pequenos anúncios que davam alguma sustentabilidade ao projeto.

“Assuntos do quotidiano como o oídio das vinhas, a produção de arroz e batatas, as viagens do bispo ou as decisões da Junta Geral eram parte da primeira edição. Mas também não faltavam referências à actualidade internacional e mesmo áreas do jornal dedicadas à diversão”, afirma Almeida (2008, p. 26).

O jornal tinha uma distribuição bissemanal mas acabou por passar a semanário e, mesmo nestas condições, teve que cessar a sua atividade em 1859, cinco anos após o arranque do projeto, devido a questões de natureza financeira.

Permanece como marco no arranque da imprensa leiriense e ficou para a história como o primeiro jornal a ser publicado em Leiria, antecipando-se dois anos ao jornal O Lis, fundado em 1856. É, contudo, no final do século XIX que se verifica um boom no número de publicações em Portugal em geral e em Leiria em particular.

Até 1900 identificam-se treze publicações periódicas e até ao final da monarquia constitucional existia pelo menos um jornal na generalidade dos concelhos do distrito, à exceção das zonas mais distantes do litoral, como por exemplo Castanheira de Pera.

156 Cf. Santos, 2014, p. 54.

157 Em 1853 estabelece-se em Leiria uma tipografia, “em que trabalhavam dois compositores, um aprendiz, um

Todavia, em muitos casos, a duração dos projetos é curta e as razões quase sempre associadas à sustentabilidade financeira.

Segundo Almeida (2008, p. 27), “entre a data de surgimento do primeiro jornal de Leiria e 1909, quase todos os concelhos do distrito de Leiria tinham pelo menos um jornal nado nas suas fronteiras”.

É natural que cada concelho quisesse ter, por esta altura, um título representativo dos seus interesses, ainda que por períodos efémeros.

Seria fastidioso enumerar todos os periódicos que se publicaram até ao fim da monarquia.

Entre estes, para além do Leiriense, destacam-se o Collipo, de 1891; Correio de Leiria (1895 a 1900); Correspondência de Leiria (1874-1877); O Alcobacense (1879); O Distrito de

Leiria (1882 a 1910); O Correio de Pombal (1886-1890); Correio da Nazareth (1899); Echos do Liz (1907 a 1908); A Nazareth (1904-1911); Leiria Illustrada (1905-1916); A Batalha Nova (1909-1910), do concelho da Batalha; O Correio de Porto de Moz (1909-1911); Autonomia, da Marinha Grande, que se publicou a partir de finais de 1889 até 1895, ano em

que suspendeu as publicações até 26 de julho de 1901.

É nesta data que retoma o contacto com os leitores. Encerrou definitivamente a 9 de março de 1902. O autor lembra que “a interioridade que ainda hoje se sente, era na altura ainda mais ampliada”.

Na Marinha Grande, a Autonomia instala-se em 13 de outubro. Trata-se de um “órgão informativo, cultural e defensor dos interesses locais” (Azambuja, 1998, p. 292).

Fundado por José Ferreira Custódio Júnior, o periódico tem um objetivo concreto: defesa e engrandecimento da terra e fundamentalmente lutar pela restauração do Concelho.

A implantação da República em 1910 fomenta o nascimento de publicações, entre as quais O Mensageiro158, em 1914159, em Leiria.

Santos (2014, p. 56) lembra que “o início do século XX, registou em Leiria, um significativo emergir de títulos jornalísticos, devendo-se esse facto aos títulos do jornalismo republicano que assumem um papel importante na sua vida social e política”.

158 “Sem recusar o carácter confessional, «O Mensageiro» esteve longe de ser um jornal reverente, quer dentro

da Igreja, quer para as instituições políticas da altura” (Camponez, 2002, p. 209).

159 Camponez (2002, p. 195) afirma que O Mensageiro “fez da restauração da diocese de Leiria uma das

Em 12 de abril de 1917 é fundado na Marinha Grande, por António Gomes, A

Restauração.

O Marinhense nasce em 1 de maio de 1917 e O Regional em 25 de maio de 1919. Estes

jornais, tal como tantos outros, não tiveram uma longa história de vida.

Mas é na década de 20 que se assiste ao incremento da vida útil dos títulos. Por exemplo, António Gomes, que tinha criado A Restauração, surge em 1927 como mentor de um outro jornal, denominado A Marinha Grande. Teve quatro anos de existência.

Camponez (2002, p. 208) lembra “a existência de uma imprensa periódica dinâmica durante o tempo da Primeira República, especialmente na década de 20”.

Segundo Santos (2014, p. 55), a restauração da República trouxe a Leiria uma realidade diferente ao jornalismo, “com novas correntes, fruto dos ideais republicanos que colidiram fortemente com os princípios monárquicos do passado”.

O autor acrescenta que “regra geral, quase todos os jornais se afirmam com conteúdos de apoio à República (à exceção de O Mensageiro)”.

A simpatia do jornal do Padre Lacerda pela monarquia, bem como contra as temáticas do aborto e do divórcio, vão levar a que O Mensageiro seja alvo de grande contestação republicana, no entanto, “as peripécias escaldantes não colocaram em causa a função do jornal nem o seu contributo para a história leiriense” (Santos, 2014, p. 57)160.

Relativamente a Leiria, o balanço era “favorável ao regime, sendo pouco relevante a anti-situacionista”, afirma Tengarrinha (2006, p. 190).

Na cidade vidreira a década de 1920 assiste ao aparecimento de alguns jornais. Em 1922 nasce A Foz do Liz; em 1923 A Luz e a Página da Marinha Grande; em 1924 Amanhecer e O

Imparcial; e A Marinha Grande, em 1927. Na década de 30, Leiria é dos distritos com menos

títulos: apenas oito.

Em Coimbra, por exemplo, existem por esta altura dezanove jornais. É precisamente em 29 de junho de 1930 que é fundado o jornal A Voz do Oeste, em Vieira de Leiria. Segundo Azambuja (1998, p. 296), “teve vida efémera”, pois foi criado no período das grandes crises económicas, o que faz toda a diferença pois a manutenção de um jornal nas bancas acarreta custos significativos.

160 Santos (2014, p. 59) revela que entre 1914 e 1918 “o jornalismo não se regeu por critérios de objetividade e

imparcialidade, muito menos por códigos de conduta, éticos e deontológicos. Os seus textos foram revestidos de adjectivos, de provocações, de lutas entre a Monarquia arredada do poder e uma recente República que se queria afirmar objectivamente”.

Luís Neto faz, a propósito da imprensa regional e local, um retrato dos meses que antecederam o 18 de Janeiro de 1934:

“Logo nos antecedentes do 18 de Janeiro, em 1932 e especialmente em 1933 em que houve grandes lutas operárias, os correspondentes da Marinha Grande nos jornais leirienses, se calaram, como foi o caso do “O Mensageiro” e da “A Voz do Domingo”, voltando uns meses após o 18 de Janeiro com pequenas noticias de melhoramentos...e começando uma intensa campanha anti-bolchevista ou anti-comunista e de vivas ao Estado Novo e a Salazar, sob a batuta da União Nacional, dos organismos do Estado Novo, da Censura, etc. Na Marinha faziam-se conferências, palestras, autênticos comícios, no Teatro Stephens, de apoio à Ditadura e condenando os comunistas, dizendo sempre que o povo da Marinha era ordeiro, relegando para meia dúzia de energúmenos o que se tinha passado anteriormente, etc”.

O autor acrescenta:

“O jornal “A Marinha Grande” tinha-se extinguido já em 1929 e o “A Voz do Oeste” em 1930.

Houve cerca de 10 anos sem que saísse notícia alguma da Marinha. E com sede na Marinha não vai existir qualquer publicação durante 33 anos.

Após 1934 só apareceu a secção “Notícias da Marinha Grande”, no “Região de Leiria”, e isso em 1939, seguido dos títulos “Correio da Marinha Grande”, em 1942 e “A Voz da Marinha Grande”, em 1943, no mesmo leiriense “Região de Leiria”.”

Relativamente ao facto de não se escrever sobre o 18 de Janeiro de 1934, o autor encontra explicações plausíveis:

“Nunca se escreveu sobre o 18 de janeiro, porque não se podia (nem se queria, no que respeita à maioria dos jornalistas...pois eram afetos ao regime) - apenas surge uma ou outra vaga alusão, como foi o caso de “A Voz da Marinha Grande”, de 30/12/1943 em que se diz que “regressaram de comboio 9 pessoas ausentes desde janeiro de 1934” - eram alguns presos que foram libertados...mas não se podia dizer que havia presos políticos, daí também o estilo da notícia.

Desde janeiro de 1930, portanto, até à saída do JMG não houve publicação na Marinha Grande. Pelo que só os jornais leirienses davam notícias do nosso concelho por modo próprio ou através de correspondentes (a maior parte desses periódicos, sem secção ou página própria para a Marinha Grande).

Desse modo é apenas o “Mensageiro” e um ou outro que disseram, logo após o 18 de janeiro, quem eram os presos e pouco mais, para além do pedido de amnistia feito pelo Bispo de Leiria em 1935.”

A Marinha Grande esteve, assim, privada de órgãos escritos de comunicação social durante vários anos. A crise económica explica, por um lado, esta realidade, mas Azambuja (1998, p. 297) lembra “a impossibilidade de se conseguir um alvará”, pois o Secretariado Nacional da Informação (SNI) “não concedia alvarás para novos jornais, muito menos na Marinha Grande, centro tradicionalmente reivindicativo”.

A alternativa foi encontrar um jornal que aceitasse publicar algumas notícias relativas à Marinha Grande. Foi o caso do semanário Região de Leiria, fundado em 10 outubro de 1935, numa altura em que o Estado Novo dá os primeiros passos e impõe as aludidas restrições à criação de títulos jornalísticos.

Identifica-se uma ou outra exceção, designadamente a Voz de Alcobaça e a Voz de

Pombal161. Nas Caldas da Rainha surge em 1929 o jornal Álbum das Caldas, dirigido por J.

Fernandes dos Santos que durará até 1940.

É no Região de Leiria que nasce em 8 de julho de 1939 a página «Notícias da Marinha Grande», um gesto ao qual muito se deve José Baptista dos Santos, proprietário e diretor do semanário leiriense. A criação desta página, ou melhor, desta secção regional, defensora dos interesses do concelho, é dirigida por João da Silva Reis, gerente da Fábrica Nova (IVIMA), e Rafael de Magalhães, diretor técnico da fábrica Emílio Gallo, Lda.

Segundo Azambuja (1998, p. 297), a criação da página «Notícias da Marinha Grande» foi recebida “com efusivo regozijo pela população marinhense, que assim viu satisfeitas velhas aspirações”.

A página manteve-se até 1940, altura em que passa a ter novos colaboradores e a designar-se por «Correio da Marinha Grande»162. A partir de 1943 assume a designação «A

Voz da Marinha Grande».

A década de 1940 assiste a um rude golpe para a imprensa regional por força de um regime autoritário que se opunha a todo o tipo de publicações que não lhe fossem afetas. Neste quadro ganham espaço os jornais próximos da Igreja e, em sentido inverso, os títulos conotados com os ideais republicanos e democráticos não tinham grande margem de manobra face ao poder da censura163. Claro que se entendem as razões de não existirem grandes

entraves a publicações de natureza religiosa, pois estas não se apresentavam como opositoras do regime. Em alguns casos, eram utilizadas as publicações detidas pela igreja para a transmissão de mensagens de cariz político.

161 No caso do periódico da Região de Cister, publicou-se no início da década de 1930 e encerrou em 1934,

proibido pelo regime. O administrador era José de Oliveira Júnior. O jornal Voz de Pombal nasceu em 1929 e dirigido por Joaquim Augusto da Silva Júnior.

162 Não confundir com o semanário O Correio que nasceria na década de 1970 e que mais tarde, curiosamente,

seria adquirido pela empresa detentora do Região de Leiria pertencente ao Grupo Lena.

163 Sublinhe-se que as dificuldades da imprensa regional e local já vinham do passado, mantendo-se na década de

1940 e nas seguintes. Trata-se de uma atividade que depende da venda de jornais e da publicidade que, em muitos casos é escassa. E os mecenas têm limites financeiros, além de que o século XX foi fértil em poderes políticos que facilmente encerravam jornais.

O Jornal da Marinha Grande foi detido durante décadas - setenta, oitenta e noventa - pela paróquia local sem que esta tivesse qualquer intervenção no conteúdo editorial.

O Correio e o Jornal de Leiria já não tiveram que se preocupar com o regime, pois

nasceram depois do 25 de Abril de 1974.

Aliás, um dos fundadores do Jornal de Leiria, António José Laranjeira, não hesita em considerar que a recente história da imprensa da região pode ser dividida em duas épocas: pré e pós Jornal de Leiria.

Na opinião do antigo jornalista e agora empresário na área da comunicação, “até à fundação do novo título, a imprensa leiriense estava na pré-história” (Camponez, 2002, p. 207).

Já em democracia, a imprensa regional e local de Leiria fez o seu caminho, com altos e baixos, em função da maior ou menor sustentabilidade económica e financeira.

Faustino e Martinho (2012, p. 99) garantem que “no século XX português, é possível distinguir dois períodos na imprensa, nacional e regional”: a fase correspondente ao Estado Novo, de 1926 a 1974, e a fase correspondente à Democracia, a partir de 25 de Abril de 1974. Ou seja, acrescentam os autores, “a existência de limitações à liberdade de imprensa durante o regime de Salazar, com as publicações a serem visadas pela censura, é razão suficiente para traçar uma linha de divisão entre as duas épocas”.

Segundo Faustino e Martinho (2012, p. 99), o controlo da imprensa pelo Estado durante o Estado Novo, através da censura mas também pela via da posse de meios de comunicação, “impedia igualmente o seu desenvolvimento”.

Voltando a Camponez (2002, p. 21) e a Leiria, “estamos perante uma imprensa que se orgulha do trabalho realizado. Não raras as vezes apresenta publicamente os números do seu sucesso e, frequentemente, autoproclama-se como a melhor imprensa regional do país”.

Feito um breve resumo da imprensa do distrito de Leiria, importa conhecer de forma um pouco mais aprofundada a história dos jornais que serão analisados neste estudo e que são os mais importantes que existiram entre 1934 e 1984, pois ao longo deste período foram existindo outros com pouco tempo de vida.

Refira-se que se seguirá a ordem cronológica, começando pelo mais antigo - O

No documento Tese final (páginas 155-161)